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Expulsão dos Jesuítas - Por Heribaldo Balestrero

Igreja de São Tiago que veio a ser o Palácio Anchieta ou Palácio do Governo

No Espírito Santo, o acontecimento teve lugar a 22 de janeiro de 1760 (data do embarque), tendo em vista a lei de 03 de setembro do ano anterior, do marquês de Pombal, decretando a medida para Portugal e colônias. A diligência foi feita pelo desembargador da relação do Rio de Janeiro, Dr. José Pedro de Souza Bandeira Fer­raz, que veio no vapor Librunia, chegando a Vitória a 04 de dezembro de 1859, acompanhado de soldados granadeiros que logo cercaram o Palácio, prendendo os sacerdotes.

Antes do embarque, publicou-se o bando "ao som de tambores, contra os mesmos jesuítas, como falsários à coroa". (Cezar Marques, Dicionário Histórico e Geográ­fico da Província do Espírito Santo, p. 169).

Eram ao todo 17 padres, dos quais dois residentes em Araçatiba, incluindo os de Muribeca, Itapoca, bem como os que residiam nas missões de Nova Almeida, Be­nevente e nas Aldeias, os quais só chegaram depois.

Refere Basílio Daemon que em 1796 voltaram a Araçatiba dois antigos padres jesuítas do Colégio de Vi­tória, fato que teria ocorrido com surpresa e espanto para os parentes e fiéis. Parece verdadeira esta notícia, porque em 1788 havia ainda jesuítas espírito-santenses exilados na Itália, depois da supressão da Ordem pelo papa Cle­mente XIV.

Estivados no porão do navio que os conduziu, fo­ram encaminhados para a Corte, como escravos, "não concedendo o capitão, quando sofriam a mais dolorosa sede, nem aos moribundos, uma gota de água com que umedecessem os lábios e recusando-lhes até a conso­lação de receber o sacramento na hora da morte". Foi a maior injustiça já praticada pelos homens contra seus semelhantes.(1)

A destruição da Companhia acarretou sérias ruínas para o Brasil e logo depois começaram a decair as suas aldeias de índios, até então florescentes.

Esse processo de civilização pelos aldeamentos je­suíticos, que tão veloz e esperançoso marchava, parou de repente e para sempre, principiando uma rápida des­povoação, não só por dar-se campo livre à embriaguês como também por fugirem para o deserto muitos índios, vendo seu estado de sujeição filial trocado por uma ser­vidão dura, sem nada que santificasse ou abrandasse. (Claudio Maria Thomas, História do Brasil, p. 257 Cole­ção F.T.D.) (2).

No Brasil, a ordem de Pombal foi executada rigoro­samente em todas as Capitanias, principalmente no Pará, onde a crueldade foi inominável, saindo cerca de 600 inacianos daquela Capitania, de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Os Colégios foram fechados, como tam­bém as escolas, sendo criadas em seus lugares as cha­madas escolas régias. As aldeias foram abandonadas, por falta de administração, tendo o governo criado para dirigi-las o Diretório dos Índios, como sistema oficial de regulamento dos aldeamentos, mas nenhum proveito ti­veram, desaparecendo em seguida.

Não satisfeito com o que já tinha feito, Pombal con­tinuou a sua obra destruidora, até que, em 1773, conse­guiu do mesmo papa Clemente XIV a extinção da Com­panhia de Jesus também na Espanha, coadjuvado pelo rei Carios III. Foi restabelecida por Pio VII em 1814.

 

ALGUNS COMENTÁRIOS :  As antigas instalações ina­cianas auxiliaram sobremodo à catequese trazendo para o seio da civilização dezenas de milhares de selvagens que, no Espírito Santo, pertenciam à grande nação dos Aimorés, formando os dois ramos principais, por sua vez divididos em várias tribos: a dos Purís, que habitavam o sul do estado, audazes e ferozes, e os Botocudos, que viviam do centro para o norte, espalhando-se até o sul da Bahia.(3)

Sempre que eram enfrentados pelos civilizados ou mesmo surpreendidos pacificamente, esses índios mos­travam-se hostis e terrivelmente perigosos. Por várias ve­zes passaram à agressividade, contra as populações mais próximas, tanto no sul, onde certa vez destruíram da ma­neira mais cruel uma aldeia de exploração de ouro, nas Minas de Castelo, em 1771, da qual nada restou, como no norte, onde a luta contra eles, para a civilização dos vales do rio Doce e do rio São Mateus, foi das mais fero­zes e encarniçadas, além de desumana.(4)

 O temor que eles infligiam aos civilizados levava-os às vezes a gestos de crueldade inominável, como aquele que nos conta o príncipe Maximiliano (Viagem ao Bra­sil - p. 168) de um sitiante que tendo perdido todas as suas plantações pilhadas pelos Botocudos, carregou um canhão velho que possuía na fazenda e colocou na trilha por onde os índios passavam. Estes apanhados de surpre­sa passaram pela picada estreita pisando na armadilha que o sitiante tinha deixado sobre a trilha e ligada ao gatilho do canhão, por meio de um cordão. Ouviu-se um estampido tremendo e momentos depois, espalhados pe­los ermos sombrios da floresta imensa, pedaços esparsos de corpos mutilados, enquanto outros jaziam espatifados ao lado da armadilha.

