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Aspectos do Direito Brasileiro na República - Parte I

Vimos falar-vos da sociedade brasileira, na República. Esboçar, em rápidas impressões, o que ela foi e o que é, sob o ponto de vista da evolução jurídica destes cinqüenta anos de vida democrática, que levamos.

João de Barros, o imortal criador de ANTEU, na importante conferência que realizou em Lisboa, em 1912, sob o tema “A Energia Brasileira”, destinada a celebrar, então essa mesma data, falou desapaixonadamente, que

“Esse acontecimento foi, na verdade, um acontecimento supremo: terrível (o velho Imperador era bem pouco déspota, segundo penso...), nem porque haja nele, a registrar, a vitória dum longo combate entre monárquicos e republicanos. Outro valor, maior e mais seguro, tem ele: - um valor moral, um valor social”.

“Os moldes criados e mantidos pelo Império já não continham a expansão formidável daquele povo, novo e progressivo, arqueado, tenso de ansiedade civilizadora. Por isso se proclamou a República. Eis a nobreza, a beleza do fato histórico: - abrir caminho à civilização permitir que se desenvolvessem que triunfassem as forças latentes daquele país prodigioso de vitalidade”.

“Um grande sentimento, acrescentava, enobrece, com efeito, a atividade prodigiosa da sociedade brasileira: - fazer civilização, instalar cultura, derramá-la”.

É Srs., esta caminhada ascensional brasileira, na República, o que desejamos recordar-vos hoje. Perdoai-nos não o fazer com o fulgor que este instante merece. Perdoai-nos não corresponder melhor ao honroso convite do eminente Sr. Desembargador Dr. Celso Calmon Nogueira da Gama, a quem principalmente se deve o acontecimento cívico e cultural que é esta comemoração.

As leis e outros monumentos fixadores ou reveladores da cultura devem ser estudados com interesse.

É que, como repositório de civilização, as instituições jurídicas refletem as conquistas de cada tempo ou lugar, não mumificadas, mas em contínua renovação e mutação.

Também os valores mentais desse vasto campo científico não podem ser esquecidos.

 O saber, na esfera nobre do direito, marca uma diferenciação espiritual e assinala outros tantos graus da educação individual e política.

Outrossim, como índice da mais alta dignidade de um povo, a literatura jurídica atesta as preocupações de ordem e de aperfeiçoamento de cada época.

E como norteadora no presente e no futuro, a história dos hábitos, sentimentos e opiniões jurídicas revela as diretrizes do progresso e orienta para a conquista de novas e mais úteis realizações.

Vejamos, como nos encontrávamos, ao ser proclamado o regime, em 1889.

Limitar-nos a referir dois relatos, um pessimista talvez, outro demasiadamente otimista.

Uma súmula da situação da cultura jurídica no momento da proclamação da República temos no Brasil Colônia e Brasil Império, de Austricliano de Carvalho, tomo II, pags. 857 e segs.

Começa por enaltecer a lei de 20 de setembro de 1871, que “reformou o processo de 1832 e do anti-liberalismo da lei de 3 de dezembro de 1841”. Mas aponta logo os defeitos dessa legislação, que, segundo sublinha, “não nos deu por completo a liberdade civil”.

Referindo-se, em segundo lugar, ao que chama o direito privado existente no momento da proclamação, considera o código civil como que “substituído pelas luminosas exposições de Lafayette, calcadas na consolidação de Teixeira de Freitas”.

Aludindo ao direito mercantil, repete que o código comercial “não acompanhou o nosso desenvolvimento econômico”.

Observa, a seguir, o atraso do direito público e administrativo da época.

Ao direito constitucional se refere como sendo mera compilação da Carta, do Ato Adicional e outras leis.

Sobre o Direito Internacional faz um elogio: - o de que nele “a tradição dos nossos maiores foi sempre justa e impessoal.”

Passa ao Direito Penal do código de 1830, engrandecendo-o mais do que o verberando, e lembra que o seu “liberalismo estava em desacordo com o atraso popular” da época.

Louva, por fim, o Poder Judiciário, que jamais cedeu à invasão administrativa, ao tempo do Conselho de Estado, Conselho que “nunca teve competência definida, como tribunal administrativo”.

E, encerrando esse quadro, que reproduzimos sem as tintas que exprimem a emoção do autor em face do que revela, lamenta não tivéssemos realizado ainda, naquela memorável fase da nossa transformação social e política, esse programa que sintetizamos: -

(1º) – a socialização do direito;

(2º) – o encaminhamento da nação para uma aproximação do futuro governo da sociedade pelas seguintes medidas:

a) – o anonimato;

b) – a cooperação;

c) – a solidariedade;

d) – o profissionalismo;

e) – a instrução;

f) – o sindicalismo

g) – a objetividade da obrigação;

h) – a moeda conversível; e

i) – outras realizações semelhantes.

