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A Páscoa de Jesus - Por Areobaldo Lellis Horta

Igreja e Convento do Carmo com a Capela da Ordem Terceira à esquerda, demolida na década de 1910

Antes da era cristã, os hebreus celebravam, em dia e mês certo, a páscoa, comemorando sua emancipação do julgo dos faraós e a retirada do Egito para as terras de Canaã, a terra a eles prometida pelo seu deus. Essa páscoa era e continuava a ser entre aquele povo, o maior acontecimento histórico de toda a sua existência, celebrando-se festivamente, na expressão do que a palavra páscoa significa.

A vinda de Jesus ao mundo, na missão redentora de nos mostrar o caminho da perfeição, pela prática de todas as virtudes, a fim de podermos um dia alcançar o seio Criador, abrindo nova era para a humanidade, deu lugar, na conformidade das profecias bíblicas, a uma nova páscoa, a cristã ou páscoa de Jesus. Nela, o mundo cristão festeja o triunfo do Nazareno em sua missão divina, comemorando-o, por toda parte, sob o sugestivo nome de Semana Santa.

A Semana Santa, celebrada no seio de todas as nações, varia na maneira de sua realização, de povo para povo, e tem-se modificado consoante a época. Essa modificação se tem verificado mesmo entre nós, de vez que os chamados "Atos da Semana Santa" são, hoje, diferentes do tempo em que a eles assisti em minha infância, como os de minha quadra infantil deviam ser diferentes dos anteriores ao meu nascimento.

A Semana Santa se iniciava, como ainda hoje, no Domingo de Ramos, relembrando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém quando, descendo as montanhas da Palestina, chegou àquela cidade, para tomar parte na páscoa hebraica, no seio de cujo povo Ele havia nascido. Era, em meu tempo, o Carmo Pequeno a igreja, onde se celebravam todos aqueles atos, sendo que na Matriz apenas, no decurso da Quaresma, se realizava o beija-pé, às sextas-feiras. Cerimônia tocante; enchia-se a Matriz de fiéis que, sobraçando flores e galhos de plantas aromáticas, como manjerona, alecrim, manjericão, os depunham aos pés da imagem do Nazareno, em tamanho natural, colocada no vão de um dos altares. Ao lado, uma salva de prata, onde os fiéis deixavam as esmolas, para ajuda às despesas da festa.

O Carmo, onde se realizavam os "Atos da Semana Santa", era um templo pequeno, tendo no altar-mor a imagem de N. S. do Monte Carmelo e, nos laterais, as de Jesus, em tamanho natural, representando os Passos do Senhor, a partir de quando lhe colocaram à cabeça, a coroa de espinhos, e, entre as mãos o ramo de cana verde, até a subida do Gólgota, para sacrifício da cruz.

Somente duas grandes solenidades anualmente ali se realizavam. A de N. S. do Monte Carmelo e a da Páscoa.

No domingo, às dez horas, tinha lugar a missa de Ramos, com grande afluência de fiéis. Após a cerimônia religiosa, o celebrante fazia a distribuição dos ramos simbólicos, alguns enfeitados de flores atadas com um laço de fita, e o restante, singelo, sem qualquer adorno. Os primeiros eram reservados às autoridades e pessoas gradas, presentes à solenidade. Os demais, distribuídos pelo resto da assistência. Em muitos lares, os ramos eram guardados, para serem queimados nos dias de trovoada, pela crença reinante de possuírem eles poder de neutralizar os fenômenos atmosféricos daquela natureza, pela ação da pequena fumaça dos mesmos desprendida. As senhoras idosas eram as que mais se prendiam a essa crença.

Na tarde de domingo, tinha lugar a Procissão do Triunfo, nela figurando o maior número possível de imagens. Abria a procissão a Irmandade da "Ordem Terceira do Carmo", seguida de outras, com considerável acompanhamento. Os ofícios de Trevas eram ali realizados com o Templo sempre cheio, havendo no último dia a cerimônia do lava-pés pelo oficiante, representados os apóstolos por doze irmãos da Ordem Terceira. Na quarta-feira, após o Oficio de Trevas, saía a Procissão dos Paços, sendo erguida em cada rua, por onde ela passasse, altares, em quantidade correspondente ao número dos paços. Em cada um deles, o préstito parava, para as devidas orações.

Na quinta-feira maior, saía da igreja da Penitência, às nove horas da noite, a Procissão do Fogaréu, relembrando a procura, pelos soldados romanos, de Jesus, a fim de prendê-lo. Chamava-se "Procissão do Fogaréu", porque, em lugar das tochas, leva archotes de palha, pichados. Todo o itinerário era percorrido apressadamente e no maior silêncio, recolhendo-se a procissão, no regresso, à igreja da Misericórdia, simbolizando o Horto de Getsêmani.

Nenhum sacerdote tomava parte na procissão, apenas composta da irmandade da Ordem Terceira da Penitência, e do povo. Na sexta-feira, no decurso da cerimônia da Paixão, dava-se a decida da cruz, sendo a imagem colocada na urna funerária, saindo às sete da noite a Procissão do Enterro, comparecendo todas as irmandades, e enorme acompanhamento. No sábado, canta-se a missa da Aleluia, realizando-se, na madrugada do domingo, a Procissão do Encontro, o qual se verificava à rua José Marcelino, em frente à igreja de Santa Luzia. Em púlpito improvisado, falava um sacerdote. Recordo-me que, logo que aqui chegou o bispo João Nery, foi designado para fazer o Sermão do Encontro o Monsenhor Martyr, governador do Bispado. Era um sacerdote idoso, de nacionalidade francesa. Ocupou, naquela madrugada, o púlpito improvisado próximo à porta da igreja e, quando a imagem da virgem foi levada ao encontro da de Jesus, ele iniciou o sermão, nestes termos: "Quem é esta pobre mulher, esta infeliz, esta desgraçada, que está se aproximando do seu filho?"

Houve um sussurro quase que geral por não ter agradado os adjetivos com que o velho sacerdote começara o sermão. Durante algum dia se comentou o caso dos que não souberam compreender o sentido daquela adjetivação.

Com a missa solene daquele domingo, terminavam as solenidades da Páscoa de Jesus entre nós.

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Se não se tem guardado a tradição no tocante à maneira como, há mais de meio século, se realizavam os atos internos e externos da Semana Santa, às modificações introduzidas não representavam uma quebra absoluta dessa mesma tradição, no que diz com a comemoração da Páscoa de Jesus.

Porém, se a primeira não se acha sujeita à orientação da família capixaba, uma tradição existe, que lhe é própria, que lhe pertence por inteiro e cujas origens aprofundam raízes em épocas imemoriais.

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2020

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