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Lei Rubem Braga - Por João Gualberto

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Nº 43 - Ano 1993/1994

Terminei, em dezembro do ano passado, um trabalho sobre Vitória que pretendo lançar como livro no próximo mês de março. O livro foi escrito em parceria com Carol Abreu e Janes De Biase Martins, ficando a primeira responsável pela produção da parte relativa à Vitória Colonial e o segundo àquela relativa ao período de modernização da cidade, iniciado no final do Século XIX. Eu trabalhei os períodos da vida da cidade que se iniciaram com a Revolução de 1930, tendo escrito também um capítulo inicial, que é uma tentativa de desvendar os imaginários da cidade que já foi presépio e hoje ninguém sabe exatamente o que é.

A publicação deste livro será possível graças à Lei Rubem Braga. Foi através deste importante mecanismo de incentivo às atividades culturais que o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo solicitou e conseguiu os benefícios da municipalidade. Coordenei, no IHGES, as pesquisas que resultaram no livro que terá como título: “Vitória: Trajetórias de uma Cidade”.

É interessante comparar as principais reflexões a que o trabalho chega com o próprio mecanismo da lei. Isto porque uma marca que aparece como sendo fundamental da cidade é o seu provincianismo. Explico melhor. No contexto do trabalho foi realizada uma pesquisa de lideranças, concebida e coordenada pelo cientista político Antônio Carlos de Medeiros. Na pesquisa foram levantadas quais são as principais lideranças da cidade hoje, nos vários segmentos sociais: empresariais, comunitários, religiosos, sindicais, políticos, etc. Feito o mapeamento dos líderes, eles foram ouvidos através de pesquisa qualitativa, que tentou levantar suas percepções sobre as identidades culturais de Vitória. Talvez a observação mais presente na percepção das principais lideranças da cidade sobre ela mesma seja a de que Vitória é, como já assinalei antes, uma cidade provinciana.

Entretanto, este provincianismo aparece com aspectos negativos e positivos. No lado negativo do provincianismo está a pequenez com que as pessoas são normalmente julgadas, o hábito que se tem de falar mal da vida alheia, a dificuldade de renovação das lideranças, a presença de alguns grupos que dominam os diferentes aspectos da vida social. É o famoso caldeirão do diabo a que se refere Rogério Coimbra, ou então à imagem saborosa de Carmélia, que dizia que Vitória é como um balaio de caranguejos: basta um querer subir que os outros começam a puxar para baixo.

No lado positivo está, por exemplo, a relativa facilidade com que nós, de classe média, resolvemos os problemas do dia-a-dia, justamente porque o provincianismo fez com que conheçamos gente em lugares como bancos e repartições públicas. Deste mesmo lado está a vida mais pacata da cidade, se a compararmos com as grandes cidades brasileiras. Estas sim, verdadeiros infernos tropicais que misturam, num grau explosivo, violência, falta de planejamento, caos urbano. Vitória ainda não tem tal magnitude de problemas.

Eu disse alguns parágrafos atrás que é interessante analisar conjuntamente nosso provincianismo com a Lei Rubem Braga, justamente porque acredito que ela é um dos instrumentos que a Prefeitura de Vitória hoje dispõe para ajudar a reverter alguns aspectos do provincianismo negativo. Isto porque Vitória é uma cidade extraordinariamente pobre culturalmente se levarmos em conta sua dimensão. A Universidade, como instituição, nunca ocupou um lugar importante na produção cultural. Nenhum movimento importante saiu dos muros da UFES. Apesar de importantes talentos que a instituição abriga, seus esforços são isolados. Apenas nesta gestão, Francisco Aurélio, na sua Secretaria de Cultura, tem feito um esforço mais conseqüente e sistemático. Não sei, entretanto, se ele vai crescer ainda mais, ou vai ser engolido pela poderosa máquina da burocracia interna.

A Lei Rubem Braga permitiu que a Prefeitura começasse a ocupar este vazio cultural que Vitória tem. Através do financiamento de inúmeras peças de teatro, livros, exposições, pesquisa, espetáculos musicais, dentre outras atividades, muitas das quais ocorridas na sede da antiga FAFI, a Secretaria de Cultura da Prefeitura tem demonstrado que é possível incentivar inteligentemente os animadores culturais da cidade. E que bons espetáculos e trabalhos têm público. Mais do que isto, a lei, como foi concebida, deixa as principais decisões sobre alocação de recursos para as próprias entidades culturais. Isto porque existem os conselhos que deliberam sobre os recursos, compostos unicamente destas entidades. A Prefeitura coordena estes trabalhos, que pertencem, na verdade, à sociedade civil e aos representantes dos produtores culturais.

Ao Governo de Vitor Buaiz e Rogério Medeiros devemos esta brilhante idéia. Hoje, entretanto, a lei Rubem Braga pertence à cidade. Sua manutenção e aperfeiçoamento são tarefas da atual administração. Acredito que os responsáveis pela área de cultura da Prefeitura devam criar um instrumento normativo que priorize de forma mais clara os investimentos em cultura, sem, entretanto, criar normas burocráticas imobilizantes. Acredito que consolidar e fazer avançar uma política cultural que nos ajude a vencer o provincianismo é uma tarefa tão importante para o prefeito Paulo Hartung quanto aquelas tarefas ligadas aos processos políticos e econômicos, no que eles têm de autônomos. A Lei Rubem Braga é um importante instrumento desta política.

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. N 43, ano 1993/1994
Autor: João Gualberto
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2013 

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