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Extinta Praia da Glória em Vila Velha

Praia da Glória

Qual a origem do nome dessa praia tão pequena e tão escondida?

A Praia da Glória nos aponta evidências reveladoras de fatos ocorridos desde os primórdios da nossa história. Coisas que aconteceram no tempo dos jesuítas ou mesmo antes. E, até a milhares de anos! Não tenho dúvida ser uma questão complicada porque, até hoje, não li nada relacionado com esse diminuto marco geográfico.

Explicarei, também repetidamente, sobre relatos e lendas, até sedimentar o termo “Glória” advindo do nome da caravela de Vasco Fernandes Coutinho. Onde será que Vasco Coutinho a guardou durante longos anos?

Narrativa I – Até a metade do século vinte, existia uma pequena praia interior, entre o morro Jaburuna e a Pedra d’Água, relativamente perto da foz do Aribiri, que sempre imaginei ter sido habitada por nativos remotos... Essa pequenina praia foi aterrada para ser ocupada pelos lotes das residências que marcaram o surto rápido do incremento demográfico de Vila Velha no começo do século vinte. Tem na sua frente a ilha das Cobras, que embeleza esta margem do Canal. Mais adiante, na margem oposta, na fralda da Ilha de Vitória, estão; a Ilha da Fumaça, a Praia do Suá e a região de Bento ferreira, que também, foram aterradas para dar lugar ao “Novo Arrabalde”, obra de dragagem e urbanização que proporcionou a expansão e modernização da capital Vitória. Nesta região de Vila Velha foi construído o abrigo destinado à quarentena dos imigrantes, depois reformado e preparado para ser a nova Penitenciária do estado, e assim ficou durante anos. Esse presídio ficou sendo a obra que contribuiu para a ocupação de grande parte da área do bairro ainda sem nome, no fim do século dezenove.

A respeito dos lugares próximos, já lemos ou ouvimos notícias sobre as dificuldades de locomoção de viajantes ao longo do nosso litoral. Não era fácil transpor rios, manguezais, terrenos alagadiços e mata de restinga cheia de insetos. Ao viajante que vinha do norte ou do sul, só tinha duas escolhas; fazer o percurso de barco ou pelas praias, a pé. Como seria, por exemplo, passar de Vila Velha para a Ilha de Vitória, e novamente para o continente? Isto é, transpor o canal da baía de Vitória nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX? Não era pela Prainha porque, em Vila Velha só tinha a vila original, decadente. A história nos conta que: desde 1550, quando o primeiro donatário, por medida de segurança, se transferiu para a Ilha de Santo Antônio. Vila Velha viveu pouco mais de três séculos abandonada e se transformou numa vila de mestiços, pescadores onde não tinha nada, onde não acontecia nada!

Veja o que diz o maior historiador franciscano, Frei Basílio Rower em “O Convento da Penha do Espírito Santo”, p. 28.

“Parece que só acontecia a Festa da Penha, uma vez por ano. Continuavam também as romarias da parte do povo em geral e, em particular, dos navegantes a pedir ou agradecer a Nossa Senhora boa viagem”.

Esses navegantes vinham de Campos, Vitória e adjacências e do interior do Estado. Nada mais foi registrado em Vila Velha nos primeiros anos da colonização. Até mesmo a caravela Glória, o Capitão Vasco a guardou na pequenina praia localizada atrás do morro Jaburuna.

Foi com ela que aquele recanto passou a ser conhecido porque ali o Capitão trabalhou nos serviços de reparo e de manutenção da sua nau. Ali surgiram alguns mestiços para ajudá-lo e, por coincidência, dali para a Ilha de Vitória era um pulo. Porque é a parte mais estreita do canal. São poucas, mas importantes vantagens para quem está viajando a pé ou em cima de um burro. Naturalmente, este ficou sendo o melhor caminho da travessia do continente para a Ilha e desta para o continente.

