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Arquitetura e a Ornamentação do Convento da Penha

Desenho do Convento de N. S. da Penha restaurado, com cozinha e chaminé, André Carloni - Acervo: IPHAN 1942

Uma análise comentada: Arquitetura

Segundo Robert Smith, tal como aparece transcrito no livro citado de Norbertino Bahiense:

O convento de Nossa Senhora da Penha..., além da beleza da incomparável situação, tem especial importância pelos três seguintes elementos. Primeiro, o Alpendre, que, avançado, projeta ao espaço, por assim dizer, a sobriedade das linhas retas e formas sólidas das paredes da fachada. É um exemplo raríssimo de elemento outrora comum na arquitetura colonial do nordeste do Brasil. (...) intimamente ligado com os copiares de residências coloniais e com as varandas superiores dos pátios franciscanos da mesma região, oferecendo promessa de abrigo contra chuva e sol e convite para conversa e demora, o alpendre implantava uma nota doméstica na arquitetura religiosa da época. Nesse sentido, o exemplar da Penha do Espírito Santo é bem colocado servindo de acessão [sic] não à própria igreja, mas à residência dos padres que a ladeia.

No trecho destacado acima, o que Robert Smith cita – a “beleza da incomparável situação” – mas não elenca como um dos três elementos de “especial importância” é, curiosamente, o que mais chama a atenção do pesquisador francês Germain Bazin (p. 57): “le couvent forme une masse de bâtiments grandioses, concentrés en haut du rocher, dans une situation qui ressemble à celle des monastères de l’Athos” – referindo-se aos monastérios incrustados nas encostas rochosas do monte Athos, Grécia, Patrimônio da Humanidade(7). Nesse sentido, não deixa de ser digno de nota o fato de que parecia existir algo como uma “disputa velada” entre Bazin e Smith, tal como sugere Rafael Moreira, no artigo anteriormente mencionado(8).

Passando ao primeiro elemento de especial importância elencado pelo americano, o alpendre é algo presente em capelas e igrejas baianas como Nossa Senhora da Escada (em Salvador), Santo Antônio Velasquez (em Vera Cruz, na ilha de Itaparica – que, pelo que se tem notícia, encontra-se, lamentavelmente, em estado de ruínas), São José do Jenipapo (em Castro Alves) – para ficar nos três exemplos citados pelo próprio Robert Smith – embora não seja exclusividade, sabidamente, da arquitetura do Nordeste do país, haja vista sua presença, por exemplo, nos conventos franciscanos de Cabo Frio e Vitória(9), apesar da datação imprecisa nesses casos. Já a “intimidade” com os copiares das casas coloniais é tema discutido, entre outros, por Luiz Saia (1939), conhecido – e polêmico – técnico do SPHAN em São Paulo, no texto “O alpendre nas capelas brasileiras”, publicado na revista do órgão e no qual o paulista chega a propor a independência entre a tipologia do alpendre religioso e a tipologia do alpendre residencial. O caso em questão constitui, não obstante, uma situação um tanto especial, uma vez que o alpendre existente protege o acesso ao convento propriamente dito e não à sua igreja, tratando-se, de certa forma, com efeito, de uma “nota doméstica na arquitetura religiosa”. Sobre o tema, o autor norte-americano retornaria anos mais tarde, em mais de uma ocasião (Smith, 1948, 1953), sendo que na última(?) delas chegaria a escrever:

the earliest surviving alpendre in Brazil may be the one at the front door of the Franciscan convent at Vila Velha in Espírito Santo if this is in reality the same one beneath which, according to Frei António de Sta. Maria Jaboatam, the founder, Frei Pedro Palácios, was buried in 1570 (Smith, 1953, p. 371).

Chester Smith acreditava, assim, que o alpendre à frente da residência dos padres no Convento de N. S. da Penha pudesse ser o mais antigo do Brasil – o que é um tanto difícil de conceber. A escritura de doação definitiva do local aos franciscanos, em 1591, diz que Frei Palácios “foi sepultado em uma ermida e capela, que a esse tempo tinha feito”, isto é, em uma das primitivas ermidas construídas por ele ainda no século XVI, que não mais existem – os restos mortais de Palácios foram, inclusive, posteriormente transladados para o Convento Franciscano de Vitória.

Em relação ao segundo dos outros dois elementos, prossegue o historiador:

Raro também, entre os monumentos coloniais do litoral brasileiro,... é o caprichoso perfil dos telhados e da chaminé do Convento de Nossa Senhora da Penha. Evocam... os vestígios árabes que ainda marcam os horizontes das velhas povoações andaluzas e alentejanas. No Brasil, quase não se conhece a fantasia destas linhas.

