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Aspectos do Direito Brasileiro na República - Parte III (FINAL)

Uma das idéias predominantes do sistema

A evolução do princípio da irretroatividade das leis não se observa sem que, como faz Paulo Germano de Magalhães, em sua tese “A Constituição de 10 de Novembro e a Retroavidade das Leis” (Folha da Manhã, Recife, 13 – 8 – 939), se recorra à Constituição do Império, cujo art. 179,3, prescrevia:

“A sua disposição não terá efeito retroativo”.

Em 1881, ainda foi vedado à União prescrever leis retroativas.

A jurisprudência e a doutrina completavam a lei, descendo-lhe aos limites, até que, em 1916, o Código Civil consubstanciou o espírito do instituto, proibindo, sob esta expressão “em caso algum”, qualquer lesão a três categorias de fatos preexistentes ou já passados, a saber: - o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a causa julgada. A Constituição de 1934, não consagrando no seu art. 113, nº 3, aquela cláusula “em caso algum”, veio dar um grande passo para a situação atual em que a irretroavidade das Leis é mais um princípio que não resiste também às imposições do interesse coletivo de paz, de ordem, de bem estar e de segurança nacional ou estatal. É preciso não perder de vista que o art. 123 da Carta vigente é a cúpula do sistema de garantias constitucionais, colocado acima do princípio que constituía a mesma cúpula nas constituições anteriores. O Dispositivo, relegado a plano inferior, é o mesmo art. 114, da Carta de 1934, por sua vez trasladado, quanto a “princípios”, no art. 78 da Constituição de 1891, dando-se então, em 1934, mais importância ao regime que à forma de governo, conceito que o art. 123 da atual Constituição corrigiu, restabelecendo o de 1891.

Mas, em suma, não culminam, no atual Estado, os direitos e garantias, expressos ou não, resultantes dos princípios adotados pela Constituição ou resultantes, em geral, do regime ou da forma de governo do país.

É que, acima de tudo, embora sem excluir o princípio abrangente dos arts. 78 e 114, das Constituições anteriores, não repelido de modo absoluto, mas subordinado a esta outra norma ou critério, está colocado hoje, dominando todo o sistema de garantias constitucionais, o art. 123, da 2ª parte, de que: “o uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição”.

 

A hermenêutica do novo Estado

Em matéria de hermenêutica, Creso Gomes Teixeira expõe em tese publicada na Folha da Manhã, de Recife, em 24 – 8 – 38:

“A prática de recorrer ao poder imperial, para obter exegese fixa dos textos, perpetuou-se. No Brasil – Colônia, a lei da boa razão (18-8-1769) ordenava aos magistrados que, em surgindo controvérsia acerca da inteligência de um dispositivo, suspendessem o julgamento e levassem o caso ao conhecimento do Regedor, - afim de que este determinasse a interpretação definitiva (Carlos Maximiliano)”.

“No Brasil – Império, o judiciário solicitava do governo a exegese das disposições legais. E mesmo no regime republicano essa prática tendia a continuar, quando surgiu a lei nº 23, de 30 de outubro de 1891, prescrevendo no seu antigo 9º, parágrafo 2º: - Os avisos não poderão versar sobre interpretação de lei ou regulamento cuja execução estiver exclusivamente a cargo do poder Judiciário”.

“Hoje, vemos o governo reconhecer ao próprio poder judiciário ampla liberdade na interpretação da lei”.

Esta conquista condiz com as tradições de dignidade do Poder Judiciário brasileiro, desde o Império.

Com efeito, toda a história documenta a veracidade desta afirmação. Já em 1898 o juiz federal e tratadista de direito judiciário, Dr. Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça, em O Poder Judiciário no Brasil, depunha sobre a influência desse ramo do poder na boa marcha das instituições republicanas, lembrando que, nas crises em que já até então o Congresso se sentiria fraco e impotente, as vistas se batiam voltado para o judiciário como o moderador dos excessos e das violências. O mesmo quanto à moral pessoal dos juízes.

E todas as vezes que, esporadicamente, um juiz teve ocasião de errar, encontrou além desta seqüência de recursos que, através anos sem conta, pode expor as sentenças à crítica e à emenda por parte dos tribunais mais altos, encontrou, sim, repulsa exagerada, e mesmo agressiva repulsa quer por parte do poder público, quer por parte da opinião geral, quer por parte da própria classe judiciária e que ficou estigmatizado nos arquivos forenses, nas colunas dos periódicos, na literatura enfim do que são exemplo algumas sátiras, as quais não deram sempre celebridade aos seus autores, porque aqueles exemplos constituem revoltante exceção e o assunto não se concilia com as inteligências ou as penas tantas vezes medíocres.

