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A Ermida das Palmeiras – Por Areobaldo Lellis Horta

Pedro Palácios - O Mentor da Penha

Vila Velha, onde aportaram os primeiros colonizadores do nosso território, foi por certo tempo a nossa capital, mais tarde transferida para Vitória, quando ainda Vilas, ambas as localidades. Naquela época, foi Vila Velha empório e centro principal de maior atividade comercial, recebendo a sua enseada a visita de navios, no intercâmbio comercial com as demais capitanias e com Portugal. Perdeu ela a sua hegemonia, desde que Vitória foi elevada à condição de capital, para onde se deslocou a maior parte desse intercâmbio. No decurso dos tempos foi a lendária e aprazível Vila do Espírito Santo decaindo lentamente até estacionar no pequeno número de habitações edificadas, pode-se dizer, na orla do mar. Porém, a amenidade de seu clima, as suas praias banhadas por águas mansas e limpas, fizeram dela uma espécie de refúgio para os moradores de Vitória, sobretudo nas épocas de verão, para lá afluindo as famílias que possuíssem propriedades ou relação de amizade com antigos moradores de localidade. Foi essa a Vila Velha do meu tempo, em cujas casas se aglomeravam famílias de lá e daqui, para atravessarem a era do verão, retemperando as energias pelo repouso e pelo banho de mar, tomados ao amanhecer, grupos nas Timbebas, outros nas águas de Piratininga.

O que se verificava ali nas épocas de calor, se constatava também por ocasião de festividade da Penha, deslocando-se para lá, com a antecedente de uma quinzena, as famílias, possuidoras de casas e as que eram relacionadas com os seus habitantes. Vila Velha enchia da mesma forma, aplicando-se, na acolhida aos que para ela corriam, o velho adágio que diz: "para dormir-se, depois das portas fechadas, tudo é quarto." E as esteiras tinham então o seu valimento, como camas macias de maior comodidade.

Começando na orla do mar, com o casario a partir do pequeno conjunto de chalés, antiga propriedade da família Bastos, edificada próximo ao portão de entrada, que dá acesso ao Convento, Vila Velha terminava à altura do cemitério existente aos fundos da Matriz, a mais antiga igreja do nosso estado.

Para o lado direito do cemitério, hoje desaparecido, corria uma rua, em cujo extremo começava a pequena Rua do Torrão, a única que avançava além daquela linha, abrindo o estreito caminho, que levava ao Frechal e à Praia da Costa, em demanda para o farol de Santa Luzia. Saindo-se dos fundos da Matriz, estendia-se o areal, alvo e reluzente ao sol, seguindo a mataria espessa, até a Praia da Costa.

Foi a Pedro Palácios, frade leigo, nascido em Medina do Rio Seco, próximo a Salamanca, na Espanha, e exercendo a sua atividade religiosa em Arrábida, Portugal, que se deveu a iniciativa da construção do Convento da Penha, majestoso templo que, de muito, se constituiu um monumento histórico, por guardar em si toda uma grande obra da civilização, desenvolvida sob os auspícios da fé em Jesus.

Vindo para a capitania do Espírito Santo em 1558, precisamente quando se preparava para regressar à Europa Vasco Fernandes Coutinho, Pedro palácios trouxe consigo um painel da Virgem Maria, sob a invocação da SENHORA DA PENA. De começo, afirma a tradição histórica, alojou-se ele sob uma pedra de apreciáveis proporções. Esse local está resguardado da irreverência dos homens por uma grade, tendo ao alto uma inscrição, rememoradora do fato. Encontra-se essa pedra próximo ao grande portão que dá acesso às ladeiras do Convento. Vizinha à referida pedra, e frente ao mar, outra existia, onde o religioso fez levantar um abrigo singelo, formado de quatro colunas com uma cobertura em forma de abóbada e destinado ao painel, que logo ali fora colocado, e que iria servir de fundamento à sua catequese. Esse abrigo que, na minha infância, conheci aberto, como o construíra o leigo sacerdote, e onde a meninada de Vila Velha costumava reunir-se se a brincar, em inconsciente profanação, foi mais tarde resguardado, em seus quatro vãos, por paredes de vidro, que permitiam vê-lo interiormente.

