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A queda do Porto de São Mateus – Por Fernando Schwab Firme

Porto de São Mateus

O processo de deteriorização da área do Porto de São Mateus iniciou-se na década de 20, com o início da decadência do transporte fluvial, vindo a consolidar-se por volta de 1940, com a paralisação total da atividade econômica do porto. A partir de então, passa a se processar em ritmo acelerado a queda física de todo o casario que se caracterizara como estrutura suporte das atividades econômicas. Desaparece de vez o caráter integrado que faz com que uma cidade não seja apenas um aglomerado acidental de edifícios, mas um organismo multifuncional com lugar específico designado a cada função, segundo determinações sociais e culturais. Processa-se a desintegração pela perda da função.

O caminho que poderia conduzir à reabilitação da área passa justamente pelas pegadas deste processo degenerativo, no sentido inverso. Seria necessário descobrir novas funções para o porto, dentro do organismo que é a cidade para que a reintegração se processasse naturalmente.

As primeiras tentativas, nesse sentido, ligadas a iniciativas de estabelecimento de um programa estadual de restauração, partiram de um grupo de trabalho coordenado pela Prof. Maria Cecilia Nascif, que percorreu o Estado procurando catalogar e documentar todos os monumentos históricos de valor significativo para preservação. Na área de São Mateus foram localizadas casas e identificados seus proprietários para facilitar o posterior tombamento a nível estadual.

Tempos mais tarde, foi formado um convênio entre a Fundação Cultural e a Fundação Jones dos Santos Neves para elaboração de um projeto que culminaria com a restauração dos prédios e a reabilitação da área para a cidade.

Em meados de 1977, realizamos nossa 1ª visita a São Mateus e ao seu porto. Já então o estado dos prédios era desesperador, tratando-se na verdade de uma tarefa de reconstrução de quase ruínas. Por pouco desistimos da tarefa, tamanho o desânimo provocado por aquele monte perigoso de escombros, porém, o entusiasmo reinante em torno da "restauração" nos levantou o ânimo para tentar iniciar alguma ação prática.

Foi feita a restituição aerofotogramétrica da área na escala de 1/1000 para melhor determinação dos acessos existentes, dos centros de quadra que, tomados pelo matagal, impediam uma inspeção e medição eficientes para suprir a falta de planta cadastral, na época inexistente, e elemento importante como mapa básico de um zoneamento local. Ao mesmo tempo foram levantados os "Greides" das ruas incluídas na área do porto e medidas todas as "Testadas" dos prédios de interesse histórico para facilitar o posterior desenho das fachadas após levantamento detalhado. Planejou-se realizar o trabalho em duas etapas: numa 1ª etapa seriam Ievantados e desenhados todos os prédios e encaminhada uma proposta preliminar para utilização da área; numa 2ª etapa, definidas as novas funções dos prédios, seus usuários e os programas de adaptação, seriam executados os projetos construtivos.

Para implementação da 1ª etapa, partimos em missão individual e com uma cadeira desmontável, prancheta e blocos esboçamos durante dias os exteriores e interiores de todas as casas. Após isto feito, retificamos todos os desenhos em pranchetas, acrescentando linhas de cota em plantas e fachadas que serviriam para o preenchimento com as medições diretas a serem realizadas em seguida. Para executar esta tarefa, valemo-nos do entusiasmo dos alunos do Centro de Artes da UFES, freqüentadores e promotores anuais das semanas de arte na área do porto para conseguirmos formar 4 grupos de trabalho, os quais, com certo risco, mediram por dentro e por fora todos os prédios, completando a informação apenas visual fornecida pelos esboços.

Todos os prédios, após algumas visitas para esclarecer uma ou outra medição duvidosa, foram então desenhados na escala de 1/50, já então incluindo cortes longitudinais e transversais, constituindo-se este material no elemento base para a elaboração dos futuros projetos de adaptação dos casarões.

Na ocasião, apresentou-se uma proposta preliminar de utilização, motivada grandemente pela influência das semanas de arte e que propunha uma espécie de campus avançado para as artes, com atividades permanentes e um festival anual para maior divulgação do local e dos trabalhos ali realizados.

