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Doação da Ilha de Vitória - Considerações finais

Capa do Livro - A Doação da Ilha de Vitória - Autor: Luiz Guilherme Santos Neves

Quando Duarte de lemos chegou ao Espírito Santo,Vasco Fernandes Coutinho e alguns colonos portugueses roçavam as terras da capitania quase à unha. A colonização engatinhava, carente de tudo.

Lemos chegou em navio particular, vindo da Bahia, com estrela de fidalgo luzindo na testa e alma de aventureiro envolta em brumas. Era um nobre português, de projeção em Portugal. Ávido de poder e de posses, contava encontrar no Espírito Santo terreno propício para suas ambições. Mas ainda era cedo para Coutinho avaliar a extensão desse fato. O recém-chegado trazia gente e recursos de prestança, num momento difícil para a colonização do Espírito Santo.

Para quem surgia do mar nessas condições favoráveis, dispensou Coutinho a gala de um acolhimento especial, pois não iria perder a oportunidade de conquistar, para a sua donataria em transe de afirmação, reforço tão precioso.

Inaugurava-se, naquele momento, a síndrome da hospitalidade capixaba que marcaria, pelos séculos vindouros, a atitude dos habitantes do Espírito Santo de receber bem quem vem de fora. Receber bem é pouco, Receber de braços abertos, que a casa é sua.

E, da casa que era dele, o donatário doou a Duarte de Lemos a Ilha de Santo Antônio, a maior da capitania, pelo simples fato de o outro haver aportado à terra, sob guia do Mestre Álvaro. Por pouco faltou-lhe dizer, com o mesmo entusiasmo de Caminha, que, na ilha concedida em sesmaria, em se plantando tudo dá (e eu falo da plantações e do mais que na ilha deu, no correr do tempo).

É cediço que o Brasil nasceu essencialmente agrícola e essencialmente latifundiário. Dar sesmarias a colonos para cultivá-las e povoá-las era obrigação traçada para os donatários antes mesmo de desembarcar em suas capitanias. Tratava-se de encargo inscrito nas cartas de doação por imposição régia. À Coroa Portuguesa interessava a distribuição de terras como forma de tornar a colônia brasileira povoada e produtiva.

A doação de sesmarias funcionou como o terceiro elo no processo inicial da criação do sistema fundiário colonial, responsável pela instalação do latifúndio no Brasil. Os dois outros, na ordem em que se verificaram, foram o legado territorial do Tratado de Tordesilhas, de 1494, e o legado resultante das Cartas de Doação e dos Forais – considerando-se esses dois documentos como os estatutos primários integrados da nossa colonização.

Pois, sem dúvida alguma, o primeiro latifundiário do Brasil foi o rei de Portugal. Esse domínio pleno sobre as terras da colônia foi-lhe outorgado por bula papais que estabeleceram, para Portugal, tanto quanto para a Espanha, a divisão teocrática do mundo. Em Tordesilhas, as duas nações superaram seus quiprocós divisionistas e acertaram a partilha do mundo conquistável pela metragem das léguas que couberam a uma e a outra, a contar de um meridiano arbitrário e arbitrado, demarcado sobre terras e mares.

Do rei, o desdobramento fundiário no Brasil transferiu-se aos donatários e, desses, aos sesmeiros – povoadores iniciais da costa brasileira.

Donatários das capitanias perante o rei de Portugal, os capitães-mores foram, por sua vez, transmissores de terras para colonos. E não parou nos colonos o processo de partição das dadas porque os sesmeiros também podiam subdividi-las e passá-las a terceiros. Como de fato fizeram.

Com a partição das terras, agregava-se o beneficiário que as recebia a qual havia partilhado, numa sucessão de vassalagem de ranço medieval. Cada elo da cadeia distributiva integrava-se, pois, numa corrente que se fez longeva, na cissiparidade de um processo de apropriação de terras que se revelaria injusto e anti-social, no Brasil de longo.

Nos alvores da colonização, porém, o instituto da sesmaria funcionou sob medida par ao modelo colonizador português. Na realidade funcionou na medida das léguas quadradas em que se faziam as doações para produzir os resultados almejados pela política metropolitana. Haja vista a preocupação da Coroa de tornar obrigatória a doação das sesmarias, ao consignar esta obrigatoriedade no texto das cartas de doação das capitanias brasileiras e nos forais que as completavam. E consignar quase ipsis litteris em cada carta e em cada foral, já que obedecia a um mesmo padrão jurídico, institucional e pragmático, aprovado pelo rei.

Assim na carta de doação da capitania de Vasco Fernandes Coutinho, assinada em Évora, em 1º de junho de 1534, estabeleceu o soberano, depois de proibir ao donatário tomar para si, para sua mulher ou para seu filho mais velho “terra alguma em sesmaria”, que cabia ao capitão e a seus sucessores dar e “repartir todas as ditas terra de sesmaria a quaisquer pessoas de qualquer qualidade e condição que sejam”.

Essa regra repete-se como cláusula inicial do foral de 7 de outubro de 1534, com a ressalva de que as sesmarias deveriam ser doadas a quem fosse cristão.

Foi, portanto, no uso da prerrogativa oriunda dos estatutos básicos da colonização do Espírito Santo, que Vasco Fernandes Coutinho doou sesmarias na capitania.

Certo é que a maioria delas se perdeu do nosso conhecimento. O documento que não se conhece é informação histórica que não se tem.

Mas há registros de sesmarias, como a da ilha do Boi e a da ilha do Frade, áreas integradas hoje à cidade de Vitória, que foram dadas pelo donatário, respectivamente, a Jorge de Menezes e a Valentim Nunes; e também, como uma das doações feitas por Coutinho, a da ilha de Santo Antônio para Duarte de Lemos.

