Morro do Moreno: Desde 1535
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Documentos do Império sobre Rios do ES

Vista aérea da desembocadura do Rio da Costa, Vila Velha - ES

Ilmo. e Exmo. Sr. – Tenho demorado algum tanto dar conta a V. Exa. Do resultado das minhas investigações relativas ao objeto da comissão de que fui encarregado, no desejo de que tudo fosse a um tempo às mãos respeitáveis de V. Exa ; mas, por não encontrar aqui uma só folha de papel próprio para a planta, foi mister mandá-lo buscar ao Rio, e o esperto todos os dias; logo que chegue porei a limpo a dita planta, que por ora existe em borrão, e a enviarei a V. Exa com uma memória anexa, bem como a derrota da minha viagem ; e V. Exa. se dignará desculpar o ir escrito na minha má letra, porque não me é possível descobrir um indivíduo que a tenha boa para pôr em limpo os meus rascunhos.

A navegação do porto que se projeta, junto ao sítio do Garanhum, meia légua distante do lugar da freguesia da Serra, é de utilidade incontestável para os fazendeiros estabelecidos naqueles terrenos, quase todos fabricantes de açúcar; o povo desta freguesia está hoje bastantemente crescido, vendo-se obrigado a conduzir por terra os seus efeitos ao atual porto chamado do Una, 7 milhas distantes do mencionado lugar, passando por água compridos espaços da estrada, em todo o tempo do ano, que toca nos leitos dos carros quando há chuvas, e quando se ao chegar ao sobredito porto do Una, sendo preciso vencer uma corda de montes, é então que se apresentam duas íngremes e longas ladeiras, de um barro escorregadio com qualquer chuvisco, que tornam difícil o trânsito aos carros; e sendo impraticável conduzir os efeitos pela estrada de terra para a cidade, tanto pela irregularidade dela como por falta de animais, é ao porto do Una onde vão todos parar, para dalí seguirem nas canoas: cada uma das quais carrega 3 a 4 caixas de açúcar: são logo necessárias 3 e 4 carradas para carga de uma canoa, porque cada carro conduz somente uma caixa, e ocupa cinco juntas de bois, e quatro escravos; quando a uma canoa bastam 3, correndo-se de mais a mais o risco de molhar-se o açúcar, e até de se voltarem os carros nos atoleiros, como aconteceu à minha vista, e acontece freqüentes vezes, além de terem que passar duas medíocres pontes de madeira, que existem quase sempre, como agora, em péssima serventia. Eis aqui em resumo as dificuldades que se apresentam à exportação daqueles habitantes; dificuldades que se desvanecem com a projetada navegação pelo amplo paul que descarrega as suas águas para o rio de Santa Maria, e este no que semi-circunda a ilha em que está fundada a cidade de Vitória: a madre deste paul não deixa de ter água suficiente, ainda quando sobrevêm secas extraordinárias, como aconteceu há poucos anos; ele está todo coberto de um arbusto, de uma caneta delgada, e que nasce do fundo, mui basto, e se eleva a 4 e 5 palmos acima da superfície d’água ; chamam-lhe Periperi, e causa o embaraço a navegar-se pelo brejo, cuja, origem fica próxima ao porto projetado, por onde corre um ribeirão, que fornece águas ao mesmo brejo e é por ele que devem subir as canoas; atualmente está coberto de mato. O porto vem a ficar na estrada por onde transitam os carros. Este ribeirão é engrossado por diversos olhos d’água, que partem do ocidente da montanha denominada o Mestre Alvo, e dos montes que lhe ficam fronteiros; e é ainda muito além do mencionado porto que podem montar as canoas no tempo das cheias.

É fácil desembaraçar-se o paul do tal Periperi, arrancando-o pelas raízes com encinhos a dentes de ferro, ao qual facilmente cederão os arbustos por saírem de um fundo doloso; e deste modo limpar-se á uma vereda de 12 a 14 palmos de largo, que é suficiente para dar livre passagem às canoas que se encontrarem, dirigindo-se este limpo segundo as circunstâncias que apresentar a direção da correnteza, sendo o máximo fundo do brejo, neste tempo, de duas ou de três braças d’água em repetidas paragens. Este brejo não recebe somente as águas do citado ribeirão, mas também da parte do sul do Mestre Alvo, e de outro brejo que vem do oriente da mesma montanha. Antes de dar-se princípio à obra, deve largar-se fogo em diversos pontos a todo o brejo, esperando-se dia ventoso, e tempo seco; e depois de limpo o canal, abrirem-se no paul esgotadores para se ir esgotando pouco a pouco, e aumentando o volume d’água do mesmo canal; deste modo obter-se-á  um terreno dilatado de ótimas pastagens, de que tanta falta aí se experimenta, e a corrente das águas irá forrando o leito do canal de areia que, junto à freqüência da navegação, o conservará sempre limpo. Um fazendeiro, com bem pouca força dos seus escravos, abriu uma vala no brejo para comunicar-se com o porto do Una, e poder seguir com facilidade da sua fazenda para a cidade; cuja vala não tem menos de uma milha, e dela me hei de aproveitar, melhorando-a, porque a sua direção é mui apropriada para a projetada navegação; em outros pontos do paul se vêem canais que o atravessam, mui limpos e espaçosos, devendo notar-se que são feitos rasgando a corrente para serventia dos particulares; o que é bastante para fazer calar os egoístas que se mostram incrédulos, respeito à facilidade de conseguir-se aquela navegação.

