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Em Linhares - D. Pedro II

Dom Pedro II em 1880, vinte anos após ter vindo ao ES

Na manhã do dia seguinte, sábado, 5 de fevereiro, D. Pedro II visitou a igreja católica, edificada por Francisco Ravara, concluída em setembro de 1858, situada num dos extremos da grande praça de Linhares. Nessa mesma praça, no local onde o governador Rubim fizera lançar os esteios do primeiro templo, a 13 de setembro de 1817, e do qual já não havia vestígios, o benemérito Rafael Pereira de Carvalho tentara erigir, às expensas próprias, em 1852, outra igreja de pedra e cal, obra de Santa Engrácia, pois, vinte e seis anos após a visita imperial, ela estava ainda por terminar.

S. M. escreveu:

A igreja do Rafael [Pereira] de Carvalho está em princípio no lugar onde houve outra com duas torres e bonita feita pelo Rubim. Enterrava-se aí perto tendo o bispo José Caetano benzido todo o terreno da vila.

Houve também outro quartel e olaria do Estado. Agora tem uma perto no seu sítio o Anselmo Calmon.

Se a igreja que o abastado e benemérito cidadão da vila levantara às suas expensas oferecia comodidades, a paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Linhares do Rio Doce não estava bem servida de vigário, e é o próprio imperador quem o afirma:

A igreja é pequena mas coberta de telha; ouvi missa a que ajudou o Carlos José Nogueira da Gama que cantou sofrivelmente o Tantum ergo ao levantar da hóstia. Custou a aparecer o vinho e o vigário encomendado frade carmelita parece que tão estúpido como bugre não tem saído de casa por doente ou receio de não saber o que faz, e foi frei Búbio que disse a missa.

O reverendo capuchinho frei Bento de Búbio era o encarregado da catequese das tribos errantes pelas margens do rio Doce, cargo de aprovação recente.

Depois de examinar a igreja, para cuja aquisição de paramentos pretos, pia batismal, conserto de um dos sinos e pintura do altar contribuiu com trezentos mil réis, e também o local do cemitério, destinando para a melhoria deste quinhentos mil réis, S. M. vistoriou o quartel:

O quartel é pequeno de telhas, e o xadrez pouco seguro tem tronco.

Foi, após, visitar a escola de primeiras letras, que o professor regia gratuitamente, mas aos seus esforços não corresponderia nem a eficiência:

Aula de meninos de José Maria Nogueira da Gama. – 19 matriculados – 10 a 12 de freqüência. Letra do professor má. 1º lê mal, nada de gramática, não pôde dividir. Há 4 para 5 anos. 2º lê pior; diminui somente; gramática nada. Há 6 para 7 anos. O substituto da escola parece saber mais do que o professor.

Sabem as rezas um bem e pouca doutrina propriamente. O professor que parece mau ocupa-se mais com isso do que outros de lugares importantes. Não é boa a letra dos meninos.

Ainda na parte da manhã foi o imperador recebido, em solene reunião no Conselho Municipal da vila, pelo corpo completo da vereança: Carlos Augusto Nogueira da Gama; Francisco de Paula Calmon Nogueira da Gama; João Felipe de Almeida Calmon; Antônio José de Morais Chaves e João José Marçal.

D. Pedro observou:

Casa da Câmara pequena. Com o arquivo havia os remédios homeopáticos aplicados pelos dois Nogueiras da Gama. O Carlos já estava pronto para cantar Te Deum com o Frei Búbio; o discurso que ele fez em nome da Câmara é curioso.

A continuação do diário focaliza bem o interesse de S. M. pelos silvícolas, de cuja língua ele se fez um erudito:

O chefe dos índios chamava-se [Kneknám] de 30 anos talvez; não quer dizer nada esse nome como muitos dos deles. Tem ar muito sério. Os índios que se apresentaram são mutuns menos 2 do Sul, um deles rapazinho excelente atirador. Falam muito riem e querem sempre comer. Os do Sul são em geral mais bonitos, havendo 2 índias de olhos azuis muito belas e claras e de cabelo ruivo, uma delas mulher do capitão Francisco.

Não quiseram vir com medo por causa do tiro dado num em Cuieté! Os índios mostraram sentir muito calor mesmo dentro de casa, se não era preguiça porque ele está muito suportável. Um velho deitou-se debaixo do canapé onde eu estou assentado.

Dançam em círculo passando os braços por cima dos pescoços dos vizinhos com diversas cantigas em toadas mais ou menos monótonas que um começa; não têm instrumentos de música.

