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Casamentos – Por Areobaldo Lellis Horta

Casamento de Antônio e Genny, em 30 de maio de 1929

Era eu muito criança, quando assisti, pela primeira vez um casamento em Vitória. A festa matrimonial ia realizar-se na Rua das Flores, hoje Dionísio Rezende. Pela manhã fui, com a empregada de casa, até lá, levando flores e, ao chegarmos à residência da noiva, estava a sala sendo varrida, retirando-se do assoalho grande quantidade de areia da praia. Questão de hábito. Naquela época, não se encerava a casa e quem queria a sua mais ou menos limpa, mandava lavá-la, espalhando depois areia da praia por toda parte. Essa areia permanecia durante dois ou três dias, a fim de que, com o atrito das passadas, o assoalho clareasse.

A água do mar era ordinariamente a usada na limpeza pela crença em seu poder destruidor de pulgas. A areia da praia possuía a vantagem de não ter poeira, sendo suas granulações de um só tamanho, não sujando, portanto, a casa. Os métodos modernos fizeram abandonar as baldeações de água salgada nas salas e quartos, bem como o uso de areia. A cera é que embeleza os assoalhos, deixando-os ora como cristal, ora opacos, sem brilho.

Na tarde daquele dia, acompanhando meus pais, compareci ao casamento. Não havia ainda o matrimônio civil, mas, só o religioso. Automóveis e carros, como tíburis e landaus, não eram ainda nossos conhecidos, de modo que noivos e convidados marchavam a pé para a igreja. Naquela tarde, a distância era pequena: um trecho da rua, outro da ladeira a subir-se e estava-se na Matriz. E assim foi. Às cinco da tarde organizou-se o cortejo nupcial. À frente, a noiva, toda de branco, com suas tradicionais flores de laranjeira engrinaldando-lhe a cabeça e de braço com o padrinho, seguidos do noivo, de terno claro e casimira, com a madrinha. Depois, a dois de fundo, os convidados aos pares. Nós, raia miúda, íamos sem ordem, ao lado do cortejo. Abrindo-o, entretanto, ia uma galante menina, vestido de cor rosa, tendo às mãos uma salva florida, nela engolfadas as duas alianças, símbolos da união externa daquelas duas almas, que se conjugavam perante Deus. A menina galante, portadora das duas alianças, é hoje personalidade de destaque em nossos meios sociais e, se chegar a ler esse capítulo, talvez nem se recorde de haver sido a figurinha graciosa que representara, naquela cerimônia, tão relevante papel.

O casal hoje, octogenário, vive na capital Federal, feliz, entre filhos, netos e bisnetos.

Não se ouvia naquele tempo, em momentos tais, a marcha nupcial, essa encantadora e emocionante composição de Mendelson que, até bem pouco, enchia com sua doce e tocante harmonia a nave dos templos, à entrada e saída dos cortejos matrimoniais e, de suave enlevo, noivos e assistentes. Naqueles tempos, pairava sempre no interior das igrejas, quando de tais cerimônias, um profundo silêncio, apenas quebrado pela voz do sacerdote, ao proceder ao "conjugo vobis".

Finda a solenidade, a mesma organização, a dois de fundo, apenas sem mais a menina levando as alianças, abrindo o cortejo o par recém-casado, todos rumando para a mesma casa.

Assim eram os casamentos naquela época, quando não se falava, por aqui, em carros nem automóveis. A coisa, entretanto, não ficava por aí.

Quando o cortejo chagava à casa, já por lá se achava um terno de música, ora da Filarmônica Rosariense, ora da "Caramuru", para o início das danças, que entravam pela madrugada.

Era o domínio das valsas, polcas, mazurcas e quadrilhas francesas, pois a valsa e a quadra americana ainda não eram conhecidas. Os noivos eram obrigados ao castigo da célebre cena do sofá, em que ambos permaneciam sentados sem arredar pé, enquanto os convivas dançavam. De quando em vez, uma bandeja com chávenas de chá e outra com doces, corriam o salão e, vez outras, licoreiros com o bom Beneditino e bandejas com cálices dos bons vinhos portugueses da era, entre os quais o Adriano Ramos Pinto. E, desta maneira, se festejava pela noite em fora o feliz enlace.

No dia seguinte, era o encerramento das festas de núpcias. À tarde, os convidados da véspera compareciam, para o banquete, a que não faltavam perus assados e leitões, ostentando entre os dentes uma clássica flor. Os noivos trajavam então a indumentária do segundo dia: a noiva, vestido cor de rosa, o noivo, terno branco. Sentavam à cabeceira da mesa, sendo os convivas distribuídos pelos demais lugares. Muitos deixavam para a segunda ou terceira mesa, a última, chamada a mesa do "avança". Nessa, tomavam parte os menores. Porém, os noivos eram condenados a tomarem os mesmos lugares, houvesse duas ou mais mesas. Após o jantar, as danças recomeçavam com a mesma animação, entrando pela noite até madrugada, ao som do mesmo terno musical ou de outro.

Consórcios havia que, realizados no sábado, levavam as danças ininterruptamente, até a madrugada da segunda-feira.

Eram assim as festas nupciais naqueles tempos. Os convites se faziam pessoalmente, e só após o casamento, era que as participações eram impressas e distribuídas, com a residência do novo casal, para as devidas visitas e entretenimento de relações. Muitos dos que não eram convidados para o consórcio, recebiam a participação como testemunho de deferência.

 

Antes do mais

 

O presente trabalho, com o qual concorro ao prêmio "Cidade de Vitória", instituído pela Lei Municipal n°. 20, de 8 de setembro de 1946, é um modesto subsídio ao estudo do desenvolvimento da nossa Capital, em suas condições urbanísticas, métodos educacionais de ordem cultural e social, de costumes e tradições ao tempo de minha infância e juventude.

Se valores intelectuais do passado, como padre Antunes de Siqueira, Daemon, Afonso Cláudio e outros de idênticos assuntos se ocuparam para o conhecimento dos vindouros, o fizeram em relação às mesmas épocas de sua juventude. Deixaram, por isto, uma solução de continuidade compreendendo as duas últimas décadas do século dezenove e a primeira do século vinte. É essa lacuna, que pretendo preencher despretensiosamente, com o que a memória me conservou daquela fase de minha vida. Procurando realizá-lo, não posso fugir ao dever de uma homenagem ao berço da nossa evolução - Vila Velha — onde passei parte da minha meninice e à qual a Vitória está presa por uma série de caras circunstâncias, homenagem representada nas crônicas que dão corpo a este trabalho pelo que a seu respeito escrevi.

Vitória, junho de 1951.

O AUTOR

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2020

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