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Histórias da Vila na Revista Vila Fruti

Vila Velha

Circulando por antigas histórias afetivas, a revista Vila Fruti foi conhecer detalhes revelados por moradores tradicionais do município.

Uma Vila Velha sem asfalto, com bondes indo e vindo, das animadas retretas do coreto da Igreja do Rosário, dos garotos do bonde, dos banhos de mar no meio da tarde, ali na Prainha. Nostalgia? Nem tanto; apenas histórias de vidas contadas por pessoas de antigas famílias caneta-verde, que entrelaçam suas vidas às narrativas históricas da cidade que, hoje, pulsa em ritmo acelerado.

Aquela vida pacata se mantém na memória afetiva de moradores da Vila mais Velha: da cidade tranqüila, livre dos aterros, dos automóveis e dos paredões de prédios.

A Prainha tinha outra feição e seu entorno era bem definido, com os "perfis dos morros da Ucharia, do Convento e do Inhoá, cobertos pela exuberante mata que descia até as proximidades do mar", relata o arquiteto Jair Santos, em seu livro Vila Velha: onde começou o Espírito Santo (1999).

Detalhe: duas pequenas praias se formavam ali na lateral: a das Timbebas, ao pé do monte do Convento (do Lado do portão de entrada dos fiéis), e a de Inhoá. "As ilhas da Forca e Caturé completavam o sítio de indescritível beleza natural", descreve Jair Santos.

Nesse cenário, o pintor Kléber Galvêas, viveu no único sobrado da esquina da Antônio Athaíde com a Rua 15 de Novembro, existente até então na Prainha, em 1955, quando tinha sete anos. Para ele, inesquecíveis eram os banhos das tardes na Prainha: "A gente tirava a camisa, entrava só de calção e ainda levava o almoço para casa", lembra-se Kleber, sobre os budigões 'pescados' ali na areia. Segundo ele, fazia parte, do ritual comum da garotada usara camisa para carregar os mariscos para casa.

O local também era rico em camarões, ostras e sururus. "A Semana Santa era disputadíssima: a tarefa dos meninos era catar ostras, sururu e siri, e pescar camarões". Tudo era levado para as mães prepararem a torta capixaba. Todos se esmeravam ao máximo, já que o costume era "trocar" as tortas entre as vizinhas. "Ninguém perguntava onde alguém ia passar a Páscoa. O que se dizia era: onde a torta vai passar".

Por isso, quanto mais uma torta adentrava outras casas, era degustada e apreciada, maior era o status de quem a preparou.

Com o mestre Massena

A convivência com o pintor Homero Massena é uma lembrança marcante de Kléber Galveas dessa Vila de outras décadas. Por volta dos 12-13 anos, Kléber passou a ter aulas de pintura com o seu mestre Massena, cuja residência abriga o museu que leva seu nome, idealizado e montado pelo aprendiz. "Freqüentei o ateliê do Massena até a sua morte, em 74".

Além do ateliê do mestre, Kléber também freqüentava o Clube Golfinho: "O assoalho era de tábua. O Carnaval, era muito animado. Havia bailes, e entre tantos teve até um com Roberto Carlos. Eu ia com as minhas tias, que não queriam tomar chá de cadeira. Além de acompanhante, dançava com elas".

O pintor foi da segunda turma do Marista, até hoje tradicional escola de Vila Velha e um marco na arquitetura do lugar. "Naquela época era só para rapazes e eu queria ir para outra escola que tivesse moças". Outra "atração" que ele se lembra era a Sorveteria Atlântica, no Centro. Os rapazes     sentavam no muro da frente, batiam papo, e olhavam o pouco, movimento. "A gente não tinha mesmo o que fazer naquele tempo", diz.

Retretas no coreto

Mais pacata ainda era a cidade para os jovens da geração dos anos 1930-40. Além das festas da Igreja do Rosário, havia um acontecimento marcante que agitava todo mundo: as retretas no coreto da Praça da Bandeira, animadas pela banda do 3º Batalhão de Caçadores, geralmente às quintas-feiras, sábados e domingos, das 19 às 21 horas. Terminava cedo porque nove da noite era o horário máximo para as moças voltarem para casa.

Naquela época, não por problemas de segurança, mas por ser o costume das famílias se recolherem cedo. Tempo em que o público se empolgava com as canções folclóricas, tão ricas no município, além de valsas e polcas, dentre tantas outras do repertório das retretas. Como local de encontro, piscadelas e namoros também nasciam ali e alguns até firmavam casamento.

Esse coreto foi o segundo existente na Praça da Bandeira. O primeiro fez parte de um "parque ajardinado", inaugurado com toda a pompa em 27 de abril de 1919, como espaço de "diversão para todas as famílias". O coreto tinha "estrutura e cobertura que ruiu por falta de conservação", informa Jair Santos, fatos que também registrou em seu livro. Tempos depois, o segundo coreto foi construído em alvenaria, sem a graciosa cobertura, é transformou-se no centro das atrações dos fins de semana das décadas de 1920, 30 e 40.

