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Duarte de Lemos x Vasco Coutinho

Duarte de Lemos x Vasco Coutinho

Entre os companheiros de Coutinho um se destacou com evidente superioridade: Duarte de Lemos. Ilustrou-se nas façanhas das Índias, (1) forja que temperou o caráter de quase todos os capitães das terras de Santa Cruz. Não foi passageiro do "Glória". Veio com Francisco Pereira Coutinho, donatário da Bahia, em 1536 e, poucos meses depois, se transferiu com "criados e colonos" para o Espírito Santo, atraído pela liberalidade de Vasco Fernandes, com toda certeza. Recomendou-se mal, para o juízo crítico da História, pois a deslealdade e o egoísmo são virtudes negativas. Sua valentia e dotes militares diluíram-se ante a desmedida ambição do poder. Era fidalgo de sangue, mas não tinha nobreza na alma. Todas suas atitudes escondiam interesses inconfessáveis. Foi providencial a Coutinho nos primeiros embates contra os indígenas. (2) Lutou com bravura e destemor, mas não se satisfez com a recompensa de uma ilha forra. Queria um feudo independente, não o conseguindo, foi-se para o reino de onde voltara, na armada de Tomé de Souza, comandando o "Nossa Senhora da Ajuda". Depois ganhou uma capitania temporária.

A ILHA DE SANTO ANTÔNIO E A PERFÍDIA...

A exploração do território espírito-santense começou pelo reconhecimento da baía, que se supunha foz de um rio. As ilhas menores foram doadas nos primeiros dias. D. Jorge de Menezes recebeu a ilha do "Boi", Valentim Nunes a dos "Frades" e a maior, batizada em 13 de junho sob a invocação de Santo Antônio, coube a Duarte de Lemos, dois anos depois, conforme carta de doação de 15 de julho de 1537.

A ratificação foi feita em Lisboa, em 20 de agosto de 1540, pelo monarca com a presença de Coutinho. Essa dádiva foi o ponto de partida do drama vivido pelo solarengo de Alenquer. Duarte de Lemos era um descontente. Todos os seus feitos nos induzem a tal juízo. E um descontente rancoroso, capaz de todas as intrigas para vencer. Vejamos o que diz Carlos Malheiros Dias: "Estes dois homens são a antítese um do outro. Em contraste com o cavalheirismo pródigo de Coutinho, Duarte de Lemos é um ambicioso e frio, calculador e intrigante". Para nos convencermos desse juízo é bastante lermos a carta escrita de Porto Seguro ao monarca. É uma denúncia venenosa, forrada de falsa modéstia e de rancor mal disfarçado. (3)

É interessante: os arquivos silenciam sobre a defesa de Coutinho. Das duas uma: ou perdeu-se o documento em que o donatário se defende das acusações de Duarte de Lemos, ou aquele, com a nobreza de alma que lhe era peculiar, desprezou as leviandades do valente soldado de Matias de Albuquerque.

O donatário não pretendia fazer na ilha de Santo Antônio uma cidade. Na carta de doação, escrita do próprio punho, num estilo claro de grande senhor, Vasco Coutinho fez sentir ao beneficiado este desejo: "a dita ilha está limitada por termo do povoado do Espírito Santo, nem ele Duarte de Lemos nem seus sucessores não farão na dita ilha vila e a redízima que no alvará lhe tem concedido estava no dito tempo entre eles assentado que não fosse senão a redízima de sua própria fazenda" (4) ... Ainda há vestígio da estada de Duarte de Lemos em Vitória. A pequena Capela de Santa Luzia, oratório da fazenda, hoje reconstruída e adaptada a museu de arte religiosa é a última reminiscência. Foi ali, na Rua José Marcelino, antigo Santa Luzia, (5) que nasceu o primeiro pouso capixaba. Montou um engenho de açúcar, cujas plantações de cana se estendiam por toda a encosta oeste do morro São Francisco. Essas lavouras foram abandonadas tempos após, circunstância que lhes valeu a denominação de "roças-velhas". Igual destino coube aos canaviais do rio Marinho. (6)

Duarte de Lemos desaveio-se com Coutinho devido à questão de tributo. Queria aquele que o redízimo recaísse só sobre a fazenda e não sobre a terra, que doasse ou desse à meia. Não se conformando o donatário, surgiu uma série de questiúnculas, que culminou com a saída de Duarte Lemos. (7)

Em 24 de novembro do mesmo ano, vamos encontrá-lo substituindo a Pero de Campos Torinho, na donatária de Porto Seguro, cujo detentor fora colhido nas malhas do tribunal do "Santo Ofício" e remetido algemado para Lisboa. Foi assim que esse "espécimem de "condotière" da época feudal" deixou a ilha, que lhe herdou o nome por muitos anos.

 

NOTAS

1) C. Malheiro Dias. H . C .P B.

(2) Pedro Azevedo. H.C.P.B.

(3) ... Sr. V. S. saberá corno Vasco Fernandes Coutinho veio ter a este Porto Seguro e foy sorgir junto da nao a Santa Cruz fazenda do Duque d' Aveiro que he deste Villa duas llegóas onde estava a nao de V. A. á carrega de brasili dizendo que se queria yr nella ao reyno estarya hy oyto dias ey hoffuy ver e lhe pedi e requery da parte de V. A. que não llevase huns omizios dos que ho ouvidor gerall prendeo nos Ilheus que ffoigião da cadeia... nenhum duvyda á ho.ffazer portanto ho ffaço a saber a vossa Alteza e crea. V. S. que já quando partyo do Reyno para este brazzil da primeira vez veio com este propósito e será boa testemunha Fernam Vyeles e elle a mim me cometeo... as ... Duarte de Lemos. H. C. P. B. - III Vol.

(4) Da carta de doação feita por V. F. Coutinho em 15 de julho de 1537.

(5) Antes de receber o nome de José Marcelino, chamou-se também Rua Grande.

(6) O rio figura com o nome de Roças-Velhas. Perto do Porto de Cariacica ainda há uma região assim conhecida.

(7) Duarte de Lemos em 1540 está em Lisboa junto com Vasco Fernandes.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, ano 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2015

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