Festejam assim diversos sucessos, sobretudo caçadas, cujas peripécias referem nas cantigas; os Puris também dançam em círculo. Os meninos dançam à parte. – Os índios assobiam muito –

Uma mulher dançava com o filho nas costas o qual suspendem pelas nádegas por uma embira que prende na cabeça.

Algumas das toadas não me desagradaram e soltam às vezes seu grito ou assobio. As mulheres quando nuas dão um jeito às coxas que cobrem inteiramente as partes genitais, segundo me disse o Rafael Pereira de Carvalho.

A rapariga tinha os mamilos demasiadamente grossos. Havia um velho chamado Nahém muito rabugento. Hén é o bicho do caramujo.

Os homens têm apenas buço mais ou menos longo. Ficaram muito contentes com os chapéus, e fumo, sobretudo, com o qual bebendo água passam três dias sem comer, que se lhes distribuíram de minha parte e em minha presença.

Aliás, S. M. distribuiu, também, de esmolas, aos pobres da vila, a quantia de trezentos mil réis.

Os índios atiraram flechas e a maior parte atravessaram um toro de bananeira; por elevação não fazem grande cousa, não [firmavam] o arco no chão entre os dedos do pé.

Juparanã não sabem o que quer dizer, e Júm é pular n’água. Segundo Saint-Hilaire na língua geral Jú = espinho.

O jantar saiu cedo, por causa do passeio de canoa rio acima, até a boca da lagoa Juparanã-mirim.

Ventou bastante antes do meio dia, e o local é bem ventilado. Ventou também bastante de tarde. Depois do jantar apareceu-me o vigário com ares de múmia e soube que se chama João Antônio Calmon sobrinho do Anselmo e filho do finado major Lisboa de Vitória com quem foi casada a irmã do Anselmo hoje viúva.

D. Pedro tomou a mesma grande canoa escavada em um toro de vinhático, a Nova Emília, impulsionada por competentes remadores.

Tarde.

4 e 20 partimos. O rio está enchendo e a água barrenta. Duas varas fincadas no fundo do rio para segurar linhas de pescar cações, chamam-se linhas de espera. Ilha das Preás na margem direita.

O panorama que se divisa em sentido oposto, isto é, olhando da praça (para o lado do sul), provocou esta expressão de S. M.: “Nenhum mais belo!...”

O diário continua:

Boqueirão na margem esquerda que passa por detrás da ilha do Barão Itapemirim a quem a deu o Anselmo. Entramos no boqueirão; ilha do Pinto; a margem de terra firme tem belas árvores; entramos por entre a ilha do Pinto e terra firme.

O popeiro disse-me que o iate de ferro do França Leite subiu até [Fransilvânia] três vezes, gastando da 1ª vez 1 mês e 5, e da 2ª 8 dias conduziu o que poderia levar por menos dinheiro numa canoa.

Ao sair do canal entre a ilha do Barão de Itapemirim, que não é pequena e terra firme passamos ao lado esquerdo da ilha do [Gato] distante; à esquerda ilha do Rato, e à direita ilha dos Patos, pequenas e distantes entre si; ilha do Armonde à direita, cumprida; custou 8$000; o rio é muito largo.

Levando a espingarda sempre ao alcance da mão, S. M. aproveitou a chance de experimentar mais uma vez a sua pontaria:

Matei duas pombas do ar, na ilha do Rato, onde aparecem muitas; são as juritis do Rio.

Ilha do Cipó comprida e longe à esquerda.

O alqueire de farinha de mandioca custa agora, segundo o Monteiro popeiro, 7 patacas e no tempo do Saint-Hilaire 2.

Perto de Juparanã-mirim. Boca da lagoa de Juparanã-mirim até onde chegamos às 7 h. Voltando pelo mesmo lado por causa do vento chegamos a Linhares às 8 ¼.

Em quase todas as casas há violas [ou] guitarras.

No passeio da tarde não vi nenhuma casa à exceção da fazenda do Anselmo na margem direita ao longe; casa de vivenda e senzalas; chama-se Boa União. A do pai chamada Bom Jardim estava defronte da ilha do Gato e acha-se hoje em capoeira.

À noite, S. M. recolheu-se cedo, pois madrugadinha do dia seguinte, segunda-feira, ele despediu-se de Linhares, descendo o rio Doce de canoa até a barra onde passou para o Apa, rumando direito à Vitória, lá chegando ao entardecer do mesmo dia.

Transcrevo a parte do diário referente a esse percurso:

6.

4 e 10 larga a canoa. Ilha do Alexandre à direita grande, ilha do Guarda-mor grande à direita; ilha do Sal pequena à direita; ilha Comprida à esquerda; bando de japus espécie de guaxe, com as penas da cauda amarelas e catinguentas como guaxe; outro bando de japus; outro ainda maior de japus numerosíssimo. Ilha do Campinho à direita.