De sua parte, o próprio Lemos se fez doador de terras para outros sesmeiros. A escritura de doação da ilha de Santo Antônio diz que Duarte de Lemos doou sesmarias tão logo recebeu a sua. Os nomes desses agraciados não são mencionados, nem tinham por que ser, na escritura.

Mais tarde, em 1552, quando a vila de Vitória já estava erigida em sede da Capitania, Duarte de Lemos doaria outros terrenos da sua possessão à Companhia de Jesus. A informação vem de Serafim Leite: “eram uns montes maninhos em Jucurutucoara com as seguintes demarcações: partiam (dividiam-se) com Diego Fernandes, da parte do sul, cortando ao cume da serra; e, pela parte do nordeste, com Jerônimo Diniz; e, em riba da serra, partia com Diogo Álvares e Manuel Ramallho, assim todas as terras que estavam em aquele limite e não eram dadas (sesmarias). E assim outra terra, que partia com Fernão Soares pouco mais ou menos, pela banda do susueste.”

É o caso de perguntar: seriam esses confinantes das terras dos jesuítas os primitivos sesmeiros aquinhoados por Duarte de Lemos na ilha de Santo Antônio? A resposta à pergunta tem tudo para ser afirmativa.

Seja como for, verifica-se que a regra que norteava a distribuição de sesmarias no Brasil cumpria-se regularmente no Espírito Santo – “por a dita terra se povoar, aproveitar e defender” -, o que era do agrado e vontade do rei.

Não foi somente após a chegada de Duarte de Lemos à Capitania, em 1536 ou 1537, que a ilha de Vitória foi explorada pelos portugueses. Lembra Luiz Derenzi, em Biografia de uma Ilha que a exploração do território espírito-santense começou pelo reconhecimento da baía de Vitória, quando ainda não tinha este nome.

Era natural que a maior ilha da capitania, situada próxima da primeira vila que Vasco Fernandes Coutinho fundou em seus domínios, chamasse a atenção dos portugueses. Assim, em 13 de junho de 1535, menos de um mês depois de haver desembarcado na capitania, o donatário pisou na ilha, logo batizada com o nome de Santo Antônio, em homenagem ao santo do dia. Mas não há registros de que essa exploração pioneira tivesse rendido povoamento por parte dos portugueses.

Isso parece que só veio a acontecer depois da doação da ilha de Santo Antônio, rebatizada com o nome de Duarte de Lemos. Nela o fidalgo-sesmeiro assentou moradia e fazenda, fez engenho e ergueu a capela de Santa Luzia.

A igrejinha, que ainda sobrevive na cidade alta, marca o polo histórico da ocupação e do povoamento lusitano do lugar. Não existem registros confiáveis de que fosse verdadeira a expressão, de origem tupi, significando “ilha do mel”, com que os indígenas denominavam a ilha, embora esta versão tenha caído em domínio público.

Duarte de Lemos serviu à Coroa Portuguesa em campanhas na Índia. Ao que tudo indica, transferiu-se par ao Brasil com o donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho. Dessa capitania, não se sabe por que motivos, arribou ao Espírito Santo, com armas e bagagem.

Vasco Fernandes o acolheu agradecido e deu-lhe a ilha de Santo Antônio. Duarte de Lemos guardou com todo cuidado o alvará da doação, escrito e assinado por Coutinho. Três anos depois, estaria exibindo-o a tabelião, em Portugal, como prova provada de que a ilha lhe fora concedida.

Duarte de Lemos e Vasco Coutinho já deviam estar, nessa ocasião, em franco desentendimento. Os motivos da desavença são ignorados. Mas deixou, de parte a parte, sequelas pessoais e amarguras íntimas, como qualquer rompimento entre ex-amigos.

Ao ser criado o governo geral do Brasil, Lemos, que estava em Portugal, veio na armada de Tomé de Souza, no comando da nau Nossa Senhora da Ajuda.

Em 1550, achava-se designado delegado do governador geral da capitania de Porto Seguro, em substituição ao donatário Pero do Campo Tourinho, entregue às garras do Santo Ofício. Em passagem por essa capitania, Vasco Fernandes bateu de frente com seu desafeto.

O encontro reacendeu velhas malquerenças e Lemos não perdeu tempo, Na ressaca do ódio, escreveu ao rei D. João III uma carta, datada de 14 de julho de 1550, na qual chegou a dizer que Vasco Coutinho estava propenso a bandear-se para ao serviço do rei da França, a fim de “se restaurar de seus gastos, que tem feito na sua capitania, dizendo que assim o há de fazer pois lhe (para com ele) V.A (Vossa Alteza) quebra suas doações, e a sua capitania deixou e entregou ao ouvidor-geral, o que dá mais cor a ser verdade seu caminho e mau propósito”.

Essas acusações, além de nunca terem sido provadas, tiveram amplo desmentido na conduta de Vasco Fernandes como donatário do Espírito Santo, dedicado que foi, até o fim da sua vida, à colonização da capitania.

Da parte do rei de Portugal, são desconhecidos os efeitos das acusações de Lemos. O acusador, porém não saiu impune do episódio. No julgamento dos historiadores, tem sido considerado, até agora, um difamador mesquinho e vingativo, A este propósito, a frase de Derenzi é lapidar: “Era fidalgo de sangue, mas não tinha nobreza na alma.”

 

Fonte: A Doação da Ilha de Vitória.,2002 - Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo
Autor: Luiz Guilherme Santos Neves
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2012 

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