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Em busca de uma resposta - Partido Comunista e as outras esquerdas

Prestes (O Cavalheiro da Esperança) e Fidel Castro- Fonte: Lablivre.org

Em busca de uma resposta

Embora o PCB fosse a principal força de esquerda no período anterior ao golpe, a esquerda não ficou limitada ao partido. Os comunistas tiveram muito trabalho para conquistar apoios às suas propostas ao mesmo tempo em que disputavam com a POLOP, o nacionalismo brizolista, o PCdoB (que levara parte de suas bases) e a AP a hegemonia no campo esquerdo. Quando João Goulart foi deposto, todos queriam saber por que o golpe não encontrara resistências. Se o dispositivo militar do presidente tinha falhado, onde estavam as massas, que pareciam ao lado da esquerda até então? Começou a busca pelo bode expiatório.

E foi aí que o PCB entrou em cena. Pouco antes do golpe, sua liderança frequentemente falava de um hipotético enfrentamento. Especulava sobre a possibilidade de a direita tomar o poder. Mas as vitórias de 1961 e 1963, além do amplo apoio que passou a ter durante o movimento pelas reformas, embaçaram a visão dos comunistas. Subestimaram a capacidade de o inimigo dar o primeiro passo. Consideravam poder vencê-lo facilmente. Falavam de um combate cada vez mais próximo, mas, na verdade, nunca se prepararam para ele.

Quando as tropas de Mourão chegaram ao Rio de Janeiro, a esquerda foi pega de surpresa. Naquele dia, Prestes chegou a manter 40 mil militantes do partido de sobreaviso. A resistência, porém, nunca se concretizou. Com o passar do tempo, consolidou-se uma versão segundo a qual o golpe teria sido possível, pelo lado da esquerda, graças ao imobilismo do PCB. O partido, ao esperar pelo presidente, teria impedido suas bases de resistirem à ofensiva militar, permitindo uma vitória tranquila dos insurgentes.

De fato, criou-se uma complexa e nem sempre compartilhada rede de confiança: o partido acreditava em seu Comitê Central; este, em Luís Carlos Prestes; o Cavaleiro da Esperança confiava em Jango. No final das contas, todos ficaram a reboque de João Goulart. E quando o presidente caiu, levou consigo o PCB. A esquerda, por tabela, foi desmantelada junto com o Partidão. A tese do reboquismo, contudo, embora seja parcialmente verdadeira, apagou o aspecto ofensivo que sempre cercou a trajetória pecebista — basta lembrarmos a Intentona de 1935. Lentamente, cristalizou-se a ideia de que o partido não compartilhava do emprego da violência revolucionária.

Entretanto, a inflexão democrática do PCB teve um sentido meramente estratégico. O partido não defendia a democracia como regime político, mas como caminho rumo ao socialismo. Para o PCB, a democracia burguesa não tinha nenhuma virtude em si mesma. Sua incorporação à linha política do partido, portanto, deve ser entendida como uma concessão meramente circunstancial. Enquanto serviu a seus interesses, o PCB defendeu a via democrática e pacífica para a revolução. Quando pensou ter força suficiente para dar o golpe, não hesitou em apoiá-lo.

É curioso notar que as diferentes avaliações sobre o caráter da revolução brasileira conservaram muitos pontos em comum, embora, à primeira vista, existissem profundas divergências entre elas. Mesmo para as organizações que defendiam a revolução socialista, numa só etapa, o latifúndio e o imperialismo continuavam a ser vistos como fatores inibidores do desenvolvimento capitalista. Após o golpe, quando sugiram várias dissidências com origem no PCB, o componente nacional e internacional manteve-se praticamente o mesmo. A burguesia, porém, tinha revelado sua verdadeira face. Ao apoiar o golpe, mostrara não ser mais possível inventar qualquer ilusão a seu respeito.

As dissidências que assumiram como objetivo principal a formação de um governo popular-revolucionário não conseguiram afastar-se da visão etapista do PCB. Havia, contudo, pequenas diferenças com o Partidão. Se para os comunistas ainda era preciso cumprir a etapa nacional-democrática, para seus críticos a fase burguesa estava encerrada. Afinal, a burguesia já era a classe no poder. Enquanto o PCB acreditava que o imperialismo e as relações feudais no campo bloqueavam o desenvolvimento capitalista, suas dissidências afirmavam que o capitalismo brasileiro estava articulado com os interesses estrangeiros e o atraso nas relações no campo.

