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De bonde com Grijó pela Vila Rubim

Remadores do Álvares Cabral, atual ponte seca ao fundo - 1966

O trânsito da Vila Rubim era caótico. Em uma rua com oito metros de largura passavam: as linhas do bonde e do trem, os carros em mão e contramão. Os engarrafamentos eram terríveis, principalmente de 16 horas em diante e pela parte da manhã, quando os trens vinham do continente para Vitória. O movimento do mercado da Vila Rubim concorria para aumentar o tumulto, mesmo com poucos veículos a mais. Ademais, pela parte baixa do mercado não havia rua para carros, pois o mar chegava na calçada do mercado. A bagunça nesse mercado era total. Existia uma parte que era denominada de Coréia. No entanto, certos pedaços se assemelhavam a Hong Kong. Na Duarte Lemos, a Casa Santo Antônio; em cima, a residência do Sr. Manoel Rozindo, avô de Irene Rozindo e Titinho e um dos moradores mais velhos da Vila Rubim. Um fato interessante é que, em agosto de 1928, o Sr. Manoel fazia uma queixa na polícia contra ladrões que arrombaram sua residência. Essa notícia saiu no n.° 62 da edição do primeiro ano de A Gazeta. Como podemos notar, as reclamações contra os ladrões não são de hoje. Outra casa comercial era a Sapataria Atômica de Salim Alaão, a Casa da Sogra e a Padaria Lopes, existente até hoje, que fornecia pão para toda aquela região. Seus pães de milho e italiano, além do pão cacete (bisnaguinha), eram superiores e disputados. No primeiro andar, a gafieira do "Está Cruel", comandada pelo Cabo Queiroz, que botava sua fantasia amarela e preta, saía à rua para animar o carnaval. Em frente, a loja dos irmãos Vicentini, em que funcionavam ferragens em geral e pequenas serventias domésticas. A tradicional Casa Rubim. Do outro lado da rua, a primeira casa da firma Giacomin especializada em revendas de máquinas usadas de costura. A Farmácia Rubim encerrava um trecho da Duarte Lemos, sendo que na esquina, descendo para a hoje Rua Jair Andrade, ficava a Casa Zardini e a relojoaria Decotignes. Adiante vinha a entrada do início da ponte que ligava a ilha de Vitória à Ilha do Príncipe, quando esta era de fato uma ilha. Hoje esta ponte é apelidada de "Ponte Seca". A casa de tecidos do Sr. Tristão dá continuidade à Rua Duarte Lemos; mais à frente, um bar e restaurante, a Papelaria e Gráfica do Taneco; em cima, sua residência. Em frente, a garagem do clube de natação e regatas Álvares Cabral, que serviu de albergue a muita gente vinda do interior; em troca, o albergado tornava-se remador. Muita gente hoje importante nos negócios e na sociedade praticamente morou na garagem de remo do clube. Coisas do esporte. Ao seu lado, o famoso bar dos boêmio e noctívagos, o "Mar e Terra", já enfocado anteriormente. Em frente a casa de mulheres da vida (como se chamava antigamente), o "Portão de Ferro". Ali a barra era pesada... Ao lado do restaurante vinham os armazéns da firma exportadora de café Mc Kinlay, do Sr. Dante Michelini interessante é que, por ser banhado pelo mar na parte dos fundos, tanto recebia carga de café pelo lado da Duarte Lemos como pelo mar. Ao seu lado a antiga sede social e garagem de barcos do Clube Náutico. Uma curiosidade foi o fato ocorrido por volta da década de 1950, quando meu tio Raul Azevedo que era o sócio número um do Saldanha e como tal um senhor saldanhista foi convidado para presidir o Náutico, pois este atravessava séria crise. Ele aceitou e, depois de passada a crise, devolveu a presidência aos verdadeiro, rubro-negros. Dessa forma, sua ajuda foi importante, mesmo com os protestos da oposição, que não concordava com um saldanhista à frente dos destinos do clube. Outro também que era saldanhista e presidiu o Náutico foi o Dr. Jair Etienne, um dos maiores juristas que nosso estado já teve. Coisas do remo... Antes da sede do Náutico, vinha a alfaiataria "Friques", de Edson Friques, que conheci no dia em que meu saudoso amigo Alípio Passos foi até sua alfaiataria para tirar uma prova de um terno. Faço esse relato devido a uma característica física de Alípio: era um homem fortíssimo e tinha ombros caídos, o que fazia com que os outros alfaiates não acertassem com o caimento da roupa; e Alípio elogiava muito o Friques por esse motivo. Mas o Friques não é só