Constituíram os primeiros passos de Frei Palácios a catequese dos selvagens, obra que conseguiu realizar com proveito, colocando-os dentro da civilização da época, sobre os fundamentos da moral cristã. A certa altura dessa obra espiritual, já podendo contar com o auxilio dos índios, tomou ele a ombros a construção de uma ermida, no alto da montanha. Destinava-se ela a Nossa Senhora da Pena.

Por que a ideia de tão extraordinário empreendimento?

Sempre ouvi referências a uma lenda, que assim conta o motivo determinante daquela idéia.

Uma vez construído o abrigo destinado ao painel, foi ele colocado ali. No dia imediato, cedo se levantando, Palácios deu por falta do painel. Não admitindo hipótese de um furto, pensou em subir a montanha e, chegando ao sopé do rochedo, deu com o painel no cimo do granito, encostado sobre o tronco de duas palmeiras ali existentes, única vegetação que a tal altura, e sobre a rocha viva conseguira desenvolver-se. Apanhando-o, descera com ele, recolocando-o no abrigo; porém, na manhã imediata, o painel ali não se encontrava. Subiu o religioso novamente a montanha, achando-a no mesmo local da véspera, junto às duas palmeiras. Conta a lenda que, por dois dias sucessivos, o fato se verificou, o que levou Palácios à resolução de edificar, naquele penhasco, a ermida para a virgem, na conformidade de sua fé e da certeza, em que logo se achou, de estar ao mesmo tempo diante de um milagre e advertência divina.

Como teria Palácios conseguido alcançar o cimo da penedia, para dali retirar diariamente o painel, misteriosamente levado àquele local?

A resposta se encontra na circunstância de haver sido sob a sua orientação que, a seguir, foi construída a ermida, orientação dentro da qual deveria figurar o meio de acesso àquele ponto.

Ajudado pelos índios, construiu Palácios a ermida, levantando, aos pés das duas palmeiras, o altar da Senhora da Pena, cuja imagem mandou ele buscar em Portugal, fisionomicamente semelhante ao painel.

A obra foi inçada de dificuldades: o material levado aos ombros pelos crentes, sempre para todo o sempre motivo de admiração e até de meditação, como foi possível ao grande catequizador realizá-la?

Além dos mil e um percalços de que ela se vinha cercando, a falta de água era absoluta, apesar de o rochedo assentar sobre uma esplanada, coberta de vegetação. Refere, a propósito, ainda, a lenda que da rocha rompeu uma nascente a qual durou todo o tempo da construção da ermida, desaparecendo ao ser a mesma concluída. A construção passou a chamar-se "Ermida das Palmeiras".

Terminado o trabalho, fez o piedoso frade uma choupana para sua residência na esplanada.

Pondo de lado o que explica a lenda a respeito da idéia da construção de um santuário para a Virgem no alto da montanha, opina o historiador Cezar Augusto Marques: "Impressionado Frei Pedro Palácios pela severa fisionomia desta montanha, que lhe sugeria um pensamento místico e entusiasta das tradições deixadas pelos solitários da Tebaida, escolheu-a para realizar edificação de uma igreja sobre a mesma base de tão alto colosso".

Vivendo na humilde choupana que fizera para sua moradia, Palácios, ao cabo de doze anos de catequese, sempre a serviço do culto da Virgem de sua devoção, sem arredar pé de Vila Velha, faleceu a 2 de maio de 1570, quando ajoelhado junto ao altar da Senhora da Pena. Assim o encontraram os índios, tendo a mão direita espalmada sobre a ara, e a esquerda estendida sobre o peito, na posição de quem até ali fora, para a prática de suas habituais orações. Conta a lenda terem os sinos tocados por si naqueles momentos, e sendo encontrada já aberta a sua sepultura. Anos depois foram os seus ossos removidos para o altar-mor do Convento dos jesuítas nesta cidade, hoje, Palácio Anchieta, que possuía anexo um templo, a Igreja de Santiago, ou São Tiago, onde funciona atualmente a Contadoria Geral do Estado.