Se não era mais possível opor a burguesia ao imperialismo e ao latifúndio, a fase intermediária da revolução tampouco desaparecia. Mas, em vez de burguesa ou nacional-democrática, sua primeira etapa seria popular-revolucionária. Era uma interpretação derivada da teoria da dependência, segundo a qual os países subdesenvolvidos não poderiam mais crescer dentro do sistema capitalista, cujas forças produtivas estariam estagnadas. Dessa forma, a manutenção do capitalismo só poderia ser garantida sob a força das baionetas. Em plena ditadura, a teoria da dependência logo ganhou muitos adeptos.

A interpretação da realidade brasileira era a seguinte: o país não conseguiria crescer sob o capitalismo, bloqueado pela articulação entre burguesia, latifúndio e imperialismo. Essa aliança, bem como a manutenção do sistema econômico, era patrocinada pela ditadura militar. Limitado, incapaz de incorporar as massas trabalhadoras, o capitalismo precisava ser subvertido. A destruição do aparelho burocrático-militar do Estado burguês-latifundiário tornava-se a principal tarefa da esquerda. O cenário já estava pronto. Faltava apenas forjar as condições subjetivas para a revolução. Daí para a deflagração da luta armada foi apenas um passo.

Da mesma forma, os grupos que, após o golpe, defenderam a revolução socialista como tarefa do presente não conseguiram ultrapassar o etapismo do PCB. O combate às teses pecebistas era uma referência comum para a esquerda radicalizada. Mas, ao contrário do que faziam crer, suas avaliações não rompiam com o esquema interpretativo do Partidão. A visão dos socialistas também comungava com os pressupostos da teoria da dependência. Na medida em que a burguesia estava articulada ao latifúndio e ao imperialismo, bloqueando o desenvolvimento das forças produtivas, era preciso combater a própria burguesia. A etapa burguesa ou nacional-democrática já estava cumprida. A revolução deveria ser necessariamente socialista.

Esboços frustrados

Em contraste com o período anterior, quando a esquerda brasileira se restringiu ao PCB e a pequenos agrupamentos críticos da linha comunista, o cenário aberto em 1964 ficou marcado por uma verdadeira confusão de siglas. Para o PCB, pior do que a deposição de João Goulart só mesmo a onda se divisões internas que se sucedeu ao golpe. As críticas (dentro e fora do partido) não eram desferidas apenas contra sua concepção revolucionária e a postura reboquista assumida no governo Jango. Criticava-se também a estrutura organizativa do PCB. A rígida hierarquia e a extrema burocratização do partido, envolvido em infindáveis discussões teóricas, sem nunca passar à prática, teriam sido responsáveis pela derrota em 1964. Embora fosse uma posição compartilhada pelas dissidências do partido, nem todas seguiram juntas em torno desse ponto.

Parte delas acreditava que a concepção marxista-leninista clássica de um partido revolucionário, responsável por conduzir a luta armada no campo e nas cidades, não deveria ser abandonada. Se era verdade que a estrutura organizativa do PCB tinha levado ao imobilismo, a importância do partido de vanguarda, por sua vez, não perdera sua validade. Foi natural, portanto, que tivessem se aproximado do maoísmo chinês. De acordo com essa teoria, o partido se sobrepunha à guerrilha; o fator político era mais importante que o componente militar.

De outro lado, algumas dissidências assumiram uma posição extremamente crítica à estruturação da vanguarda como partido. A luta armada exigiria grande agilidade, o que era inibido pelo modelo clássico de organização. Em vez de debates intermináveis, travados entre quatro paredes, longe da concretude do real, era preciso passar à ação. Ela seria a responsável por construir o partido, e não o contrário. Cuba novamente jogou um papel importante para consolidar essa posição. Para o foquismo cubano, diferente da perspectiva chinesa, a guerrilha predominava sobre o partido e o componente político subordinava-se ao fator militar. Ainda no início da ditadura, a base universitária do PCB se esfacelou por completo com a formação das chamadas dissidências estudantis. As principais, de onde sairiam muitos estudantes que alimentaram as organizações armadas nos anos seguintes, foram constituídas no Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O início da década de 1960 foi um período de intensa politização do movimento estudantil. Secundaristas ou universitários, muitos deles militaram nas organizações de esquerda (não só o PCB) que existiam antes do golpe. A luta pela reforma universitária, em especial, garantiu aos estudantes um lugar de destaque no movimento pelas reformas — período em que se envolveram com outros setores da sociedade.

