Morro do Moreno: Desde 1535
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A Pedra da Vigia

Vista da Pedra da Vigia - Vitória, ES

No complexo sistema orográfico vitoriense a Pedra da Vigia se destaca como dos notáveis acidentes.

De forma trapezoidal, o imenso gnaisse porfirítico projeta-se a considerável altura sobre a formosa montanha que lhe serve de soco. Situa-se na região meridional do sistema e ocupa o centro do cinturão de montanhas que circunda a ilha.

De pendores suaves são as encostas que a atingem, cobertas por virentes matas, onde as corpulentas jaqueiras, os frondosos cajueiros e as copadas mangueiras se destacam. Algumas construções mosqueiam a encosta, entre as quais merece destaque a Academia de Comércio de Vitória, imponente edifício de três pavimentos, em que, outrora, funcionou o Ginásio di Espírito Santo. Já nas proximidades da rocha se reveste o terreno de cerrado capim gordura (panicum melinis, Ttin.), paraíso das preás, e de alentadas touceiras de bambus, marginando-a em quase toda extenção.

Por sua altura e largura forma impressionante conjunto e, sem dúvida, é a maior massa granítica da região. Com a sua face lisa e larga, qual semblante mongol, virada para o nascente, pigmentada por opulentos gravatás, impressiona os mais fortes espíritos. É algo sombrio. Talvez contribuísse para a pouco lisonjeira opinião de Varnhagen sobre a escolha da capital.

Contemplemo-la do alto dos seus 215 metros e imaginemos quando aqui aportaram os primeiros colonizadores, quando a natureza se fazia sentir, imperativa, em toda a plenitude selvagem, e não nos será difícil compreender o terror que assaltara, ampliado pelo desconhecido. Não poucas são as lendas e seu respeito. Diziam os antigos que em certa época do ano, no alto da pedra, ouvia-se um barulho como o arrastar de enorme couro, barulho que era acompanhado pelo volitar de grande quantidade de folhas secas e por vistosa bola de fogo que ia pousar no cume do Penedo.

Indagado velho morador da capixaba sobre o porquê de Pedra da Vigia, respondeu que outrora, quando o forte colonial de São João era praça de guerra, existia na cúspide do morro uma vigia para espreitar o mar a fim de conjurar ataques de surpresa por parte de piratas, freqüentes nestas paragens. Procede a explicação. De fato não há melhor observatório, nem lugar onde se descortine melhor vista do oceano e de, igualmente na época, servir aos fortes vizinhos de São Diogo e São Maurício.

Em uma carta de Vitória, do ano de 1631, figurava o Morro da Vigia com uma pirâmide a dominar-lhe a cumiada. Seria curioso verificar in loco a veracidade daquele mapa e a razão de ser daquela pirâmide. Possivelmente serviria de guia aos veleiros que demandavam o porto, pois há bastante anos, nas mesmas alturas, uma palmeira imperial guiava os pesqueiros para o “ponto” e para o porto. Quanto à pirâmide nem as mais antigas histórias mencionam. Apenas um lavrador da parte superior do morro asseverou ter encontrado vestígios dela quando procedia a uma capina, porém, coisa antiga, o mato se incumbira de repor tudo como dantes.

A fim de elucidar o mistério e esquadrinhar a região da melhor forma possível, uma caravana composta dos vereadores Dr. Aristóteles Santos e Hermógenes Fonseca, do inseparável Firmino e outros, subiu o morro partindo do chafariz da Capixaba, às primeiras horas de uma tarde de outubro de 1948. Ao lado do chafariz, a ladeira Cristóvão Colombo dá acesso ao morro. A subida é extremamente pitoresca e se faz pela vertente do Morro da Capixaba, através de espessa mata cortada por largo e bem cuidado caminho, em ziguezague, que minora o cansaço. Dentro dessa mata situava-se o magnífico Orquidário Municipal, criado pelo prefeito Dr. Américo Poli Monjardim e considerado dos mais completos do Brasil. Quão agradável era subir a poética estrada, artística e caprichosamente sustida por paredões de pedras secas onde surgiam, fragrantes, as laélias e os oncídios, que também se prendiam às árvores e aos rochedos. OS mulembás (fícus fagifolia) egoístas como os homens, na ânsia de espaço vital, asfixiam tudo que lhes cai sob as traiçoeiras raízes, aparentemente frágeis até se enlearem ao corpo da vítima e se transformarem em poderosos e mortais tentáculos. Em síntese, o mulembá é um cancro vejetal. Começa do nada. Um grão invisível que o vento arroja para cima de uma árvore ou de uma pedra. A semente germina e até a sua cor, verde pardo, é sinistra. Daí para diante o monstro se desenvolve com a rapidez das calamidades até sufocar com seu amplexo letal o ser que lhe protegeu a sobrevivência. Se for uma pedra enrosca-a como se fora um polvo e a enclausura sem deixar vestígios da sua presença, adquirindo o seu tronco grossura espantosa e aspecto disforme. A meia encosta, numa depressão do terreno, surge interessante gruta formada por enorme laje que se apóia em dois pequenos rochedos. É pequena porém, pitoresca. Do teto afloram formações cristalinas de  maravilhoso efeito. Para que se fizesse mais espaçosa removeram pequeno penedo na parte central, com que se ressentiu o conjunto e as pedras que sustêm o pórtico se estão desintegrando com o peso que passaram a receber.

