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A arte de garimpar dinheiro – Por Fernando Jakes Teubner

Capa do Livro: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1998 - Capa: Anderson Marques

Minha primeira experiência em jornal foi nos anos 50, ainda com a Folha do Povo, um jornal que na época brigava com A Tribuna e A Gazeta. Eu era repórter policial no bairro Santo Antônio. Com o tempo, desapareceu a Folha do Povo e surgiu, em 1955, o jornal O DIÁRIO.

Como um jornal começou quando o outro estava acabando, nós (os funcionários da Folha do Povo) fomos quase todos aproveitados pelO DIÁRIO. Aí eu comecei a trabalhar não só como repórter, mas também atuando na parte comercial, porque eles descobriram que eu faturava com alto-falante.

Comecei a fazer reportagens comerciais porque nós não tínhamos salário. A única coisa que tínhamos era uma carteirinha que usávamos para não pagar passagem de ônibus. Depois assumi o cargo de corretor.

O DIÁRIO passou por várias fases e por várias mãos até que, depois da renúncia do Chiquinho, eu, Edgard dos Anjos e José Carlos Monjardim Cavalcanti compramos o jornal e fizemos uma revolução na parte jornalística. O DIÁRIO passou a ter compromisso com as nossas causas. Nós brigamos com a Vale do Rio Doce por causa da poluição em Vitória, e quase quebramos. A Vale chegou a fazer uma campanha para ninguém nos dar anúncio.

Tínhamos duas ou três agências publicitárias, mas na realidade éramos eu e o Edgard que íamos para a rua buscar anúncios, embora o José Carlos Monjardim Cavalcanti também tenha tido uma grande importância como diretor comercial. Os nossos anunciantes eram os empresários locais. O Centro do Comércio de Café era um grande anunciante nosso, bem como as construtoras. O Governo do Estado também anunciava.

Houve um período em que nós chegamos a vender mais jornal que A Gazeta. Na época das notícias sobre o Esquadrão da Morte, assunto levantado pelo Gerson Camata, nós tivemos maior circulação. Chegamos a tirar de 13 a 14 mil exemplares contra uma tiragem de 8 a 9 mil exemplares de A Gazeta. Nesta época o jornal não tinha problemas financeiros. Ele pagava bem os seus funcionários. Sempre tinha dinheiro para investir em bons equipamentos.

Havia um senhor chamado Américo Rosa, que era doido. Ele era um cara muito engraçado, fazia serviços para o jornal, gostava da gente. Um dia, em 1969, ele foi acender um fogareiro para fazer um café. Ao invés do álcool, pegou um galão de gasolina. Como ele tinha a mão trêmula, acabou derrubando a gasolina e pegou fogo no jornal. Ele quase morreu. Na época falaram muito que tínhamos colocado fogo no jornal para receber o dinheiro do seguro, mas não foi nada disto. Foi mesmo um acidente.

Outro fato curioso foi na época da visita do então ministro dos Transportes, Mário Andreazza. Ele veio ao Estado fazer inspeção na BR-262. Na rota da rodovia existia uma série de municípios e todos os prefeitos queriam aproveitar a visita do ministro para fazer uma estradinha até a sede do município. Vendo isto, eu falei o seguinte: "Se vocês fizerem uma fotografia com ele no local onde querem a obra, depois vocês podem ir a Brasília e convencer o ministro." Eu me comprometi a registrar isto nO DIÁRIO e, com isto, conseguimos fazer uma série de reportagens com umas 10 prefeituras da região, cada uma pagando uma página.

Mas o fato mais importante foi quando o nosso jornal descobriu um falso bispo junto com o presidente Costa e Silva, em um seminário. Foi o Barreto, na época repórter de Polícia e hoje delegado aposentado, quem descobriu o falso bispo. Para se ter idéia da repercussão da notícia, basta dizer que Médici, então chefe do SNI, foi à redação para saber detalhes da história.

Deixei o jornal no auge. Na época, fiz uma análise e vi que não havia nenhum jornalista velho. Os jornalistas morriam cedo porque tinham uma vida boêmia, ficavam no jornal até tarde e bebiam muito. Então aquela não era uma vida longa. Eu achava que quanto mais cedo eu saísse era melhor.

Aí apareceu um grupo interessado em comprar o jornal e eu saí. O Edgard resolveu ficar. Eu mudei completamente o meu estilo de vida, comprei uma propriedade agrícola, deixei de beber, nunca mais tomei uísque e voltei a praticar esporte. Antigamente eu ficava toda noite até quatro horas da manhã no Britz, o ponto de encontro dos jornalistas.

Éramos eu, a Carmélia, o Milson. Os mais velhos morreram todos.

Dez anos depois, após passar por uma série de pessoas, o jornal fechou. Mas o título O DIÁRIO é meu por causa de um compromisso que o José Maria Ramos Gagno tinha comigo.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autora: Fernando Jakes Teubner
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2018

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