 

A nova face social do Estado

A campanha da Aliança Liberal, na passada República, anunciará a execução dos compromissos brasileiros para com a nova mentalidade trabalhista das nações cultas.

Sob inumeráveis prismas, realmente, o problema social foi aqui estudado e resolvido.

A legislação do trabalho prometida pelo governo desde 1930, com preceitos constitucionalizados em 1934, retificados em traços fundamentais e ampliados em 1937, abrange a questão social moderna, compatível, no Brasil, com as condições econômicas das classes por elas atingidas, assegura Adaucto Fernandes ser o direito constitucional brasileiro, nesse campo socialista, um dos mais adiantados do mundo (Direito Industrial Brasileiro, 1938. Pág, 163).

O direito social tem circunscrito um vasto campo de ação, prevendo, prevenindo, provendo, ordenando, dispondo, garantindo.

As leis sociais acompanham os institutos de direito privado, alterando-os. As leis sociais acercam-se das pessoas, em suas várias idades; das obrigações, nas suas diversas circunstâncias; dos contratos, em várias condições; tendendo às necessidades novas da mais íntima convivência, da mais rápida aproximação e do mais profundo pensamento de justiça, entre os homens.

As leis sociais oferecem, enfim, novas bases e novas perspectivas ao próprio Estado, criando órgão de direito público e regulando por esse direito, sob vários aspectos, o trabalho.

Entre essas leis avultam as que se referem à sindicalização; à regulamentação e controle das várias atividades urbanas e rurais sob o ponto de vista associacional, profissional e econômico, sem esquecer o jornalista, o escritor, o profissional liberal e o funcionário público; as que tratam de acidentes do trabalho e seguros sociais; ou relativas à assistência educacional, financeira, moral e jurídica; corporativismo social; justiça do trabalho; amparo aos direitos fundamentais do cidadão; defesa da propriedade e da economia popular; delimitação do exercício da liberdade no campo das reivindicações trabalhistas; nacionalização do trabalho e demarcação do âmbito de livre determinação do trabalhador estrangeiro; e muitas outras.

A intervenção do Estado, ligeiramente esboçada neste capítulo, tendo a aumentar, dentro das linhas traçadas pela Constituição de 10 de novembro de 1937 e leis complementares.

 

A obra revolucionária anunciada

O Estado Novo se preocupa com a decretação do Código de Processo Penal, do de Transportes, com a revisão dos Códigos Civil e Comercial e com a reforma de institutos jurídicos autônomos, quer para facilitar a mobilização do capital, quer para sanear instituições, quer para defender a economia popular, quer enfim para integrar a vida jurídica brasileira no seu estádio de cultura geral e nas finalidades do regime.

Alguns dos anteprojetos e projetos definitivos estão elaborados por sumidades jurídicas, estadistas de grande senso e experiência, ou especializados notáveis nos respectivos assuntos, homens de saber, patriotismo e lisura que os recomendaram a essa tarefa.

Consolidação jurídica do regime é como o Ministro Sr. Francisco Campos denomina a ampla revisão das nossas leis, atualmente em foco.

Não nos deteremos a examinar os vários pontos da reforma. Limitar-nos-emos a observar que, a propósito do projeto de Código Penal, o órgão belga “Revue de Droit Penal et de Criminologie”, diz ser: -

“uma prova brilhante dos progressos imensos realizados pelo direito penal e as ciências criminológicas nos países da América Latina, nestes vinte derradeiros anos”.

E acrescenta desvanecedoramente para nós: -

“Aqueles que pretendem reformar o direito penal belga fariam coisa sábia, lendo o trabalho do professor Alcântara Machado” (Jornal da Manhã, São Paulo, 20-8-39).

Foi uma síntese ligeira, esta.

Nela não comparamos os homens, não desmentimos as consagrações da história, não as desautorizamos, não vimos nestas conflito com as conquistas civilizacionais de hoje nem com a admiração dos contemporâneos.

Não há quase citação de pessoas, neste resumo.

Os grandes vultos da nossa vida cultural ou política devem ser estudados, com efeito, sob prismas e aspectos diferentes, conforme os interesses atuais da sociedade, retratados no observador. Para isto se faz continuamente a revisão da história, nas suas delimitações mais gerais.

A respeito disse muito bem Augusto Frederico Schmidt: -

“As gerações estão em face dos grandes homens como os trens que contemplam as paisagens que passam correndo”.

“Tudo passa aos nossos olhos, mas, na realidade, nós é que passamos. O que é efêmero somos nós, o que é fugaz são os nossos julgamentos. O grande homem permanece e está fixado”.