Já no sopé da grande rocha, de uma fenda, brota a límpida fonte que vai alimentar o famoso chafariz da Capixaba, que prende a todos que bebem da sua água. Quando ainda ao Orquidário, a Prefeitura mandou cimentar a pequena bacia natural, todo o percurso do regato e alguns poços isolados que parecem provir de outras fontes. Alguns possuem água de excelentes virtudes terapêuticas. Esse aprazível recanto ocupado por curiosas formações rochosas é rodeado por opulentos representantes da flora local, entre os quais se destacam os da espécie conhecida por “farinha seca”. Num desses troncos esquentava-se ao sol gigantesca “caranguejeira”.

Da fonte para cima ameniza-se a subida e, através a cabana de um preto velho, quase centenário, perdida em plena mata. A beleza da paisagem é indescritível. Ao bom ancião, que surgira à porta, estranhou alguém que vivesse ali tão sozinho, ao que ele respondeu:

- Vivo com Deus e a Virgem Maria.

Sem dúvida. Mora bem próximo do céu. Para cima da casa do velho Paulo chega-se ao divisor de águas. Os olhos se deslumbram diante da natureza. Em meio de um anfiteatro de belas montanhas o Frei Leopardi apresenta-se dominando as demais culminâncias. À esquerda, um extenso roçado é o caminho para o cume. Passada a cerca e por dentro de terrenos cultivados, sobe-se sempre. Em tratos limitados medravam tomateiros, bananeiras e vistoso milharal. No limite extremo da lavoura o capim gordura volta a imperar sob a forte vegetação, que vai da frágil braúna às árvores do porte do cobi e do pau d’alho. O camará, entretanto, é o mais representado. Diante da emaranhada vegetação, oceano revolto que afogava os grandes blocos de granito, antevia-se a impossibilidade da tarefa; mesmo assim parte do chapadão foi percorrida em busca de vestígios. Com muita cautela foi alcançada a beira da pedra, onde crescem bananeiras sobre a capa de terra negra que cobre o dorso do granito e foram encontradas conchas e certa quantidade de búzios marinhos. Mais abaixo, o abismo surge vertiginoso e se pode contemplar a imensa rampa coberta por gravatás. No religioso silêncio das alturas a rocha avulta-se impressionante, mormente quando as nuvens tangidas pelo vento passam quase roçando os seus flancos. Lá embaixo o Morro da Capixaba resulta insignificante. O cenário corretamente alinhado e disposto é apenas um borrão na planície. Como largo rio adormecido a baía deixa-se dominar de ponta a ponta. Esmeraldas engastadas em prata líquida, as illhas surgem aos olhos maravilhados. O Moreno, a montanha sagrada da Penha, o taciturno Penedo. O Morro da Capuaba com o Cais do Minério, o de Argolas e dos Frades, disciplinados, perfilam-se do lado sul, da barra à Ilha do Príncipe.

Insensivelmente os olhos baixam ao casario da Capixaba, famoso reduto que por suas tradições e glórias passou a denominar o espírito-santense. Ali, a tijolos, cimento e ferro, estava escrito um dos mais belos capítulos da nossa História. Teve os seus dias de fastígio como sede e baluarte do Partido Liberal e agora, na fase remodelada da cidade, grande destaque lhe está reservado.

 

Fonte: Vitória Física (geografia, história e geologia)
Autor: Aldelpho Monjardim, 1950
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2012



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