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Mais alguns números e as regiões de concentração de negros

Regiões de concentração de população negra até 1888

Em consequência da concentração negra promovida pela escravidão, o Espírito Santo tem algumas regiões onde os traços da herança cultural africana afloram e expõem-se com mais definição.

O Estado tinha três grandes áreas de maior concentração populacional escrava, por conseguinte de forte presença cultural negra: o norte litorâneo, tendo São Mateus como principal polo; o sul, cujo polo era Cachoeiro de Itapemirim, e a região central, área de influência imediata de Vitória. Foram essas as três áreas econômicas que deram a base da vida capixaba e projetaram inicialmente a capitania e depois a provinciano cenário mais geral.

São Mateus era o maior centro capixaba de escravos e para lá se concentrava a migração dos baianos. Para Castelo, Itabapoana, Itapemirim e margens do Santa Maria da Vitória desciam os mineiros fundadores de florescentes fazendas, providas de grande escravaria cujos braços garantiam a abastança dos senhores, (...) no Itapemirim, a concentração dos escravos na agricultura já era um fato em 1874, pois havia apenas 52 deles na cidade, e 88% da população escrava ativa era de lavradores (19).

Essas três regiões eram tão importantes para a distribuição de força de trabalho escrava que depois de 1850, apesar do fim do tráfico, os portos das regiões de Itapemirim, Vitória, São Mateus e Guarapari ainda receberam muitos escravos, via contrabando. Mesmo a região de Santa Leopoldina, área de colonização alemã, tinha numerosos escravos (20). É necessário lembrar que falar em áreas de concentração não significa afirmar que fora delas não havia negros.

A região de Vitória, área de povoamento antigo e sede da capital, estava entre aquelas abarrotadas de escravos, nas primeiras décadas do século XIX; eles constituíam 40% da população nos censos de 1824 e 1872 e a região concentrava mais da metade dos escravos da Província, cerca de 7.000, num total de 13.000 (21).

Quando, no início do século XIX, as fazendas de café das regiões central e sul superaram as de cana-de-açúcar, houve a ampliação da exploração do trabalho escravo. Isso fez com que praticamente dobrasse o número de negros nessas áreas, enquanto permanecia estável, ou até mesmo diminuía o número de negros escravizados na parte norte.

Inclusive, no início do cultivo comercial do café na região de Vitória, foi realizado um censo provincial, que registrou, em 1843, a existência de 4.850 escravos na região, representando 32% da população. Enquanto isso, a população livre ficou estável, em aproximadamente 10 mil, mas o número de escravos declinou, talvez por causa do início do povoamento da região do Itapemirim, com a abertura de fazendas de café e transferências de muitos escravos para elas. Além disso, seguramente, houve aumentos nos preços desses escravos.

Em 1859, uma pesquisa sobre a situação da agricultura realizada pelo então presidente de Província denunciava “um certo vácuo produzido pelo fim do tráfico. Isto é, os lavradores apontam a falta de braços como um de seus principais problemas, ao lado dos transportes e da falta de capitais”. Porém, o presidente ressaltava que os maiores proprietários ainda possuíam bom número de escravos.

Na Serra, o trabalho era todo escravo. Em Vitória, o trabalho não era todo escravo por causa das características de urbanidade, comércio, administração, artesanato e a presença de pequenos cultivadores. Ademais, parece que na medida em que aumentava o preço dos escravos, a maioria deles ia sendo concentrada nas regiões de grandes propriedades, principalmente no sul. Entretanto, há fortes indícios de que a população negra livre espalhava-se por todas as regiões de terras devolutas, sem estabelecer posses individuais, porque exploravam a terra de forma coletiva e sem objetivos mercantis. Parece também que muitos foram se estabelecer em pontos pesqueiros do litoral, o que significa que grande parte dessa população negra e índia ficava fora dos levantamentos censitários da época. Não se pode negar que os negros e os índios eram em número maior do que aquele que os documentos diziam.

Em 1861, o presidente Costa Pereira avaliava que a parcela da população livre que trabalhava na agricultura compunha-se de pessoas que usavam os seus próprios braços ou um pequeno número de escravos (22).

É interessante notar que por volta de 1872, em Vitória, a maioria dos escravos era jovens com menos de 20 anos, 2.387 eram lavradores e 1.316 trabalhavam em serviços domésticos (23). Aliás, 43,6% dos escravos eram crianças com menos de 16 anos, enquanto podiam ser considerados velhos só 15,5% do total dos 6.919 escravos da região (24). Pode-se destacar também que a composição etária da população escrava de Vitória era bastante diferente das de outras regiões cafeeiras, onde o problema do abastecimento provocou o envelhecimento do plantel de escravos. Em Vitória, aconteceu o inverso: a percentagem de idosos era pequena, mas havia um enorme contingente de crianças. No aspecto da composição etária, Vitória era semelhante ao nordeste brasileiro, mas apenas nesse aspecto, uma vez que, enquanto Vitória mantinha seu contingente de escravos, o Nordeste perdia o seu (25).

Também é interessante perceber que nas áreas norte e sul o número de pretos, em relação ao número de mestiços, era, no fim do século XIX, bem maior do que na parte central, onde havia certo equilíbrio entre o número de pretos e mestiços. Logo, é possível afirmar que a miscigenação em Vitória era maior. Essa mestiçagem parece ter aumentado ao longo do século XX.

Como se viu, historicamente, o Espírito Santo tem três regiões de concentração de população negra. Essas regiões - nos anos 90 do século XX continuam sendo as maiores áreas de concentração de população e manifestações de cultura negra do Estado.

No sul, isso pode ser observado primeiro por manifestações culturais negras, como o Boi Pintadinho, o Mineiro-Pau ou Manejo-Pau e o Caxambu, também chamado de Batuque, Tambor, Catambá ou Jongo; segundo por manifestações culturais afro-indígenas, como o Bate-Flexas; terceiro por manifestações culturais negras que copiam tradições alemãs e italianas, como é a Dança das Fitas, realizada por comunidades rurais negras, e quarto pela existência, em diversos municípios de bairros - alguns chamados “Quilombo” - onde a população é quase toda negra.

No norte, a listagem de manifestações culturais negras é muito grande, destacando-se os vários tipos de Congos, Jongos, Reisados e Bois, o Alardo, o Ticumbi e as comunidades negras rurais, como as do Espírito Santo e de Santana.

Na região central, os morros e ocupações urbanas destacam-se com congos, escolas de samba e jovens identificados com a cultura musical negra norte-americana. Os grupos de capoeira são comuns e abundantes por todo o Estado, independentemente da concentração de população negra.

 

NOTAS

(19) Saletto, 1985, p. 27 e 28.

(20) Novaes, 1963, p. 52.

(21) Novaes, 1963, p. 55.

(22) Saletto, 1985, p. 55 e 56.

(23) Saletto, 1985, p. 57 e 58.

(24) Saletto, 1985, p. 58.

(25) Saletto, 1985, p. 59.

 

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GSA

 

Fonte: Negros no Espírito Santo / Cleber Maciel; organização por Osvaldo Martins de Oliveira. –2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
Compilação: Walter de Aguiar Filho, julho/2020



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