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Indígenas, Aldeamentos e Cooperação – Por Serafim Derenzi

Índios sendo catequisados

Os indígenas, que habitavam o Espírito Santo, à época de seu povoamento, não foram convenientemente estudados e localizados, a não ser os Goitacazes, de cujas notícias se infere que demandavam de Vila Velha para o Sul, dominando o vale do Paraíba. Parece-me que no Espírito Santo eram caçadores periódicos e se grupavam, quando de seus ataques, sempre ferozes. Foram eles os matadores de Jorge Menezes e de Castelo Branco. Ao norte campeavam os Tupinaquins ou Tupiniquins, que se adensavam em número, do Cricaré para Porto Seguro. (1) Essa notícia nos chega através das cartas dos jesuítas, assim como do combate trágico, que se travou com os, portugueses, culminando com a mortandade da qual a figura marcante foi Fernão de Sá, cujo heroísmo ressuscita agora com o poema de Anchieta, desconhecido de quatrocentos anos e publicado pelo Pe. Armando Cardoso. (2) Foram os sitiantes de Vitória, derrotados por Baltazar de Sá, que se vingou da morte de seu primo, abrandando a dor do tio Governador Geral.

Os Temiminós, que não se pode afirmar se autóctones ou emigrados, pelas referências um tanto incertas, deviam habitar a baixada de Goiabeiras, Carapina até as proximidades de Serra. (*)

Os Apiepetangos dominavam de Serra a Santa Cruz e toma-se informação pelo embaraço que opuseram a Belchior de Azeredo, quando de sua entrada em Conceição (Serra), cem léguas para o sertão trazendo cerca de 200 índios submetidos. Os Aimorés imperavam nos divisores de águas noroeste de São Mateus e não atingiram a ilha, porque de permeio encontravam seus irmãos, inimigos irreconciliáveis, os Tupiniquins, cujos encontros, na região de Ilhéus e Porto Seguro, foram sempre de extermínio. (3)

A luta entre os portugueses e os indígenas, de modo geral no Brasil, não foi disputa de solo, mas insubmissão ao cativeiro. Não fosse a ação catequista dos missionários, os primeiros colonos e donatários teriam sido exterminados. Os imigrados queriam os índios para o trabalho escravo. Contra esse preceito se insurgia o jesuíta. Custar-lhe-ia, duzentos anos depois, a defesa dos indígenas, o banimento de Portugal e suas colônias. E tanto insistiram que seus protestos chegaram à consciência dos monarcas. Já Mem de Sá, antes da sua segunda viagem ao Rio, (4) recebera instruções do rei, em que ele dizia ser informado do cativeiro injusto dos índios, e recomendava-lhe que, com o bispo, P. Providencial, P. Inácio de Azevedo, Manuel da Nóbrega e o ouvidor geral, se aconselhasse a respeito do resgate e cativeiro e o informasse miudamente. Pedia-lhe: não consintais serem lhe feitas vexações nem desajuizados alguns, nem lançados das terras que possuírem.

Resultou que se redigisse uma espécie de estatuto em que só seria permitido o cativeiro justo dos índios aprisionados em combate e dos que houvessem praticado antropofagia.

Nomeou-se um curador para eles (5) e respeitou-se seu homizio nas missões jesuítas.

D. Sebastião, em carta posterior, praticamente confirmou esse estatuto restringindo o direito de cativeiro ao mínimo, tornando-o quase proibitivo. (6) Houve reação, e forte, por parte dos colonos, mas a ação dos missionários ficou restringida e graças a ela os aldeamentos cresciam e a prosperidade dos colonos se operou. Desse modo a entrada no sertão, a abertura de lavouras ou agricultura propriamente, se difundiam, porque os portugueses se desarmam em espírito com proveito para o progresso da Capitania. (7) A cooperação torna-se efetiva e progressiva. Os aldeamentos se transformam, aos poucos, em verdadeiras fazendas. Os índios aprendem artes recreativas, canto, música, declamação, danças. Em 1589, festejam, no pátio de Santiago, o P. Cristóvão Gouvêa com alardo à portuguesa. (8) P. Anchieta escreveu autos, que foram representados por indígenas. Integram-se nos coros das igrejas. Celebram festas com cânticos, músicas e danças. Tudo dependia da política sábia e didática usada pelos jesuítas a fim de conduzi-los à família cristã. Nas horas de perigo os índios são recrutados para a defesa contra invasões e batem-se com coragem e denodo. Recebem honrarias. (9) Muitos são batizados com pompas e adotam nomes de personagens importantes: Martim Afonso,Vasco Fernandes, Sebastião de Lemos, Branca Coutinho. (10) Aliam-se aos portugueses contra tribos perversas, auxiliam os padres na catequese, acompanham as bandeiras com fidelidade. O que se não podia era curar-lhes a preguiça.