Diante dessa insaciável devoração do tempo, permanecemos confiantes nos destinos alvissareiros da Pátria e do seu direito.

Contradizendo ao ensaísta chileno Raimundo Del Rio, que vê, no atual direito, cegueira, impotência e desprestigio, filhos da ignorância do legislador, da pretensão dos juristas anti-cientistas, dos obstáculos do falso pudor, da deficiência da técnica jurídica e do absolutismo dos grupos econômicos, Arnaldo de Farias tem como traço fundamental do direito moderno a “ausência de coordenação e de método”, a desordem, a incerteza, a obscuridade, a instabilidade, a nervosidade, a falta de nitidez, de penetração e de síntese, que estão em todas as manifestações da vida social. Esse direito “segue os caminhos da vida” e “está perfeitamente de acordo com a última condição da humanidade”. (O Direito Novo, em “O Estado de Mato Grosso”, de Cuiabá. De 1-9-1939).

Grande confiança tem também Melchiades Picanço no Direito que revivescerá: - “O mar não fica em eterna vazante, pois a esta se contrapõe a maré montante” (Correio da Manhã, do Rio, de 12 de agosto de 1933).

É dele também a apreciação seguinte: -

“O que ora se observa no mundo é um imenso reflexo de civilização, cujas flutuações encontram símile na ondulação do mar, como bem observa o notável orador que foi José Estevão. Mas os reflexos passarão. Virão, depois, os fluxos do direito, da justiça, da ordem, dos grandes sentimentos humanos” (Diário da Manhã, As Flutuações da Civilização, de 22/10/39).

Diante destes exemplos de confiança no destino jurídico dos povos e na eternidade do direito em evolução, em aperfeiçoamento incessante, é preciso que afastemos o nosso pensamento, a quando e quando, dos panoramas dantescos do universo e perscrutemos as forças imanentes que habitam a América e ainda outras, que ressurgirão no mundo.

É o que, bem há poucos dias, fazíamos de nossa parte, mostrando a identificação entre a força e a espiritualidade, na nova civilização em marcha.

A atual organização do Brasil, democracia de liberdades fundamentais, democracia de revisão autolimitativa substancial, democracia de fase constitucional preplebiscitária autônoma, essa organização nacionalista, forte, originaria e finalisticamente democrática, apresenta-nos, além da sua duração e da sua evolução contínua, motivos outros para tal confiança.

A formação cívica e espiritual do povo brasileiro, cujas raízes acompanham fielmente as da civilização ocidental que tivemos, e agora avançam ajustando-se às necessidades econômicas básicas da nacionalidade; essa formação, já nas suas lindes mais afastadas enquadrada nas disposições da organização das indústrias assecuratórias dos saldos da nossa balança comercial e do crescente aparelhamento defensivo nacional, como também identificada com a preparação militar e paramilitar do povo, solidarizado com as classes armadas no programa de circunscrever, vincular e aglutinar os ideais de unitarismo e de sobrevivência da Nação, pelos quais respondem; esta formação profunda da mentalidade brasileira, acentuada no Estado Novo, dá-nos a convicção de que o mundo ainda não soçobrará, mormente para nós, da América, mormente para quem analisa o mundo e a própria América, do Brasil.

Temos, ademais, um nome nacional que prega a favor desta certeza na perpetuação do direito e da civilização, tendo dado a sua vida inteira em penhor deste credo.

É Clovis Bevilaqua.

Clovis Bevilaqua, que não vê motivos para desanimo, acende um facho sobre o problema e com ele jorra luz nos espaços e ainda inunda todos os horizontes, com estas palavras, que são uma afirmação de fé nas forças renovadoras da cultura, sob as inspirações do direito, da liberdade, da moral, da justiça, da democracia, do patriotismo e do amor.

É o seguinte o hino em que Clovis Bevilaqua pontifica e que fazemos nosso, nas suas emoções mais imediatas e no entusiasmo ardente deste instante:

“Creio no direito – porque é a organização da vida social, a garantia das atividades individuais; creio na liberdade – porque a marcha da civilização, do ponto de vista jurídico-político, se exprime em sucessivas emancipações do indivíduo, das classes, dos povos, da inteligência; creio na moral – porque é a utilidade de cada um e de todos transformada em justiça e caridade; creio na justiça – porque é o direito iluminado pela moral, protegendo os bons e úteis contra os maus e nocivos; creio na democracia – porque é a criação mais perfeita do direito político, em matéria de forma de governo; creio, mais, nos milagres do patriotismo – porque o patriotismo é forma social do amor”.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do ES, Nº 12 – ano 1939
Autor: Augusto Lins
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2014

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