um "cobra" em matéria de roupa, é mais ainda num tabuleiro de damas. Em todos os cantos onde se joga dama ele é tido como um dos maiores jogadores desse esporte no Brasil, tendo até editado um livro sobre como jogar damas. Mais tarde o Náutico transferiu-se para onde está hoje. Dali em diante já entrava-se na zona de baixo meretrício. Mais em frente ao Náutico, a residência de Joaquim Gonzaga, o Quincas, que é professor há anos na rede educacional de Vitória. Ali também morava seu irmão José Gonzaga, figura folclórica e funcionário do antigo IBC — Instituto Brasileiro do Café. Bares e botecos, formavam o "complexo" da zona (casa de mulheres), do qual casas como a da "Aurora Gorda" era a mais famosa, não só por ser a melhor, mas por ser a que mais brigas e confusões apresentava, principalmente quando aportavam em Vitória navios da Marinha de Guerra do Brasil. As brigas eram tão sérias que muitas mortes aconteceram. Sua proprietária, Aurora Rezende, se destacava pela postura física. Não passava de 1.65 m e pesava cerca de oitenta e pouco quilos, sendo possuidora de grandes seios. Mas o que tinha de seios grandes tinha de coração bom. Sua casa movimentava nos fins de semanas umas 35 mulheres, que não eram grandes coisas. Já as casas Verde e Branca eram outro departamento. Seus quartos, salão para danças, serviços de bar e restaurante e mulheres eram de primeira; estas, renovadas de mês em mês, geralmente vindas de Campos e Governador Valadares, sempre chegadas nos fins de semana devido ao aumento da clientela. Às vezes, muitas das mulheres que ali chegavam passavam a ter moradas fixas, em virtude da decisão de um "Coronel" de sustentá-las. Eles chegavam a pagar a certos cafetões para vigiá-las. Eu fui um grande frequentador de ambas as casas, porém não vou dedurar outros que também a frequentaram. Tipos que trabalhavam nas casas e conheciam de tudo do ambiente eram Zé Maria e Pretinho, na Casa Verde, e Brambila. Só que esse último era muito confiado. Ao lado das duas casas, através de uma escadaria, chegava-se a outra casa, chamada de Sétimo Céu. A Casa das Louras, na subida de quem vai para o Alto de Caratoíra. Naquela época, décadas de 1940/50, poucas famílias ali moravam. No entanto, após o governo do Dr. Jones Santos Neves e ao assumir o Sr. Francisco Lacerda de Aguiar, o povão invadiu o morro de Caratoíra e, sob vistas grossas do governo, começou a construção de seus barracos. Dada a preferência dos moradores por trabalhar à noite e de madrugada, principalmente em noite de lua, o morro ficou conhecido como "Morro do Martelo". Daí para frente é que aquele local passou a crescer. Mais tarde, quando o Dr. Cristiano Dias Lopes assumiu o cargo como governador "biônico" (governador nomeado e não pelo voto direto), seu irmão José Dias Lopes assumiu a Secretaria de Segurança. E uma das principais medidas tomadas por ele foi a remoção da zona de meretrício daquele local para o município de Vila Velha, em Santa Inês, onde ficou conhecida por "Areal". Mais tarde foi para o município da Serra, no local famoso de Carapebus, mais conhecido pelos boêmios como "Carapeba”. A prostituição ali foi tão grande que, devido à contaminação por doenças transmissíveis, adquiridas pelos marinheiros estrangeiros, houve intervenção do setor de saúde da ONU. Pela parte do dia parecia uma cidade fantasma, pela noite se transformava numa cidade de neons, com o funcionamento de bares, salões de dança e movimento de prostitutas pelas ruas. Depois da retirada das "zonas" do local, Caratoíra passou a ser o bairro que é. As casas de prostituição, Casa Verde e Casa Branca, viraram Casas de Oração os Armazéns do IBC transformaram-se no Centro Cultural "Carmélia Maria de Souza". O local que era usado como área de manobra dos desvios dos bondes agora é ocupado por uma pracinha.

 

Fonte: A Ilha de Vitória que Conheci e com que Convivi, vol. 6 – Coleção José Costa PMV, 2001
Autor: Délio Grijó de Azevedo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2019

Fonte da Foto: Memória Capixaba - Remadores do Álvares Cabral liderados pelo patrão Nelson Barcelos, ao fundo a atual Ponte Seca, foto datada de 1966.

A Ilha de Vitória que Conheci e com que Convivi - Por Délio Grijó

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