Para que não falte suficiente água ao ribeirão, que deve dar passagem às canoas até ao porto projetado, pretendo introduzir-lhe as águas de outro, que vem igualmente do Mestre Alvo, chamado de Cachoeira, por ser mui fácil esta obra, havendo somente a rasgar o espaço de 14 braças de terreno, mui pouco elevado, para que as águas se deslizem para onde se pretende. Concluo dizendo que, para se apresentar o canal capaz de dar franca navegação, não há mais do que aperfeiçoar-se, e melhorar-se quanto a pródiga natureza apresenta, que assaz convida a não se desprezar tão grande bem, não sendo mister rasgamentos novos, à exceção das 14 braças referidas, nem tão pouco encanamentos trabalhosos. Esta obra importante traz consigo não só a máxima grande vantagem de facilitar a condução dos efeitos daquele povo, que vai em aumento, traído pela copiosa produção dos terrenos, mas também livrará os vizinhos do paul,   e de diversas águas estagnadas e perdidas, que com pequenas cortaduras que facilmente se encanam, de serem acometidos mais ou menos do flagelo de febres intermitentes, que reaparecem anualmente.

Foi mister, para bem concluir as minhas observações, a fim de poder discorrer com pleno conhecimento de causa, esperar a estação seca e a chuvosa, para calcular os diversos estados da altura d’água, tanto do paul, como dos ribeiros que descem dos montes, para conhecer com precisão se era ou não navegável em todo o tempo o projetado canal. A planta e a memória anexa apresentarão à sábia compreensão de V. Exa., um conhecimento, que julgo ser completo, do objeto em questão.

Estou esperando que o tempo limpe a atmosfera para subir à montanha isolada, denominada Mestre Alvo; montanha altíssima onde mui poucos têm montado, e que o vulgo contempla como encantada! Do seu cume terei bastante objetos que observar, que me fornecerão interessante matéria para longa escrita.

Aproveito esta ocasião para declarar a V. Exa. quanto me penaliza ver esta barra, sendo muito boa por natureza, formada geralmente de pedra, que não permite formarem-se bancos d’areia, se vá por desleixo dificultando a sua entrada, em virtude de um notável banco formado das areias que lhe conduz o pequeno rio chamado da Costa: este rio, servindo de esgotadouro às campanhas de Vila Velha (a qual fica à esquerda, pouco acima da boca da Barra) arrasta nas cheias copiosa quantidade de areias, que vai depositar logo à entrada da barra, e foi aí onde se perdeu o brigue nacional de nome Pampeiro; em outros tempos não se fez notável este baixo, não só porque as ditas campanhas eram povoadas de basto arvoredo, que prendia as areias, mas também, por existirem diversas lagoas represadas, cujas águas, sendo depois encanadas para o dito rio, lhe aumentaram a velocidade de sua corrente, e por conseqüência a facilidade de conduzir areias, de que abundam aquelas campanhas. Na entrada da barra está, pela parte do sul, o Morro do Moreno, e é junto dele, pelo lado de cima, que deságua o rio, por uma boca somente de 4 braças de largo, sendo comprimida à direita por aquele morro, e à esquerda pelo de N. S. da Penha: tapando-se solidamente este medíocre trajeto, e rasgando-se o terreno baixo junto à fralda do Moreno pelo sul, obter-se á um novo leito para o rio, que, não excedendo a 25 braças de comprimento, é de indubitável interesse para a navegação; a vala não é mister profundar-se muito, porque, achando as águas firme resistência no apontado trajeto, como não lhe fica por onde possam penetrar para aquele lado, hão de precisamente, e com sua máxima corrente nas cheias, rasgar a vala, a ponto de terem passagem franca.

Deus guarde a V.Exa. Vitória, 18 de junho de 1832.

Ilmo Sr. José Lino Coutinho, ministro e secretpario de Estado dos Negócios do Império

L. D’ Alincourt
SARGENTO-MOR ENGENHEIRO

 

Fonte:  Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 1961
Autor: L. D’ Alincourt
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2014

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