Ouço que há uma picada do Quartel d’Aguiar até Piraquê-açu; mas com muitos morros, e que consta haver pelo S. José acima uma lagoa maior que a de Juparanã, e que por meio dessas e outras lagoas se comunica o rio Doce com o S. Mateus.

Ilha do Veado à direita, esta e a do Campinho são muito pequenas.

3 ilhas do Sul e 3 ilhas do Norte, pequenas; deixamo-las à direita, diz o popeiro que é metade do caminho; 6 e 18. Bando de periquitos. Ilha do Coimbra pequena e outra menor sem nome à direita. Ilha do Domingos de Sousa à esquerda – do Barbado maior e quatro dos Carapuças muito pequenas todas à esquerda – das Frecheiras à esquerda não pequena, e do Jacarandá à direita, grande.

A casa da companhia inglesa entre Linhares e a fazenda do Alexandre Calmon queimou-se.

Por contrato de concessão para a navegação do rio Doce, o oficial de marinha Francisco José Sturz promoveu a organização de uma companhia de capitais mistos, nacionais e ingleses, a qual montou serrarias, estabeleceu alguns colonos e em 1841 sulcava o rio com um pequeno vapor cujos destroços ainda existiam, encalhados no rio.

Sigo a transcrição do diário do imperador:

– Ilha dos Cachorros grande à esquerda; passamos bem perto da margem direita pelo sítio do Tomás com bananeiras; o dono é cunhado do popeiro Monteiro. Outro sítio do mesmo lado do José da Penha pequena choupana. Ilha do Branquinho à esquerda, não pequena, encostamos muito a ela. Povoação dos índios com choupanas; na margem esquerda por muito perto da qual passamos 8 ¾.

Chegamos ao Pirajá às 8 e 48 m.

O Pirajá gastou 1 h e 5 m da barra até o ponto, onde está; encostou 2 vezes e encalhou durante 24 h, safando ontem às 3 h da tarde. Depois de 5 h de encalhado já se tinha formado um banco de areia a sotavento do navio, e encostado a este, a ONO; o vapor tinha atravessado um pouco.

O almirante gastou de lugar onde está o Pirajá até Linhares ontem no escaler com oito remos e vela 16 ½ horas, encalhando mais de 12 vezes, partindo às 3 ¾ da tarde de [antes de] ontem e chegando a Linhares às 8 ¼ da manhã de ontem. Na volta gastou 4 h entre os mesmos pontos.

Começa o terreno a ser um pouco arenoso. Ilha do João Ferreira pequena à direita.

Larga o Pirajá às 9 e 10.

9 h 38 já se vê bem a barra da Concha, [pruma] 1 ½ braça. Para o Sul além da sobredita barra há um navio metido na areia da praia. Casas ao longe [na] restinga do Barcelos margem esquerda onde mora o patrão-mor que me consta não ter os aprestos necessários para a praticagem da barra. Ilha da Regência à esquerda, pequena. À direita Regência com algumas casas de palha sendo a melhor a do James que foi maquinista do vapor Rio Doce e casou. Brasileiro estando viúvo com 4 filhos; vive de caça e pescaria pouco planta; foz do insignificante rio Preto. A barra do Rio Doce está muito mansa; o Pirajá achou ao entrar duas braças de fundo, em meia enchente.

Parou o Pirajá às 10 h, e vou almoçar. 10 e 20 escaler e 36 m desembarque na praia da Concha; 10 ¾ embarque para o Apa.

O navio encalhado de que já falei era o S. José Triunfante. Na praia da Concha está encalhado o patacho Formosa.

Desembarcamos na praia da Concha perto do escoadouro que tem dois canais separados pelo baixo dos Passarinhos.

Espadarte de serra, que pescaram numa das lagoas perto da Regência; [é] parece o cação de espadarte.

Avista-se o Mestre Álvaro ao SO. O mar está muito manso venta e tem ventado de N a NE.

Apa 11 menos 5 [está fundeado] em oito braças por dentro do cordão do S. Aproamos para a Vitória às 12 h e 25 m.

5 h e 5 m barra da Vitória. 5 e 40, Vitória.

 

Fonte: Viagem de Pedro II ao Espírito Santo, Vitória, 2008.
Autor: Levy Rocha
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2011

 

 

LINKS RELACIONADOS:

>>  D. Pedro II em Linhares
>> Colher de prata que D.Pedro II lançou na Lagoa Juparanã em 1860
>>  Viagem de D.Pedro II por Linhares – Lagoa Juparanã e ilha do Almoço

 

História do ES

Guarapari em 1862

Guarapari em 1862

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