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Como era o Ensino - Areobaldo Lellis Horta

O Atheneu Provincial, foto de 1882

Quando criança, o ensino era ministrado entre nós, o curso primário pelas escolas primárias e o secundário pelo Ateneu Provincial para o sexo masculino, e o Colégio Nossa Senhora da Penha para o feminino. O curso primário fazia-se, no mínimo, em três anos, cabendo a um só professor ensinar ao aluno desde o abecedário até o fim. Não havia, portanto, classes, com distribuição das mesmas por vários professores. Os alunos mais adiantados eram monitores, encarregando-se de tomar lições dos mais atrasados, dos que estavam ainda no primeiro livro, chamado vulgarmente "Carta de A.B.C." e dos que estavam no segundo, de leitura corrente por cima, não obrigada à soletração.

Começávamos por decorar o abecedário, gravando na memória, ao mesmo tempo, o nome e a forma da letra. Nesta primeira fase, perguntava-se ao aprendiz quais as letras indicadas, só se passando para a segunda, quando o aluno respondia, com facilidade e certeza, quais os símbolos. Uma vez familiarizado com o alfabeto, reconhecendo prontamente as letras, ia-se adiante.

A segunda consistia na associação de duas vogais, ou de uma consoante com vogal, para a formação dos ditongos e das sílabas. Feita esta aprendizagem, passava-se à terceira fase, da formação das palavras, a princípio de duas sílabas, depois de três sílabas, até que o discípulo soubesse ler por cima, isto é, sem precisar soletrar. Na formação das palavras, as sílabas eram sempre separadas, a fim de facilitar o principiante na soletração, para a formação do vocábulo. Só quando o menino sabia "ler por cima", era então promovido para o segundo livro.

Foi por este método, que aprendemos, os desse tempo, a ler.

Recordo-me de um aluno que, ao ser a escola visitada pelo inspetor, este lhe perguntando em que livro estava, atarantado com o inesperado da pergunta, respondeu: "Eu? Eu estou no tal de Paulo". Era que o livro tinha uma lição que começava assim: "Paulo é babão, Rita sabe dançar etc.".

Passando ao segundo livro, o menino começava, também, a aprender a tabuada, iniciando-se pela de somar, seguindo para as outras logo que aprendida a anterior. O sábado era o dia reservado à sabatina da tabuada, quando então, se fazia uma roda dos que estavam no aprendizado, em torno da mesa do professor, para a argüição. À proporção que o aluno ia-se desenvolvendo, entrava nas outras operações de aritmética, indo das frações ordinárias e decimais, até regras de três, juros e companhia. Começava, mais tarde, a tomar contato com a gramática e, ao mesmo tempo, com análise gramatical e lógica, classificação das orações e dos complementos, acentuando-se esses conhecimentos até o terceiro ano, quando o aluno era considerado apto ou não para prestar o exame final.

Era, portanto, o professor quem, conhecendo as condições de aproveitamento do discípulo, o escalava para o exame. Não existindo classes, não havia promoções. Só o professor era juiz, para permitir que o aluno avançasse na esfera do aprendizado de modo a poder realizar provas, que o retirassem do curso de primeiras letras. Se o menino, ao fim do terceiro ano de frequência, não apresentasse um progresso nos estudos, capaz de poder prestar exame, não o fazia. Nesses termos, já em outubro, o professor organizava a lista dos alunos que constituiriam naquele ano a turma de examinados.

As bancas examinadoras eram compostas de três membros do professorado primário, incluído neste número o proprietário da cadeira. Findas as provas, que eram somente orais, a sala esvaziava-se, nela ficando apenas os examinadores para o julgamento. Era raro verificar-se uma reprovação. As notas iam de "simplesmente" a "distinção com louvor", consoante o grau de aproveitamento do aluno.

Após o julgamento, eram abertas as portas da sala, voltando todos à mesma, para conhecer o resultado, irrompendo os alunos e demais pessoas presentes, após a leitura, em palmas e vivas.

Serviam-se, antão, doces, vinhos e cerveja aos examinadores e pessoas gradas, após a saída dos quais, era servida a meninada. À noite, na sede da escola, improvisavam-se danças, nas quais tomavam parte as famílias dos alunos.

Nota interessante nesses exames: a presença de senhoras, senhoritas, professores das outras escolas e pessoas gradas, perante as quais os exames ocorriam, não afetava a emotividade dos examinandos; mas, valia muito, para que se pudessem aquilatar dos esforços do professor e de seu critério na orientação dos trabalhos de cátedra. Outra nota também interessante era o espírito de coleguismo que se desenvolvia entre os alunos, logo que o professor, meses antes dos exames, os anunciava, convidando seus discípulos a concorrer um dia na semana, com pequena quantia para as festas do encerramento das aulas. Nesse dia, nenhum aluno faltava e, quem trazia um tostão, e quem trazia uma quantia maior, o certo era, que no fim do ano, a comissão de alunos incumbida de controlar o movimento do dinheiro, estava aparelhada para as despesas da festa.