A 27 de julho de 1616 foi dado início, em Roma, ao processo de canonização do virtuoso anacoreta, sem que, até o presente, houvesse sido o mesmo ultimado.

O sucessor de Palácios, Frei Custódio Afonso, cuidou de fazer desaparecer a choupana do fundador do culto à Virgem, construindo em seu lugar outra ermida, para a devoção de São Francisco, cuja imagem foi transladada de Vitória. Em consequência dessa solução, estabeleceu-se a emulação entre as duas devoções, malgrado já se tivesse a Virgem como bastante milagrosa. Segundo as narrativas históricas, os missionários franciscanos, para dar melhor aspecto à "Ermida das Palmeiras", ampliaram-na, construindo a parte que é atualmente o corpo da igreja. Próximo à mesma, fizeram erguer um edifício conventual, destinado ao culto da Virgem, sendo ali alojadas doze religiosas, em honra ao apostolado.

Em 1591, Luisa Grinalda, então no Governo da Capitania, fez doação do Convento, já então construído, aos frades franciscanos, com plena aprovação do prelado Bartolomeu Simões Pereira.

A atual capela teve a sua pedra fundamental lançada a 3 de maio de 1744, concluída em abril de 1745.

A imagem da Virgem foi colocada em 25 de abril desse mesmo ano. Em 1652, sob a administração de Frei Sebastião do Espírito Santo, se fizeram os dormitórios, depois casa do refeitório nos dias de festa da padroeira.

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Referindo-me às vezes, linhas acima, à Virgem, sempre fiz acompanhado da palavra pena, assim chamando-a de Virgem da Pena, quando é conhecida por toda a parte por Virgem ou Senhora da Penha.

Por que Pena e por que Penha?

Se rezam documentos históricos, Pedro Palácios era ardoroso devoto da Virgem da Pena — palavra que significa: pesar, sofrimento, dor; bem como pluma ou pena de escrever. Em espanhol, a grafia da palavra se faz sem til na palavra n. Destarte, o painel trazido pelo valoroso anacoreta, e que ainda hoje se acha no Convento, é o da Virgem ou Senhora das Dores. Tanto foi assim, que asseveram ainda documentos históricos, a imagem por ele mandada trazer de Portugal, tinha segura entre as mãos, uma pluma.

Aconteceu, porém, que bem cedo a denominação de Pena, para definir a razão de ser do culto, passou a ser substituída por PENHA, que em espanhol, se grava com til na letra n, para significar penedo, penhasco, pedra bruta. A substituição foi conquistando o povo, de modo tal que se impôs em definitivo, no tempo e no espaço, dominando em absoluto até o presente. Porque o povo, de ordinário, desconhecedor de idiomas estrangeiros, mesmo os neolatinos, preferiu Virgem ou Senhora da Penha, à Virgem ou Senhora da Pena? Por que Senhora do Penhasco em vez de Senhora das Dores?

Talvez Pedro Palácios não tivesse tido a oportunidade de explicar aos fiéis da Virgem, à proporção que eles cresciam em número, que aquele painel e a imagem da Virgem, eram da Senhora das Dores. Impressionada aquela geração de crentes e as que lhe seguiram com a circunstância de haver sido construídos, a Ermida das Palmeiras a princípio, e mais tarde, o Convento, sobre a pedra bruta, a rocha viva, deram à Virgem o nome de "Senhora da Penha", e ao Convento o de "Convento da Penha", na significação de penhasco.

Que essa substituição se processou relativamente cedo, atesta a maneira como se conduziu, no exame da questão, frei Manuel de Santa Maria, em 1858, há quase um século. Segundo a publicação Novo Orbe Seraphico Brasilico, frei Manuel escrevia a respeito a palavra Pena com oe, na significação de dor, sofrimento, angústia, para expressar que o nome da Virgem era Senhora da Pena, no sentido de dor, sofrimento e angústia, não no sentido de penhasco.

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2020

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