Entretanto para Ferreira Coelho que era vasto o seu acervo da legislação jurídica da extinta monarquia: - o Direito Criminal codificado desde 16 de dezembro de 1830, com as mais consagradas referências, por parte de Foucher, Faustin Helie e Carrara; o processo criminal, convenientemente atendido; o Código Comercial e o regulamento 737 vigorando, respectivamente, para o direito substantivo mercantil e o seu progresso; as Ordenações Filipinas e mais legislação portuguesa presidindo, em grande parte, o Direito Civil; a Consolidação das Leis do Processo Civil, do Conselheiro Ribas, tornada obrigatória em 1876, codificação sistemática, segundo o seu autor, de teses legislativas deduzidas do direito nacional, do direito romano e do direito consuetudinário científico.

Começando dos fundamentos da vida política nacional, vemos que o Brasil reflete, nas suas Cartas Constitucionais, uma alta vocação jurídica e um sentido requintado da sua própria evolução cultural.

Se o direito, stricto sensu, está integrado na cultura, lato sensu, o direito brasileiro, considerado isoladamente e do ponto de vista dos estatutos constitucionais, responde a exigência que excedem do nosso grau geral de cultura e, apesar de incompatível com o meio inferior a que serve, ou por isso mesmo, a este não satisfez nunca.

É assim que a Constituição de 1891, grandemente inexpressiva do senso realístico brasileiro, só compatível com as tradições da elite pensante de então, tendo atendido, é verdade, as ideologias republicanas da época e fixado um marco benfazejo para as experiências que se lhe seguiram, esteve sempre fora das imposições da mentalidade média do seu tempo.

A de 1934, mais realista que a anterior, fez vantajosas adoções de preceitos e normas de outras Cartas, mas imensas e precipitadas adaptações profundas no ambiente nacional.

A de 1937, ainda mais realista e já nitidamente brasileira, foi exigente na adoção e na adaptação referidas, preferindo, porém, no direito melhor, o mais conveniente ao nosso acervo orgânico e institucional de cultura.

Todas, entretanto, acentuaram a nossa evolução cultural média, a qual a primeira chegou ao requinte a que a segunda apenas ultrapassou, por se ter colocado fora das realidades morais e materiais ambientes.

Estas últimas constituições, todavia, a de 1934 e de 1937, de aparência menos democrática, consultam ambas, mais de perto, as aspirações populares e caminharam numa estrada mais ampla, até a socialização.

Na legislação ordinária, tirante o direito civil, cujo Código teve, em menos de um quartel de século, meia centena de profundas e importantes alterações, magistralmente apreciadas na conferência do Prof. Arnoldo Medeiros sobre “A Conveniência da Revisão do Código Civil”, de outubro de 1938, não se deu o mesmo.

Basta dizer que em matéria de processo civil e organização judiciária, em assuntos de direito marítimo e transportes e em alguns outros, só agora saímos do caos.

Em 1898, conforme o testemunho de Carvalho de Mendonça, (M. J.), a organização judiciária federal não tinha ainda adquirido a perfeição compatível com a época.

A dualidade das justiças, regulada pelo Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, era o bastante para mostrar, com os choques daí resultantes, os erros da organização, agravados pela lei 221, de 20 de novembro de 1894.

Naquele ano de 1898 ainda era essa a situação.

É verdade que o caráter popular da legislação ordinária sempre foi bastante acentuado.

Ainda agora, na exposição de motivos apresentada pelo Ministro da Justiça com o projeto de Código de Processo Civil atual, declarou o Sr. Francisco Campos que a nova ordem política reclamava um instrumento mais popular para distribuição da justiça e que este procura restringir ao publico a confiança nas atividades judiciais do país.

Quanto á organização judiciária, só a da Capital do Brasil é regida por 51 leis, além de outras que nela indiretamente influíram, conforme paciente estudo de Bruno de Almeida Magalhães, publicado no "Jornal do Comercio" de 8 de outubro deste ano.

O Direito Civil faz realmente exceção à morosidade da evolução pária. Em 1880 era Antonio Joaquim Ribas o único que abrangera, qual se encontra no seu Curso de Direito Civil Brasileiro, um estudo completo da teoria fundamental e geral desse direito.

Mas, proclamada a República, foi, em 12 de julho 1890, assinado o contrato que conferia a Coelho Rodrigues a confecção de um projeto de Código Civil, projeto apresentado em 1893. O projeto foi acusado de haver sacrificado as nossas tradições jurídicas em vários pontos e exagerado a adoção de institutos do direito civil estrangeiro.