Embora tenha nascido em Alegre (1926), Jair Santos mudou-se com a família para Vila Velha, aos 5 anos. Estudou no Grupo Escolar Vasco Coutinho na época em que Ernane Souza era o diretor. O secundário teve que ser feito em Vitória, no Colégio Estadual. Ia e voltava de barco, único meio de transporte entre a Ilha e o continente naqueles tempos.

Em 1948, para prosseguir os estudos, Jair foi para o Rio no então único meio de transporte: o trem. Por lá, se formou em Arquitetura, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde permaneceu como professor do Departamento de Tecnologia da Construção até se aposentar. Mesmo fora da Vila por mais de 30 anos, a paixão pela cidade nunca se apagou. Pelo contrário, multiplicou-se de tal forma que o trouxe de volta.

Por que escrever livros sobre Vila Velha? Segundo ele, desde menino, quando brincava solto e jogava bola pelas ruas de areia, conserva a mania de guardar coisas antigas: fotos, documentos e objetos. Só como exemplo, ele conserva uma câmera Kodak (talvez das primeiras décadas de 1900), uma raridade que nem funciona mais.

Quando retornou do Rio, Jair começou a pesquisar, o que restou da história de Vila Velha em arquivos públicos e particulares, entrevistou moradores antigos, coletou mais fotografias, foi escrevendo e publicando seus livros.

Bondes com balas

Em 1912, no governo Jerônimo Monteiro, os moradores de Vila Velha festejaram três novidades: iluminação elétrica pública (antes era a querosene), água encanada e bondes elétricos. Naquela época, não havia automóvel na cidade. “Os primeiros veículos automotores foram o caminhão do matadouro municipal, que distribuía carne verde para o açougue da sede, Aribiri, Paul e Argolas, e o caminhão de João Thomaz de Souza Neto, Seu Pequenino, que fazia o transporte de cargas a frete”, revela Jair.

Portanto, na cidade sem carros, o bonde marcou presença. O percurso do ferro-carril totalizava uns 10 quilômetros. Dois bondes circulavam a cada meia hora: um saía de Paul, outro de Vila Velha: os dois “se cruzavam na estação de Aribiri, onde foi construída uma garagem para serviços de reparos e manutenção”, segundo o pesquisador. Quem quisesse ir para Vitória embarcava nas lanchas Elizabeth e Santa Cecília, que pertenciam à empresa de energia elétrica da capital.

As balas do Garoto

A partir de 1929 era corriqueira a presença de meninos vendendo balas para lá e para cá, somente nos pontos do bonde de Vila Velha. Com o tempo, os passageiros passaram a se referir aos doces como “bala dos garotos”. Eram fabricados pela família Meyefreund que as substituíram, anos depois, por outro produto: chocolate, mas mantiveram o nome escolhido pelos passageiros do bonde: Garoto.

Para Jair, “o bonde foi o meio de transporte que se constituiu num marco romântico na vida de todos, deixando belas recordações. Se consolidou como o transporte coletivo urbano por excelência, uma vez que contribuiu para aproximar pessoas e integrá-las”, símbolo de um tempo em que se vivia “sem competições, sem discussões, sem medo e, sobretudo, sem pressa”.

Outro detalhe: os assentos eram de madeira e cada um acomodava cinco pessoas. Quem quisesse pagar menos, embarcava no carro-reboque, um vagão menor destinado ao transporte de cargas, mas que também acomodava passageiros. Os bondes, em Vila Velha, entraram em declínio com a conclusão da Rodovia Carlos Lindenberg, e foram extintos no início dos anos 1950, para dar vez ao transporte rodoviário.

Na era dos bondes, os moradores enfrentavam precária infra-estrutura. Antes da coleta de lixo ser feita por carroça, até os anos 1920, as pessoas tinham que levar o lixo "no vazadouro", atrás do Grupo Vasco Coutinho, avisa Jair. Do atual centro de Vila Velha até a Praia da Costa era um manguezal só. Por isso, as famílias preferiam tomar banhos de mar na Prainha, que tinha fácil acesso. Mas o aterro, ocorrido entre 1970-75, desfigurou a Prainha em prol da construção da Escola de Aprendizes e Marinheiros e as novas instalações do 38º Batalhão de Infantaria.

O nome Prainha surgiu do "próprio gosto popular", já que os moradores sempre chamaram a aprazível enseada dessa forma. O local fazia parte do centro urbano da cidade, de frente à Igreja do Rosário, exatamente onde Vasco Fernandes Coutinho e sua tripulação desembarcaram em 1535.

 

Fonte: Revista Vila Fruti, ano I - Nº 02
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2015

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