 

NOTAS


(1) O gentio Tupiniquim senhoreou e possuiu a terra da Costa do Brasil, ao longo do mar, do rio Camamu até o rio Cricaré, o qual tem agora despovoado toda esta comarca (Bahia) fugindo dos Tupinambás, seus contrários, que os apertaram por uma banda, e aos Aimorés, que os ofendiam por outra. Com este gentio tiveram os primeiros povoadores das capitanias dos Ilhéus e Porto Seguro e os do Espírito Santo, nos primeiros anos, grandes guerras e trabalhos, de quem receberam muitos danos; mas pelo tempo adiante vieram a fazer as pazes, que se cumpriram e guardaram bem de parte a parte, e de então para agora foram os Tupiniquins muito fiéis e verdadeiros aos Portugueses... É gente de grande trabalho e serviço, e sempre na guerra ajudaram aos Portugueses, contra os Aimorés, Tapuias e Tamoios... Gabriel Soares — Roteiro Geral. Cap. XXXIX.

(2) De Gestis Mendi Saa. O Padre Cardoso S. J. traduziu em "Mendisséia", Bl. Colégio S. Inácio — Rio.

(*) O P. Fabiano Lucena foi o consolidador do aldeamento de Serra e da catequese dos Temiminós. Viveu nessas plagas de 1556 a 1565. Deixou sua missão sem licença do superior P. Grã. Sofreu várias desgraças em sua viagem para Lisboa. Vide nota 2. pág. 235. Serafim Leite. Ob. cit.

(3) Gabriel Soares.

(4) Galanti — I Vol. pág. 289. 1ª Edição.

(5) Foi nomeado Diogo Zorilha em 25 de fevereiro de 1576 para o ofício. Galanti. Idem, idem.

(6) Galanti — Idem.

(7) "Na verdade, o Espírito Santo recebeu mais gentio do sertão do que nenhuma outra Capitania"... afirma em 1584, Fernão Cardim — Apud Serafim Leite. Tomo I.

(8) Em 1583, a Confraria dos Reis, por escravos e índios, na visita ao P. Cristóvão Gouvêa, diz o texto: "quiseram dar-lhe vista das suas festas: vieram um domingo com seus alardos à portuguesa, e a seu modo, com muitas danças, folias, bem vestidos, e o rei e a rainha ricamente ataviados com outros principais e confrades da dita Confraria: fizeram no terreiro da nossa igreja seus caracóis, abrindo e fechando com graça por serem mui ligeiros, e os vestidos não carregavam muito a alguns, porque os não tinham... Cardim, Tratados 342-343 Apud Serafim Leite — H.C.J. B. I pág. 218.

(9) Ararigbóia — foi feito Cavaleiro da Ordem Cristo.

(10) P. Serafim Leite. S.J. no Tomo I — Livro III, pág. 235, nos dá, com minúcias preciosas, informações das relações dos indígenas com os jesuítas e as autoridades da Capitania. "No dia 20 de janeiro de 1558, dia de S. Sebastião, batizou-se um filho do Gato Grande, (Carta de Luiz da Grã, desta Capitania do Espírito Santo, hoje 24 de abril, Brás 3 (1) (137 v), que estava doente. Por esse motivo ficou a chamar-se Sebastião, sondo seu padrinho, Duarte de Lemos. que lhe deu o seu próprio apelido. Sebastião de Lemos casou-se por essa ocasião com a índia com quem vivia, e se batizou igualmente. Além de Duarte de Lemos, foram padrinhos Bernardo Pimenta e André Serrão. Como já estava gravemente enfermo, Sebastião de Lemos sucumbiu a 2 de abril, assistido pelos Jesuítas. Fizeram-lhe ofícios solenes. Por essa ocasião, o donatário Vasco Fernandes Coutinho honrou o Maracaiáguaçu, sentando-o entre si e o filho Vasco Fernandes." b O velho Gato Grande também foi batizado e tomou o nome de Vasco Fernandes e sua mulher o de Branca, nome da mãe do donatário.

a) Fica-se sabendo que nessa data Duarte de Lemos está em Vitória na mesma festa com Vasco Coutinho.

b) o primeiro documento irrefutável da presença de Vasco Fernandes Filho na Capitania. Pela atitude de Vasco, o Velho, batizar a mulher do Gato Grande com o nome de Branca, concluo que Vasco Fernandes não vivia bem com sua legitima esposa, D. Maria do Campo, razão por que ela não deve ter vindo ao Espírito Santo, mas sim Ana Vaz.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2017

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