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A escravidão negra e sua abolição – Por João Eurípedes Franklin Leal

O negro escravo, que desde os primórdios da colonização era o responsável pelo trabalho pesado no Espírito Santo, e especialmente no século XIX, levado pelo sentimento de liberdade passou a se insurgir, rebelando-se e formando os refúgios chamados de quilombos, onde viviam livremente. Foram vários os quilombos existentes no passado do Espírito Santo.

Em 1822, na freguesia da Serra, houve uma insurreição de escravos que queriam a liberdade, foi sufocada e os responsáveis castigados para exemplo aos demais. Em São Mateus, cinco anos depois, mais de noventa negros aquilombados, ameaçaram atacar a Vila e as fazendas, mas foram repelidos pela Tropa de Linha, que para lá se deslocou com vinte praças e um capitão. Posteriormente, em S. Mateus, em 1843, foi comunicado ao Governo Imperial o desmantelamento de um quilombo de setenta negros e dezoito casas, pela força policial, após uma séria luta, que resultou na morte de alguns negros e a prisão de muitos.

Com a proibição do tráfico de escravos, os contrabandistas passaram a atuar no litoral do Espírito Santo, desembarcaram africanos contrabandeados, principalmente em Itapemirim, Piúma, Guarapari, Vitória e Santa Cruz.

A fuga de escravos e seu quilombamento atingiram proporções tais que, em 1847, o Presidente da Província Luís Pedreira do Couto Ferraz decidiu criar uma "Guerrilha" destinada a captura dos negros fugidos que viviam, principalmente, nas matas entre Benevente (Anchieta) e Serra.

Um dos pontos culminantes das revoltas escravas no Espírito Santo foi a Insurreição do Queimado. Os chefes desta revolta foram os negros Elisiário, Chico Prego, João Pequeno e João da Viúva Monteiro, além de outros elementos também importantes como Eleutério, Benedito e Carlos. A revolta possuía como finalidade principal a libertação do trabalho escravo. Um fato anterior a insurreição contribuiu para precipitar os acontecimentos: o Frei Gregório de Bene, desejoso de construir a Igreja do Queimado pediu a ajuda dos escravos para o trabalho de construção e, em seus sermões exaltava a liberdade e combatia a escravidão. Isto insuflou o ânimo dos escravos que marcaram para a festa de São José, a 19 de março de 1849, a revolta, no caso de não receberem liberdade pelos serviços prestados na construção do templo, que alias ainda não havia sido totalmente concluído. Na véspera, chegaram contingentes de várias fazendas atingindo o número de cerca de duzentos negros. Mas a falta de organização da revolta fez com que os revoltosos de São Mateus, Viana e de parte do Queimado não chegassem e tempo, o que dobraria o número se insurretos. No dia 19 de março, informou-se que seriam libertados os escravos à entrada da Missa, mas a mesma já estava em altura da Elevação sem que nada tivesse acontecido. Então, Chico Prego, chefiando um grupo exaltado de escravos dirigiu-se a igreja gritando por liberdade. A Missa foi interrompida, o templo fechado e os senhores perplexos. Frei Gregório tentou apaziguar os ânimos e recomeçou a Missa, mas foi novamente interrompido pelos insurretos que exigiam a liberdade. Enquanto isso foi enviado um pedido de socorro ao governo, em Vitória, para que enviasse forças. Os revoltosos foram momentaneamente contidos através de promessas de liberdade. Mas no dia seguinte chegaram os policiais enviados de Vitória ao Queimado onde travaram luta com os negros que foram derrotados e muitos fugiram. Uma Companhia de Guerrilheiros foi então posta a cata de rebeldes nas fazendas e matas, que capturados, foram remetidos em número de trinta e oito para a cadeia de Vitória. Feitas as sindicâncias, reunido o Júri foi então dada a sentença, sendo defensor dos insurretos o Dr. João Climaco. Cinco foram condenados a morte, seis foram absolvidos e os outros sofreram penas menores como de açoites, em quantidade de 300 a 100. Os condenados a morte Elisiário, João Pequeno e Carlos conseguiram escapar da prisão, no dia 7 de dezembro e embrenharam-se no sertão da Serra, enquanto que os condenados, também a morte, João da Viúva Monteiro e Chico Prego não puderam escapar da prisão. Os fugitivos não foram nunca alcançados, os dois prisioneiros foram executados, sendo Chico Prego enforcado na Serra e João da Viúva Monteiro, no Queimado em janeiro de 1850. Ainda em 1849, a fazenda da Safra, próximo ao Cachoeiro de Itapemirim vinte escravos se revoltaram e tomaram rumo ignorado e nunca encontrados.

Seguindo a política de abolição gradual da escravidão o governo provincial do Espírito Santo autorizou, em 1869, o emprego de seis contos de reis anuais, por um prazo de cinco anos para libertar escravos de cinco a dez anos de idade o que na totalidade chegou a beneficiar setenta e oito pessoas. Neste mesmo ano foi fundada a Sociedade Abolicionistas do Espírito Santo, a 17 de outubro, dentro da orientação elaborada pelo Dr. Deolindo Viela Maciel, que tinha por finalidade libertar o maior número possível de escravos e incorporá-los à sociedade. Na festa da Penha de 1871 foram festivamente libertados doze escravos e decretado livre o ventre de todas as escravas pertencentes a Ordem Franciscana no Brasil, antecipando a Lei do Ventre Livre decretada meses após. O próprio governo provincial passou a estimular a concessão de liberdade a escravos. Em 1874 foi fundada a Emancipadora Primeiro de Janeiro, dedicada à libertação dos escravos sendo seus principais chefes Cleto Nunes Pereira, Aleixo Neto e Francisco Escobar Araújo.