Foi assim, que surgiu o nome dessa pequenina praia, pois quem, por ali passava se referia ao local dizendo ter ido à Glória, mas referindo-se à caravela do Capitão. Naquele recanto ela se desmanchou em conseqüência do desuso, onde jaz submersa. A partir de então a pequenina praia incorporou seu nome “Praia da Glória”, nome que se estendeu ao pequeno núcleo de casas dos primeiros moradores e barqueiros que ajudavam na travessia.

Narrativa II – Muito tempo depois, no fim do século XIX, pouco adiante dessas casas, o Governo estadual construiu uma grande fábrica de materiais destinados à construção civil, que utilizava sílico-calcáreos e argila, cujo endereço era simplesmente: “Fábrica do Estado” – Vila Velha... e só!

Naturalmente, ao seu lado aparecerem, lentamente, as primeiras casas dos operários próximas daquelas dos funcionários e militares que trabalhavam no novo presídio estadual. Por muitos anos a região foi sendo conhecida por “Fábrica”. O que mais se sabe além dessa fábrica? Este autor ou qualquer contemporâneo pode dizer que: por volta de 1929, a fábrica de materiais do estado encerrou sua atividades quando então prevaleceu o gosto dos residentes que preferiram dizer “- moramos na Glória”. Sabemos ainda que, ajudado pelo vila-velhense Eugenio Pacheco Queiroz, homem de fácil trânsito no Palácio Anchieta, a antiga fábrica do estado foi ocupada pela nascente indústria de balas de Henrich Meyerfreund que já funcionava num velho galpão existente na Prainha e que depois da mudança se transformara na “Chocolates Garoto S.A.” Isso aconteceu no alvorecer do século vinte.

 

Narrativa III – Através do Padre José de Anchieta, podemos passar a limpo outras notícias e/ou lendas? Quando cumpria seu apostolado na Província do Espírito Santo, por várias vezes Anchieta viajou a pé pelo litoral desde Reritiba até Vitória, onde a Missão Inaciana construía a Igreja de São Tiago, casa e colégio dos jesuítas, hoje Palácio Anchieta. Nesse trajeto obviamente, passava por Vila Velha, onde parava para se alimentar, descansar e rever amigos (mestiços do lugar). Dizem, que nesta parada davam-lhe “água boa de beber” que traziam do lugar conhecido por “apicum do poço”, na linguagem dos nativos, além de frutas e comida preparada na casa dos amigos. Esse poço, com água boa de beber, ficava no lugar que mais tarde pertenceu à família de Astrogildo e Francelina Setúbal, cujo filho José de Anchieta de Setúbal, registrou no seu livro “Ecos de Vila Velha”.

Para prosseguir a caminhada, podia o Padre Anchieta tomar dois rumos de acordo com seu desejo; ir ao encontro do donatário ou do Frei Pedro Palácios, em Vila Velha (Prainha), ou seguir para o Colégio dos Jesuítas em Vitória, rumando na direção da pequenina praia no pé do morro Jaburuna, frequentemente, usado pelo Padre José de Anchieta e viajantes.

Observação: será que o leitor já ouviu falar de uma região denominada “Cruz do Campo”?

Narrativa IV – Pode ser considerada continuação da narrativa anterior. Até agora, parece tratar-se de uma tradição passada de pai para filho, que conta o seguinte: o lugar de Vila Velha onde o beato costumava parar ficou conhecido como “Cruz do Campo”, porque, quando faleceu em Reritiba, seu corpo foi carregado a pé desde Reritiba até Vitória para ser sepultado no interior da Igreja de São Tiago, uma tradição trazida da Europa. Nessa derradeira parada recebeu as homenagens dos amigos canelas-verdes que ergueram na região onde ele parava, uma grande e rústica cruz de madeira, com cepos colhidos na mata adjacente. Consta que essa cruz foi conservada e reerguida por anos, fato que deu origem ao nome “Cruz do Campo” àquela região. Lenda? Claro que não, certos lugares vão ganhando nome por questão de tradição passada de pai para filho, durante gerações.