O ódio gerava o ódio e o desejo de vingança entre os brutos e os civilizados, enquanto nenhuma providên­cia adequada aparecia, senão a caridade dos missioná­rios, sempre que lhes era permitido aplicá-la.(5)

Das inúmeras aldeias indígenas fundadas pelos je­suítas, apenas sobre algumas me alonguei em destaque, não esquecendo as de Nova Almeida ao norte, e as de Guarapari e Reritiba ao sul, sem dúvida alguma, as que melhor papel desempenharam na história da nossa ca­tequese, como pontos de convergência e divergência de todo o trabalho desenvolvido, sob a orientação do Co­légio de Vitória, no sentido de integração nacional entre brasileiros bárbaros e civilizados, fazendo em torno de algumas, apenas ligeiras referências.

A Aldeia Velha ou de Santa Cruz (é justo que relem­bremos mais uma vez) tornou-se um redil de pastoreio religioso sob a direção do padre Brás Lourenço, ajudado pelo padre Diogo Jacome, este último pelos serviços hu­manitários que prestou a sua população, por ocasião da terrível epidemia que ali grassou, dizimando quase toda a sua gente.(6)

A ocorrência do Cricaré, na célebre batalha em que perdeu a vida Fernão de Sá, filho do governador Mem de Sá, ajudando a Vasco Coutinho contra os índios que se tinham unido para massacrá-lo, foi uma consequente da influência catequética, principalmente quando Bernardo Sanches de La Pimenta, no governo eventual da Capitania, nos anos de 1553 e 1555, pôs em evidência os seus dotes de abnegação em favor da tranquilidade da donataria, então ameaçada pelos mais tristes presságios.

Tal situação levou até os moradores de Vitória a reu­nirem-se na pequena igreja que servia de matriz da vila e invocarem a proteção da Santíssima Virgem, imploran­do-lhe misericórdia para os colonos, datando desse tem­po, segundo alguns cronistas, as primeiras providências, tendentes a transformar a antiga matriz de Vitória numa igreja de maiores dimensões.

Alguns historiadores informam ter sido esse primi­tivo templo reedificado, dando origem à atual catedral que se apresenta aos nossos olhos como um lindo cartão de visita da nossa capital.

NOTAS DO AUTOR

1 - Era reitor do Colégio de Vitória o padre Silvério Pinheiro, que reuniu os seus irmãos espalhados pelas aldeias e residências.

"Levaram como bagagem capa e crucifixo. O povo em lágrimas assistiu ao embarque no cais de Santo Inácio. Iam os missionários, humilhados pelo governo ao qual serviram por duzentos anos, na conquista da terra, na catequese e pacificação dos índios e na defesa do solo contra estrangeiros. (Derenzi - Biografia de uma Ilha - p. 109)

 2 - O exemplo dos jesuítas no Brasil foi seguido por um francês, GuidoTomás Marlière, cognominado "O Apóstolo do Rio Doce", pelo trabalho que realizou naquela região, incluindo a Zona da Mata, em Minas, antecipando-se ao general Rondon nesse apostolado leigo de indianismo, conquistando pacificamente os índios Botocudos, Coroados, Coropós e Purís. Costumava dizer que o índio só se conquistava com amor e lealdade.

Hoje, um nome esquecido no Brasil, onde devia ser considerado um herói digno de ser conhecido pela juventude atual, em Portugal e na França, sua terra de origem, onde os grandes homens são sempre cultuados pela História.

3 - A professara Stella de Novaes informa ter o padre Brás Lourenço fundado a aldeia de Conceição da Serra com os índios Tupiniquins que a maioria dos autores dá como nativos de Porto Seguro. Como os Temiminós, que foram trazidos pelo índio Maracaiaguaçú (Gato Grande) do Rio de Janeiro, ajudado por Araribóia, o mesmo parece ter ocorrido com os Papanases que a mesma autora revela terem sido encontrados na fazenda Araçatiba.

Depois os Temiminós voltaram a reconquistar o Rio de Janeiro dos franceses, com Mem de Sá em 1565, levados por Araribóla.

4 - Alguns estudiosos da história admiram-se de não constar nos seus registros tenham os jesuítas incursionados pelos sertões marginais do rio Santa Maria. Mas isto aconteceu, porque os índios que aí viviam não deram tréguas aos sertanistas inacianos, amedrontando-os com violentas refregas contra as fazendas situadas nessas regiões, matando os lavradores e levando a sua fúria sanguinária até as portas da então Vila de Vitória.

5 - o jesuíta Antônio Dias, que de Reritiba saíra para o interior à buscar índios para a catequese, negou-se em 1594 a entrar em negociações com os portugueses, para entregá-los como escravos. Com este gesto, evitou depreciar a virtude da sua missão catequista. - A aldeia de Santa Cruz desenvolveu-se e veio depois tornar-se município pela lei n° 02 de 03 de abril de 1848, depois de ter sida freguesia por ato de 16 de dezembro de 1837, desmembrado do então município de Nova Almeida. Situada à margem do majestoso Piraquê-Açu, frente ao seu belíssimo estuário, possuía um distrito denominado Riacho, antigo Quartel Militar.

Quando D. Pedro II passou por estes lugares, rumo a Linhares, em 1860, depois de ter pernoitado no convento de Nova Almeida, na noite de 01 para 02 de fevereiro daquele ano, seguiu viagem, visitando Santa Cruz e depois Barra do Riacho, pernoitando no casario da fazenda do coronel Mattos, que ainda existe, do qual obtive uma estampa do seu estado atual, que ilustra este trabalho.

Riacho foi depois município, de 1890 a 1930, quando foi supri-mido pela Revolução de 1930, que o anexou ao velho município de Santa Cruz, hoje sediado na cidade de Aracruz, passando Santa Cruz a simples distrito.

 

Fonte: A Obra dos Jesuítas no Espírito Santo
Autor: Heribaldo L. Balestrero
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2014

Religiosos do ES

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