Eludindo a questão dos caprichosos telhados do convento, apesar de seu interesse, tendo em vista o fato de que a cronologia – e, portanto, as possíveis influências nos vários momentos de construção de seus planos e elementos – se possível de ser estabelecida, mereceria um estudo à parte, o tema da chaminé não é menos controvertido. Robert Smith compara seu caprichoso perfil à torre sineira da Capela da Ajuda (em Cachoeira, no estado da Bahia), miniatura mourisca, segundo ele. Não faz qualquer menção à monumental chaminé de outro convento franciscano, o de São Cristóvão, em Sergipe. Não obstante, o historiador capixaba Mario Aristides Freire, amigo de André Carloni, diga-se de passagem, em artigo na Revista do SPHAN, menciona que “em 1945, foi possível restaurar e reerguer a chaminé conventual, tal como se conservava até 1917” (Freire, 1945, p. 205). Com efeito, dentre o conjunto de imagens que publica, em duas delas a chaminé não aparece – assim como não aparece em nenhuma das duas fotografias publicadas em Brazil Builds; em uma terceira, ela aparece rodeada por andaimes e com a seguinte legenda: “Convento e Igreja de Nossa Senhora da Penha, durante as obras de restauração promovidas pelo SPHAN (agosto de 1945)”.

Portanto, um ano antes da vista de Robert Smith, o SPHAN (André Carloni?) reergueu a chaminé. Na verdade, as fotos publicadas por Freire permitem deduzir que não se reergueu apenas a chaminé e sim, praticamente, todo um volume, com a reconstituição até mesmo de uma abertura, alinhada às duas inferiores existentes na fachada norte do convento. Frei Basílio Röwer, ao visitar o edifício em 1940, relata que “saindo... do refeitório, deparam-se os restos da cozinha” (Röwer, 1984), sendo esse, possivelmente, o volume reconstruído(10). O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo possui um negativo datado de março de 1945, onde a cozinha ainda aparece em ruínas (figura 1). Apesar da possibilidade de que a reconstrução, provavelmente, tenha sido feita baseada em estudo iconográfico (quiçá utilizando um dos quadros sobre a história do convento realizado pelo pintor Benedito Calixto, em conjunto com sua filha, terminado no ano da morte do artista, em 1927(11), o que o estudioso americano viu foi uma reconstrução. Resta saber por que a referência de Freire ao ano de 1917, uma confusão com a data da pintura de Calixto? Bem como descobrir o motivo da existência de um desenho de André Carloni, apontado como o responsável pelas obras de restauro, com cozinha e chaminé, datado de junho de 1942, ou seja, um ano antes do tombamento e três anos antes do restauro do monumento (figura 2).

Figura 1: desenho do Convento de N. S. da Penha “restaurado”, com cozinha e chaminé (à esquerda), por André Carloni (1942) com as linhas gerais de sua arquitetura externamente: reminiscências árabes? Acervo do IPHAN.

Figura 2: ruínas da cozinha do Convento em março de 1945. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

NOTAS

(7) É curiosa a falta de referência de Bazin à Église de Saint-Michel d’Aiguille, próxima a Le Puy-en-Velay, Haute-Loire, na França.

(8) Já em relação a John Bury, a relação era de cortesia intelectual.

(9) Para Chester Smith, não obstante, o Espírito Santo fazia parte da região Nordeste. Ver “O caráter da arquitetura colonial do Nordeste” in: Robert Smith e o Brasil.

(10) De fato, a historiadora capixaba Maria Stella Novaes fala em “restauração” da cozinha – caixas não catalogas do arquivo Maria Stella Novaes no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

(11) Há também quatro pinturas de Vitor Meirelles, do final do século XIX, mas elas são pouco claras em termos de detalhes para verificar a presença ou não da cozinha/ chaminé. Uma das imagens conhecidas mais antigas da edificação (c. 1860), uma gravura publicada no livro de Johann J. Von Tschudi “Viagem à Província do Espírito Santo”, no entanto, mostra o perfil norte recortado com a presença de um elemento que poderia ser uma chaminé.

 

Fonte: Artigo (parte): As linhas gerais da Arquitetura e a ornamentação do Convento de N. S. da penha (ES) por Robert C. Smith: uma análise comentada
Autor do artigo (parte): Ricardo Rocha, Departamento de Arquitetura – UFES
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016



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