O mobiliário escolar desse tempo consistia em mesa, para o professor, e alguns bancos sem encostos para os alunos, alem de três ou quatro cadeiras colocadas junto à mesa. A disciplina nas aulas era mantida pela eloquência da palmatória, os puxões de orelha, uma cadeira na cabeça ou fazendo-se o indisciplinado conservar-se ajoelhado, durante algum tempo, no próprio banco ou no assoalho, quando não permanecia preso depois da aula, pelo menos durante uma hora. O curso era dado das oito às onze, em alguns colégios, ou das nove ao meio dia em outros. A matrícula não podia exceder de cinquenta alunos. Lembro-me de que a primeira turma de professoras normalistas foi distribuída pelas escolas, como adjuntas, e para fazerem um estágio de prática de ensino primário. O estado auxiliava com cinquenta mil réis mensais o aluguel dos prédios onde funcionavam as escolas, o que permitia que os professores nelas residissem com suas famílias.

Quando fiz o curso primário, eram oito as escolas existentes na Vitória, assim classificadas: três para o sexo masculino, regidas pelos professores Amâncio Pereira, Lellis Horta e Octávia Mululo, e cinco para o sexo feminino, regidas pelas professoras Eliza Paiva, Maria Luiza Otten, Cândida Marques Pessanha Póvoa, Adelina Lyrio Mululo e Joana Hytching, estas, acrescidas logo depois, de mais duas, sob a regência das professoras Thereza Calazans e Margarida Fraga.

Não apanhei o curso secundário do "Ateneu Provincial", pelo seu desaparecimento juntamente com o Colégio da Penha, os quais cederam os lugares à Escola Normal, para ambos os sexos, destinada ao curso de professorado. Fui seu aluno até a terceira série, sendo o curso de cinco anos.

Por aquele tempo, apareceram em Vitória três outros estabelecimentos de ensino, todos secundários. O Colégio São Carlos situado na Rua José Marcelino, em um antigo casarão onde, mais tarde, foi edificado o Palácio do Bispado; o Ateneu Santos Pinto, fundado pelo professor Aristides Freire, situado na Rua de São Francisco, e o Seminário fundado pelo bispo Dom João Nery para aproveitamento das vocações religiosas, funcionando no edifício em que está instalado o colégio Nossa Senhora Auxiliadora.

Não foi de grande duração a existência desses estabelecimentos, sendo que Santos Pinto formou várias gerações. Saídos do Seminário, receberam ordens na Catedral de Vitória os seguintes sacerdotes: João Freoul, João Maria Cochard, Samuel Fragoso, Egídio De Martini Granza, José Soriano, Blanco Gonzáles, José Artur, P. Regatiéri.

Nenhum desses estabelecimentos era oficializado, nem mesmo a Escola Normal, dado o seu programa. Todavia, as matérias exigidas para o ingresso nos cursos superiores figuravam em seus programas, com exceção da Escola Normal, onde não se ensinava latim nem inglês.

As disciplinas necessárias ao ingresso nos outros cursos acadêmicos eram português, francês, inglês e latim, geografia geral e corografia do Brasil, aritmética, álgebra, geometria e trigonometria, física, química, história universal e do Brasil e história natural. Para os cursos odontológico e farmacêutico, o número exigido de matérias era menor. Eram eliminatórias: português, para as demais matérias; geografia, para história universal e do Brasil; aritmética, para geometria, trigonometria, física e química.

Na organização das bancas examinadoras, o Governo Federal designava um inspetor para constituir as bancas, fiscalizando seu funcionamento, sendo que, para maior eficiência dessa fiscalização, só funcionava uma banca por dia. Cabia ao inspetor fornecer os atestados de aprovação, com os quais o candidato se matriculava no curso superior, juntando ao mesmo apenas a certidão de nascimento. Como naquele tempo, começo da era republicana, esses instrumentos não podiam ainda ser fornecidos pelos cartórios do Registro Civil, tinha que se recorrer ao batistério, cabendo ao vigário da Paróquia dar a certidão.

Recordo-me do que comigo ocorreu, quando precisei dessa certidão. Procurei o padre Bermudes de Oliveira, vigário da cidade, para me fornecer o documento. Deu-me o prazo de cinco dias, para procurá-lo. No dia combinado, compareci à residência do vigário no Largo da Conceição. Não fora encontrado o bilhete de batismo e ele me perguntou em que igreja me batizara. Respondi que havia sido no Carmo Pequeno, juntamente com três irmãos. Voltei três dias depois, e, ao entregar-me a certidão, o padre Bermudes foi me dizendo: "Você batizou-se com sete anos. Juza (era assim que ele chamava meu pai) nem parece que esteve no seminário, para seguir a carreira sacerdotal. Cria os filhos como animais, só batizando fora do tempo".

Recebi a certidão e saí, achando graça no conceito do vigário, bastante conhecido pela delicadeza de certas atitudes. E foi desse modo, por muitos anos, que se aprendeu nesta terra, fazendo-se os cursos primário e secundário.

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis Horta
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2020

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