Em 1899 era finalmente convidado Clovis Bevilaqua a redigir um novo projeto, para base da codificação.

Do Código a cujo resultado se chegou, diz Paulo de Lacerda: — "O formoso bloco original, que era o projeto primitivo, fé-lo o seu ilustre autor da massa a mais pura das tradições jurídicas brasileiras". Ainda realça as influencias conservadoras e liberal que se equilibraram na elaboração do Código, cumprindo, "acolher as transformações requeridas pela prática, admitir as novas fórmulas, e até os novos institutos exigidos pelas necessidades atuais, e conservar, na sua estrutura forte e sã, como alicerces do edifício, as tradições jurídicas vivas da nação". (Cod. Civ. Bras., pags. LIV e segs).

Daí para cá recebeu o Direito Civil, como vimos, continua em admirável renovação.

E ela se fez porque, como explica Eduardo Espindula:

"O jurista reconhece que as novas condições sociais reclamam normas, novas, que correspondam às exigências e às aspirações da coletividade; que a divisão dos poderes se não poderá manter nos termos clássicos, cumprindo atribuir ao poder administrativo uma interferência direta e imediata na elaboração das leis concernentes à administração econômica e cultural e a manutenção da ordem publica". (Correio do Ceará, Fortaleza, 9-7-39") .

O Direito Penal, de que se tem urna horrível impressão, não deixou de evoluir também. Isto se vê dos próprios termos do Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, que aprovou a Consolidação vigente e no qual se consigna haver o Código Penal Brasileiro " sofrido inúmeras modificações, quer na classificação dos delitos e intensidade das penas, quer com o adoção de institutos reclamados pela moderna orientação da penalogia".

É verdade que muitos vêm nas leis modificadoras do Código Penal desde 1890 um confuso emaranhado cheio de grosseiros erros de técnica. Outros, mais sinceros, porém, se referem apenas ao trabalho penoso do jurista, na tarefa de interpretar tão variada e copiosa legislação de Direito Penal, o qual tem, entretanto, procurado atender e atendido mesmo nas suas mutações "às exigências da vida atual", ao "progresso das ciências antropológicas e sociais" ou à necessidade de preencher, com relação ao delinqüente, a função social que deve ter". (Parecer do Clube dos Advogados, em 21 de novembro de 1932).

Mais difícil é mostrar o progresso do Direito Comercial pátrio. Mas fazendo a defesa do Código Comercial de 1850, diz Carvalho de Mendonça, em 1930, que esse não embaraçara o progresso do Direito Mercantil, completado e modificado por leis singulares "cuidadosa e inteligentemente elaboradas". E afirma:

"As nossas leis sobre matéria comercial tem em seu favor a tradição e o ajustamento ao nosso meio. É um patrimônio de inestimável valor".

Com efeito, os maiores dificuldades na aplicação desse Código surgiram com o advento do Código Civil.

...É assim que o Desembargador Vieira Ferreira, em Ementas e Emendas ao Projeto do Código Civil, 1912, dizia do Cod. Comercial:

"O Código Comercial de 1850 contém, como se sobe, um grande numero de disposições destinadas a suprir o silêncio das nossas leis civis; essas no que forem contrariadas pelos artigos do Código Civil devem ter-se como revogadas, mas por isso mesmo quantas dúvidas surgirão para se saber se este ou aquele artigo do Código Comercial encerra um principio de direito privado ou uma disposição peculiar ao comércio não atingida pelo novo código!" (op. cit., pag. 26).

Mas, forçoso é confessá-lo, inúmeras leis foram promulgadas na República pondo o nosso direito mercantil em um nível bastante compatível com a cultura geral do país.

Se, quanto ao direito marítimo quase nada se fez que atendesse aos progressos das condições econômicas e dos meios de comunicações, como o mostrou o Ministro Sr. Francisco Campos, formou-se a respeito adiantada consciência jurídica, da qual foram poderosos fatores, como se alcança de notável exposição governamental, a jurisprudência, por um lado e, por outro a vontade das organizações marítimas cristalizada, embora mal, nos seus estatutos.

Por isto diz o Ministro da Justiça, a respeito:

«Creio que aquilo que pede o interesse nacional é uma lei orgânica de transportes que contenha em si todas as disposições de direito publico e privado sobre a matéria» (O Jornal, 28-7-39, Exposição aos Diários Associados), como também são de S. Excelência as seguintes palavras:

«A verdade é que (as nossas instituições assentam nos antecedentes da história e do genio do povo brasileiro» (Francisco Campos, Entrevista ao Globo, em 27-7-39).

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do ES, Nº 12 – ano 1939
Autor: Augusto Lins
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2014

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