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Ano de 1799- Por Basílio Daemon

O rochedo Jucutuquara e a casa da Fazenda Rumão, fronteira ao sítio Pedra D Água, na Baía de Vitória

1799. Chega a esta então capitania, a 3 de fevereiro, o bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco acompanhado de seu secretário Manoel José Ramos, que estudava para ordenar-se. O bispo saíra a visitar a diocese e aqui chegando abriu o crisma e percorreu a capitania, indo residir em uma casa de sobrado na rua de Santa Luzia nº 1 que faz quina com a da Matriz, e hoje pertencente ao Sr. Manoel Pinto Aleixo. O bispo, depois de ter administrado o crisma na Igreja do Colégio, hoje Capela Nacional, retirou-se em maio de 1801, época em que concluiu a visita à capitania, voltando a ela mais tarde. Manoel José Ramos, seu secretário, e que com ele voltara para a Corte, abandonou os estudos e veio para esta capitania a 16 de agosto de 1803, principiando a negociar, o que também abandonou, sendo afinal nomeado administrador do Correio desta hoje capital, tendo-se aqui casado e tido filhos. Nasceu Ramos a 28 de outubro de 1773, na freguesia de São Salvador de Rendufe, em Portugal, e ali fora batizado no 1º de novembro; viera para o Brasil a 12 de fevereiro de 1796, e chegara a 2 de abril, indo para fâmulo do bispo. Em 1798 fora nomeado para secretário de visita, sendo já amanuense enquanto estudava, mas abandonando, como se viu, os estudos, para aqui voltou e entregou-se à vida de empregado público em que se aposentou, vindo a falecer há alguns anos.

Idem. Em fins deste século, consta ter desaparecido da sacristia da Igreja Matriz um quadro que pela Inquisição fora enviado de Portugal para esta capitania e no qual se achava pintado o Auto de Fé de Brás Gomes, que em 1720 embarcara para ali a responder perante o Tribunal do Santo Ofício, pelas heresias de que era acusado por alguns inimigos seus e pelos padres da Companhia de Jesus; para que melhor se conheça este fato o vamos descrever.(311) Brás Gomes tinha sido um pescador, um pouco abastado, tendo ganho alguns haveres por ser muito feliz em suas pescarias. Tendo vindo de Portugal com duas irmãs se estabelecera na então vila da Vitória, e trabalhador e afortunado, pudera juntar algum pecúlio, construindo duas casas de telha no lugar chamado então a Pedra, e onde os pescadores vendiam o peixe; uma dessas casas ainda hoje existe e é onde está a oficina e forno de fazer pão pertencente ao Sr. Manoel Gomes das Neves Pereira, e a outra onde está hoje construído um sobrado de moradia do mesmo, tendo ainda uma outra casa no lugar chamado o Buraco, perto e ao lado de cima, na qual eram recolhidas canoas e apetrechos de pescaria. Suas duas irmãs moravam em uma pequena casa de sobrado, ainda hoje existente, e em frente à porta principal da Igreja Matriz; sendo todos muito devotos e havendo na casa das ditas suas irmãs um oratório com grandes imagens, de São Tiago e Santa Marta, ali em todos os sábados vinha Brás Gomes com seus filhos rezar a ladainha. Brás Gomes tinha muitos inimigos do seu ofício, unicamente por ter duas casas feitas de pedra e cal, quando outros as tinham cobertas de palha, e ser muito feliz na pesca, e, enquanto outros pescadores voltavam do mar sem ter pescado, ele sempre trazia à Pedra grande porção de peixe que expunha à venda. Também os padres jesuítas estavam com ele divergidos em consequência dele se haver negado a certas exigências ou pretensões, dando tudo isso causa a que na primeira ocasião que se apresentou eles a aproveitassem para vingar-se dele, como com efeito sucedeu. Tinha Brás Gomes mandado vir da Bahia uma grande imagem do Crucificado, e como não tivesse ainda onde colocá-la ou quisesse primeiro preparar lugar apropriado a tinha dentro de uma grande caixa em sua própria casa; e isso foi bastante para que seus inimigos o acusassem de ser herege, ter pacto com o Diabo, fazer sortilégios que lhe davam felicidade na pesca, e mais do que tudo, por sentar-se em cima da caixa em que estava a imagem do Senhor. Acusado, foi imediatamente preso a fim de ser remetido para Lisboa ao Tribunal do Santo Ofício e logo confiscados os seus bens. Suas irmãs, temerosas, saíram à rua a proclamarem em altos gritos serem inocentes, o que de nada lhes serviu, obtendo por muito favor a que fossem postas do outro lado da vila, no lugar chamado Pedra d’Água, e com mais dois filhos do mesmo Brás Gomes, seguindo todos dali a pé para Campos, pois com medo da Inquisição ninguém lhes queria dar agasalho, não havendo deles mais notícias. Diversas versões, no entanto, existem desse fato: uma é que Brás Gomes fora enviado com dois filhos para Lisboa, mas que fugira do cárcere; outra que fora feito prisioneiro dos piratas; outra ainda que fora queimado; mas a verdade é que veio de Lisboa o dito quadro demonstrando o seu suplício, o qual existiu por muitos anos na sacristia da Igreja Matriz e já bastante usado, desaparecendo afinal; mas, constando-nos que se acha na Matriz de Nossa Senhora do Desterro, na província de Santa Catarina. A imagem do Senhor Crucificado é a que existe na venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, e que serve em ocasião de Via Sacra. 

 

Notas

 

309 Decreto do príncipe regente D. João a conceder nomeação ao capitão de fragata, Antônio Pires da Silva Pontes, para o cargo de governador da capitania do Espírito Santo. 11/11/1797.

310 Rubim, F. A., Memórias, p. 12.

311 Processo de Brás Gomes de Sequeira. Datas 4 de março de 1716 – 16 de outubro de 1729. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 9655. 

 

 

Fonte: Província do Espírito Santo - 2ª edição, SECULT/2010
Autor: Basílio Carvalho Daemon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2019

 

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