Contudo, apesar das divisões na hoste pecebista, os primeiros esboços de luta armada não partiram dali, mas dos grupos que, antes de 1964, conseguiram atrair para suas propostas os militares de baixa patente. Esse foi o caso da POLOP e do nacionalismo brizolista. O golpe foi uma espécie de prenúncio da intensa repressão que recairia sobre os subalternos insurgentes. Praticamente todos foram presos, processados e expulsos das Forças Armadas. Afastados de suas funções, muitos acreditaram não haver outra saída a não ser entrar para a clandestinidade e desencadear a oposição armada.

Ainda no primeiro semestre de 1964, inspirados pelo foquismo cubano, líderes da POLOP no Rio de Janeiro tentaram iniciar a guerrilha rural em articulação com ex-militares. A ideia era instalar o foco revolucionário em Minas Gerais. As articulações entre polopistas e marinheiros estavam a pleno vapor quando a repressão surpreendeu a todos. Infiltrados entre os conspiradores, agentes do Centro de Informações da Marinha estouraram os apartamentos — chamados de aparelhos — onde aconteciam as reuniões, no episódio que ficou conhecido como guerrilha de Copacabana — bairro nobre do Rio de Janeiro onde se localizavam os aparelhos desmantelados. Uma impropriedade, é claro. Afinal, os guerrilheiros não conseguiram nem mesmo vencer os limites da Zona Sul carioca. Quanto mais chegar à zona rural mineira.

No ano seguinte, uma nova tentativa. Dessa vez, ligada ao movimento nacionalista de Brizola, que se exilara no Uruguai após o golpe. Do outro lado da fronteira já estavam o ex-presidente João Goulart e centenas de brasileiros — civis e militares — que tinham fugido da repressão. Jango, porém, nunca tomou parte da oposição armada à ditadura. Em 1966, chegou a participar da Frente Ampla, em conjunto com Carlos Lacerda e JK — ambos afastados do centro do poder pelos militares. Era uma tentativa de lutar pacificamente pela restauração do regime democrático no país.

Mas a Frente Ampla teve vida curta. Dois anos após seu lançamento, foi proibida de funcionar pelo Ministério da Justiça. Entre 1976 e 1977, num espaço de menos de um ano, seus principais signatários (Jango, Lacerda e Juscelino) morreram em circunstâncias que até hoje são motivos de controvérsia. Era a época da Operação Condor, aliança político-militar entre as ditaduras da América do Sul. Além da causa mortis dos três, a suspeita de que teriam sido eliminados a mando do governo brasileiro sempre ganhou fôlego — especialmente entre os familiares — em virtude da conjuntura sul-americana da época, marcada pela perseguição a opositores políticos.

No dia 23 de março de 1965, sob a liderança do coronel Jefferson Cardim, um destacamento formado por cerca de vinte homens armados, quase todos subalternos expulsos das Forças Armadas, tomou a pequena cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul. Após a leitura de um manifesto, transmitido pela rádio local, o grupo atravessou o estado de Santa Catarina até chegar ao Paraná. Os jornais da região logo começaram a publicar as primeiras notícias do levante.

Cardim e seus homens pensaram repetir a marcha de 1930, que levou Getúlio ao poder. Tinham esperanças de conquistar novos apoios ao longo da caminhada. Mas o ano era 1966, e o Brasil vivia sob uma ditadura. Poucos dias após saírem de Três Passos, os ex-militares travaram seu primeiro e único combate com o Exército, no município de Capitão Leônidas Marques, oeste do Paraná. O nome da cidade, alterado dois anos antes, era uma homenagem a Leônidas Marques dos Santos, morto em combate quanto lutava ao lado das forças legalistas contra a Coluna Prestes, na década de 1920.