Seguindo estatísticas relativas a 1875, o Espírito Santo possuía 22.732 escravos para um total de população de 72.000 habitantes. No Ateneu Provincial, a 23 de junho de 1879, foi fundado o Clube Saldanha Marinho, que era uma sociedade literária, mas que resultou em uma sociedade abolicionistas e também republicana. Pertenciam a ela Amâncio Pereira, Chapot Prévost, Antônio Ataíde e outros. O número de quilombos aumentou assustadoramente ficando famosos os de Cachoeiro de Itapemirim e de São Mateus além dos de Viana e Araçatiba.

Na própria Câmara de Vitória, a 5 de agosto de 1883 foi fundada a Sociedade Libertadora Domingos Martins, que era presidida por Cleto Nunes Pereira e defendida por Afonso Cláudio, João Aguirre, Aristides Freire, Urbano de Vasconcelos, Cândido Costa, Muniz Freire. Esta Sociedade aceitou a participação feminina visando maior atividade. Mais tarde tornou-se seu presidente Antônio Francisco Ataíde. Esta libertadora conseguiu, com a imprensa regional, que não mais se publicasse anúncios de escravos fugidos. Logo houve a reação de escravagistas como Francisco Tagarro e José da Silva Cabral que consideravam prejudiciais a economia a onda abolicionistas que corria o Espírito Santo. No sul, principalmente em Cachoeiro de Itapemirim, foi desenvolvida a campanha para a libertação dos escravos tendo como figuras proeminentes João Paulo Rios, Gil Goulart, Leopoldo Cunha e Costa Pereira apesar da posição contrária dos fazendeiros, principalmente os cafeicultores e produtores de açúcar. Outra sociedade libertadora de escravos foi fundada em 1884, no dia 29 de março e foi intitulada Abolicionista Literária Peçanha Póvoa liderada por Tiburcio de Oliveira e Pedro Lírio, que transformou-se posteriormente no Clube Abolicionista João Climaco. Enquanto isto novas insurreições e revoltas de escravos aconteceram na Província, como a de 1885, em São Mateus chefiada pelo escravo Cosme Mota e o governo provincial continuou a organizar guerrilhas destinadas a destruir os quilombos.

Afonso Cláudio de Freitas Rosa seguindo seu ideal, prosseguiu, promovendo reuniões e conferências defendendo a libertação dos escravos. Em Vitória, no ano de 1886 a Irmandade de São Francisco fundou sua libertadora no que foi seguida pela Irmandade do Rosário no ano seguinte. A euforia abolicionista atingiu o auge desde a segunda metade do ano de 1887, com seus adeptos vencendo politicamente na Província.

Em São Pedro do Itabapoana cerca de 50 lavradores liderados por José Cesário de Miranda Monteiro de Barros, resolveram, em 31 de março de 1888, libertar seus escravos após o dia 31 de dezembro daquele ano. No Veado (atual Guaçui) foram libertados todos os escravos a 22 de abril. Em Cachoeiro de Itapemirim, Luís Sequeira Lima libertou seus escravos. O Padre Antunes de Sequeira fazia de seu púlpito, uma tribuna defendendo a libertação dos escravos.

O Tenente Coronel Alfeu Monjardim seguindo o exemplo, também libertou seus escravos no que foi seguido por outros.

Quando da notícia, a 13 de maio de 1888, da libertação dos escravos, o júbilo tomou conta da capital e demais vilas e freguesias da Província. Vitória encheu-se de ex-escravos que abandonaram as fazendas e as festas duraram 15 dias, sendo seus principais locais de manifestações: a Igreja do Rosário, o Convento de São Francisco e a Maçonaria União e Progresso. Nesta oportunidade, os dois partidos, Peroás e Caramurus se reconciliaram e o mais festejado dos heróis em Vitória foi Francisco Escobar de Araújo.

Outro centro de manifestações de regozijo foi Cachoeiro de Itapemirim onde João Paulo Rios recebeu calorosa manifestação, assim como João Loiola e Antônio Aguirre que proferiu o discurso, sendo a festa animada pela Banda Estrela do Norte. Mas persistiu a existências de alguns senhores de escravos que não aceitaram a libertação e tornaram-se republicanos, por vingança ao governo imperial.

Quando da abolição da escravidão o Espírito Santo possuí assim como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, um índice muito elevado de escravos em relação a média nas restantes províncias do Brasil. Havia no Espírito Santo 13.403 escravos, ditas quais, 6.965 no município de Cachoeiro de Itapemirim.

Desde 1887 eram constantes os editoriais do jornal O Cachoeirano chamando atenção para prováveis prejuízos à lavoura de café, por falta de mão de obra e que com a extinção da escravidão a situação ficaria insustentável. Vale lembrar que alguns fazendeiros de Cachoeiro de Itapemirim depositaram, em cartório, em 31 de dezembro de 1887, declaração em que prometiam a liberdade de seus escravos, para o dia 30 de dezembro de 1890, se eles mantivessem ainda trabalho intenso na lavoura cafeeira.

 

Fonte: Espírito Santo: História, realização: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES), ano 2016
Coleção Renato Pacheco nº 4
Autor: João Eurípedes Franklin Leal
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2016

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