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Apicum do Poço - A nascente do Rio da Costa

Panorâmica de Vila Velha com o Rio da Costa, 1950

Em outra oportunidade, discorrendo sobre o rio da Costa, dissemos que a sua nascente começava no poço do Apicum. Comentamos também que a localidade de Apicum do Poço perdeu a sua identidade quando absorveu o nome Itapoã, pela proximidade com esse bairro.

Entretanto, quem possui imóveis naquela região, lendo a escritura de propriedade registrada no Cartório de Registro Geral de Imóveis, encontrará a denominação de Apicum do Poço.

Apicum quer dizer brejo de água salgada formado à beira mar, vereda arenosa entre banhados e alagadiços. O poço do Apicum era um meio termo desta caracterização. Ao invés de um brejo, tratava-se de um poço de águas escuras, porém transparentes nas margens, e que só perdiam essa transparência à medida que se distanciava para partes mais fundas. O grosso das suas águas surgia e brotava da imensa vegetação aquática das proximidades, daí a coloração escura, mas mesmo com essa tonalidade não era imprópria para banho.

Quando em Apicum do Poço moramos, juntamente com a pouca meninada da vizinhança fizemos desse ponto um dos locais prediletos da nossa recreação, com as nadadas, os caldos aplicados e recebidos e as diversas brincadeiras tramadas, mergulhos e mais mergulhos, até ficarmos de olhos vermelhos. Brincávamos de boto-tainha, sendo os perseguidos as tainhas e o perseguidor o boto, e só deixava de sê-lo no momento em que conseguia agarrar um dos participantes. Aí a tainha virava boto, de perseguida virava perseguidor, e recomeçava tudo de novo. Para melhor identificar botos e tainhas, antes ou após os mergulhos de perseguição e de escape, gritavam: "Boto!" E, em coro, os perseguidos respondiam: "Tainha!" Daí o nome da brincadeira de boto-tainha. A escolha do boto da primeira rodada era determinada em sorteio, a menos que se apresentasse algum voluntário. Conseguido o primeiro, os seguintes surgiam uns após os outros. Bastava que uma das tainhas virasse presa, assumindo de imediato a condição de boto.

Esse lugar aprazível em que moramos por quase três décadas e onde nasceram os nossos dois irmãos mais moços — César e Olga — de um total de sete, merece da nossa parte uma referência muito especial. Não porque ali crescemos, mas pelos vários amigos e companheiros que ali fizeram parada, visitando-nos e participando das estrepolias. Dentre estes há um amigo, o Ari Queiroz da Silva, que foi nosso colega no Ginásio do Espírito Santo. Quando nos encontramos a conversa, vira-e-mexe, descamba para esse assunto. Ari, homem culto e de caráter ilibado, exerceu no governo do Espírito Santo alto cargo efetivo, no qual se aposentou, além de outros em comissão. Mesmo aposentado foi secretário de Estado e procurador geral, na Procuradoria do Estado. Atualmente, depois de um hiato em governos passados, voltou a assumir o mesmo cargo de procurador geral a convite do governador José Ignácio.

O seu depoimento nos é muito valioso, pois retrata esse lugar com fidelidade e independência, sem quaisquer interesses, a não ser o da amizade, considerando-o bonito e bucólico. Apontava para nós dizendo:

— Lugar bonito era aquele em que Zé morava!

E descrevia-o:

— A região tinha um nome sugestivo: Cruz do Campo. Era lá que estava delimitado, no Apicum do Poço, o sítio da sua família. Impressionava-me o verdejante pasto, em capim Pernambuco. Brotavam nele, em grande extensão, milhares de florzinhas amarelas compondo a paisagem como se fora um imenso tapete florido, no apertar dos olhos. Um pouco mais distante da porteira de entrada desse sítio via-se uma casa de telhado com duas águas, avarandada nas laterais e ostentando à sua frente um vistoso pinheiro de Natal, a prumo com suas copas e hastes bem definidas, crescendo e se estreitando para o alto, até findar o seu último pedúnculo, em broto tenro preparando-se para despachar novos galhos.

E prossegue:

— E a vista do pomar! Um pequeno córrego tortuoso e marulhante, se observado não de tão longe, escorria entre as ramagens que se debruçavam sobre as suas águas. A sombra amiga de algumas árvores nativas. Saltavam aos olhos dois pés de sete-cachos frondosos para a espécie. De seus cachos brotavam, na primavera, infinitas pétalas brancas com um ligeiro rajado róseo na base. Era flor de uma só pétala! Bastante requisitada pelas abelhas que, na disputa de seu néctar, faziam-se ouvir no zumbido da faina, nervosas, no pouso de flor em flor. Na predominância da cor, o chão ficava alvo delas. E como se não bastasse, exalavam um perfume ativo e inebriante, sentido a distância.

E conclui:

— Era um presente da natureza admirá-las no seu porte, na cobertura alvacenta das flores, em contraste com a folhagem muito verde, vendo-se o chão coberto delas e no olfato sentir o gosto do seu perfume! Compondo, finalmente, o sossego campestre, como pano de fundo, ao longe avistavam-se os decantados morros do Moreno e do Convento da Penha, altivos e serenos.

 

Fonte: Ecos de Vila Velha, 2001
Autor: José Anchieta de Setúbal
Compilação: Walter de Aguiar Filho

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