Por ironia, foi justamente ali, no município que levava seu nome, que a Coluna Cardim acabou sendo derrotada. Até então, oficiais das Forças Armadas sempre tinham sido poupados da tortura. Mas naquele ano, quando o Exército dispersou a tropa dirigida por Cardim, alguns combatentes foram levados presos e submetidos a intensas sevícias por parte de antigos colegas oficiais. Era um sinal dos tempos. Se nas sublevações anteriores os militares passaram ao largo dos castigos físicos, a situação havia mudado. O código de ética já não era o mesmo.

A derrota, porém, não enterrou o projeto guerrilheiro dos nacionalistas e dos ex-subalternos. Em 1966, partidários de Brizola no Brasil se articularam aos exilados no Uruguai para formar o Momento Nacionalista Revolucionário (MNR). À organização se juntaram ainda vários sargentos, cabos e marinheiros afastados de suas funções pela ditadura. Inicialmente, o MNR planejou lançar cinco frentes de combate, numa estratégia oposta à ideia cubana do foco guerrilheiro: uma na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, na Serra do Caparaó; outra no Rio de Janeiro, na Serra do Mar; e as demais no Mato Grosso, Maranhão e Santa Catarina, na divisa com o Rio Grande do Sul.

As particularidades do MNR não impediram que o governo cubano apoiasse o movimento capitaneado por Brizola. Após o fracasso das Ligas Camponesas, Cuba passou a buscar novos parceiros para sua revolução continental. Foi então que surgiu o nome do ex-governador gaúcho. A ajuda cubana consistiu no apoio financeiro e logístico. Por intermédio de sua embaixada em Montevidéu, Cuba enviava alguns poucos recursos em dinheiro para a estruturação da guerrilha. Ao mesmo tempo, integrantes do MNR seguiam para a ilha, onde cursavam o mítico treinamento guerrilheiro. Em cinco meses, sob uma precária estrutura, os alunos tinham noções gerais de armamentos, explosivos e geografia.

As dificuldades para organizar o foco revolucionário e as sucessivas prisões de guerrilheiros frustraram os objetivo do MRN, que ficou limitado à Serra do Caparaó, onde o cenário parecia menos adverso. Em novembro de 1966, 14 guerrilheiros chegaram à região, instalando-se numa área cedida pela POLOP. Cinco deles tinham treinado em Cuba. O comando político do grupo ficou a cargo do professor Bayard Boiteux, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o MNR estabeleceu alguns contatos com militares expulsos das Forças Armadas — entre eles, o ex-sargento Onofre Pinto. Durante cinco meses, os guerrilheiros ficaram completamente isolados no Caparaó. O plano do MNR previa a realização de treinamentos antes de desencadear a guerrilha.

Mas a ordem para iniciar a luta nunca chegava. Quando necessitavam de algum mantimento ou precisavam contatar o comando político, apenas um integrante do grupo descia a serra. Aos poucos, os emissários começaram a ser presos. Até que, no início de 1967, a polícia mineira descobriu o grupo. No dia 31 de março, os guerrilheiros desceram a serra, presos, sem nem ao menos dar um tiro. Chamado a ajudar, o Exército também prendeu alguns combatentes que, desavisados, permaneciam na região.

A denúncia do comando político levou os militares até Boiteux, preso logo em seguida. Em agosto, um policial infiltrado no núcleo do MNR em Uberlândia ajudou a desestruturar a organização na cidade. Não fosse por seu braço em São Paulo, o MNR praticamente teria desaparecido com o desmantelamento da guerrilha do Caparaó, como passou a ser chamada. A terceira ofensiva revolucionária caiu sem travar seu primeiro combate. Quanto Cuba, mais uma vez o projeto de exportar a revolução foi abortado prematuramente. A busca por aliados continuou nos anos seguintes. E, diferente dos anteriores, seus novos parceiros não ficariam apenas no ensaio.

 

Sobre o autor

Vitor Amorim de Angelo nasceu em Vitória (ES) em 1982. É historiador formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente, é pesquisador do Centre d’Histoire do Institut d’Études Politiques de Paris, onde desenvolve trabalho sobre o tema deste livro. Autor de A Trajetória da Democracia Socialista: da fundação ao PT (EdUFSCar, 2008).

 

Fonte: Luta Armada no Brasil, 2009
Autor: Vitor Amorim de Angelo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2018

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