Já nesta fase, tornou-se impraticável o convênio, pois as verbas destinadas ao suporte das despesas de projeto nunca foram repassadas à FJSN, tornando muito oneroso o prosseguimento com recursos próprios. Mesmo assim, após contato com o CRUTAC/UFES, solicitando-se àquele centro sua contribuição nas definições de programas de projeto para adaptação dos prédios, obtivemos as coordenadas para o início dos estudos de um restaurante, alojamentos feminino e masculino, algumas oficinas de arte, um alojamento de professores e a residência do diretor do campus avançado.

Estudou-se a implantação de uma área preliminar, sem discussão ou compromisso, enquanto permanecia indefinida a questão dos recursos de projeto.

Na época, o grosso volume resultante do levantamento e proposta preliminar foi citado na imprensa como o Projeto de Reabilitação. Falou-se mesmo em datas de início de obras! E no entanto, nada era definitivo.

Ainda hoje, em 1979, ao ser assinado o contrato para obras de escoramento das ruínas, a notícia veiculada é a de que as obras de restauração foram contratadas.

Tal maneira de divulgar, seja a culpa da fonte ou do veículo de informação, desperta expectativas que ao serem frustradas desacreditam definitivamente os trabalhos e seus promotores.

A visita do Prof. Silva Telles, do IPHAN, interrompeu os estudos de adaptação de prédios para a CRUTAC, sob a justa alegação de que seria urgente promover o escoramento das casas ou não restaria nada para se restaurar. Porém, a burocracia exigia para a liberação das verbas de escoramento, uma medida expedita e de emergência, nada menos que um projeto. Tal projeto foi encaminhado e, após tramitação mais ou menos longa, resultou na liberação de verbas para escoramento após licitação pública.

Deve-se assinalar aqui, que entre a visita do Dr. Augusto Silva Telles e o estágio atual das coisas, onde se processa o trabalho de escoramento, recebeu o porto de São Mateus a visita de um perito da UNESCO, o Dr. Raul Pastranã, que após examinar a proposta e o local, fez críticas muito pertinentes e valiosas, que demonstram a importância da discussão das propostas antes de saudá-las como fato consumado.

Segundo o Dr. Pastranã, a proposta da FJSN seria basicamente centrada numa atividade externa à cidade de São Mateus, já que se apoiava nas semanas de arte e nos programas de treinamento do CRUTAC. Segundo seu ponto de vista, o caminho da reintegração da área do porto à cidade e à região deveria partir da análise da cidade, seu equipamento e estrutura de prestação de serviços, para, identificadas as carências e aspirações, utilizá-las na proposta de reconstrução do porto, atraindo assim a vida quotidiana da população para a área dos casarões.

Projetos não são problemas e sim a definição de sua utilidade e sua elaboração em resposta a uma demanda efetiva. Se não houver interessados, realmente, é inútil projetar, produzir papel. Não é suficiente clamar, esbravejar pelo descaso, é preciso colocar em contato os possíveis interessados com idéias de utilização para que se chegue a um compromisso, inclusive quanto à manutenção futura.

A medida que o tempo passa, deprecia-se o valor de uso dos imóveis como abrigo. Breve cairá a zero, tornando-se o custo do reparo igual ao da construção de prédios novos, em que pese seu valor cultural e histórico.

A solução desta questão, se não surgir de estudos como as recomendações da UNESCO, com discussões das propostas até o estabelecimento de sua forma definitiva e o compromisso das entidades e pessoas interessadas no uso dos imóveis, surgirá com a ação do tempo sobre aquelas empenas e paredes de pedra e cal. Breve não haverá mais sobre o que discutir, os levantamentos e as fotografias serão os documentos históricos de uma área urbana degenerada e sepultada no passado e este será o último degrau da queda.

 

Fonte: Revista da Fundação Jones dos Santos Neves, ano II – nº 4, outubro/dezembro de 1979, Vitória ES
Autor: Fernando Schwab Firme (Técnico da Fundação Jones dos Santos Neves)
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2017

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