Narrativa V – Por fim, outro relato inédito do qual este autor foi testemunha ocular nos primeiros anos da década de 1940.

No transcorrer da rápida ocupação territorial de Vila velha (primeira metade do século vinte), foi construído um galpão no sopé do morro Jaburuna na pequenina Praia da Glória. Ali funcionou a única fábrica de cal da região de propriedade de João Freitas, filho do “coronel” Joaquim Rodrigues Pereira de Freitas, primeiro administrador de Vila Velha. Nas raras vezes que lá estive, nos anos quarenta, testemunhei o trabalho de homens humildes que, quando não iam exercer a profissão de pescadores, costumavam trabalhar como fornecedores de matéria prima para a fábrica de João.

A tarefa consistia em tirar calcários do fundo do mar, ali mesmo entre a pequenina Praia da Glória e a Ilha das Cobras. O trabalho era feito nas horas de maré baixa. Com uma pá, uma peneira e movimentos lentos o homem tirava sedimento do fundo, que nessa hora lhe cobria o quadril, e lançava na peneira submersa, A cada duas ou três pás de sedimento, a peneira era apoiada nas bordas da canoa para a segunda e última seleção, que consistia na cata manual de paus, folhas, pedregulhos, etc. O restante era despejado no fundo da embarcação. Ao final da tarefa, a canoa era puxada para a margem, e transportado o calcário para o interior do galpão.

Admito que o sedimento retirado do fundo da antiga Praia da Glória e, também da margem oposta (Praia do Suá), seja indício de um sambaquis hoje submerso, onde tenha vivido alguma tribo do homem da pré-história das Américas. Sobre essa matéria prima abundante nas margens do canal da baía de Vitória, assim comentou o cientista canadense Charles Frederick Harth, quando passou por Vila Velha, no Espírito Santo, em 1866: “Quando em visita às praias de Vila Velha, Hartt notou que a quantidade de corais era ali mais abundante do que em qualquer outra praia que conheceu na América do Sul. A espécie mais vulgar, o berdigão ou cachimbo, usado no fabrico de cal”.

Nota – Sambaquis: samba = concha coral + quis = amontoado, em tupi.

Enquanto existiu, a modesta fábrica de cal de Joãozinho (como ficou conhecido) ela era uma das coisas mais importantes na vida de Vila Velha, cuja produção era consumida na construção de novas residências. Depois, com o aparecimento dos corantes, mais ainda porque facilitou o preparo de tintas das mais variadas cores. Assim, da mesma forma que a cal foi muito importante na vida da vila, o era também seu proprietário que muito se alegrava com o reconhecimento da população. Não havia uma só pessoa que não conhecesse o Joãozinho Freitas nas décadas de 30, 40, 50 do século vinte.

Esta história do pujante bairro, cujo nome ficou perenizado através do nome da caravela do valente navegador Vasco Fernandes Coutinho, como também, a citação das evidências ou narrativas que estão à espera de investigação. Com a palavra os pesquisadores ou especialistas.

 

Livro: Vila Velha – Onde começou o Estado do Espírito Santo, 2011.
Autor: Jair Santos
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2011

 

Depoimentos importantes postados no Facebook

Bolla Vila Flor No alto, uma casa em forma de manteigueira que veio dar nome ao morro, já a praia da Glória era à esquerda da foto, onde morava o Sr; Cazuza que era caseiro da familia de Dominguinho, proprietários da àrea. Esta prainha que vemos é em Pedra Dágua onde mais tarde foi construido o IRS.

Bolla Vila Flor Quanto ao nome do bairro, temos relatos que, é porque alí entre a praia e a ilha das cobras era uma baía com mar era calmo e protegido dos ventos, portanto, ideal para ancorar a nau Glória - que veio dar o nome ao bairro e a praia por consequencia...



GALERIA:

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