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Mercados, Feiras e Fotógrafos - Por Jairo de Britto

Mercado da Vila Rubim -

Para Claudionor de Britto "Vinte toneladas de fogos de artifício e barris de pólvora que estavam estocados em três andares da Casa Sempre Rica explodiram, às 11h45m de ontem, provocando um incêndio que durou 3h30m e destruiu 110 boxes do mercado da Vila Rubim, 30 lojas e sete veículos estacionados no local ou que passavam na avenida Duarte Lemos. Dezenas de pessoas sofreram queimaduras e outros ferimentos..." (A Gazeta, 2/07/1994).

Entre 18h45m e 21h percorri todo o local, inclusive as áreas isoladas pela Polícia e Corpo de Bombeiros.

Lá estavam vítimas com ferimentos leves; muitos voluntários na prática anônima da solidariedade; o governador do Estado, o prefeito da cidade, enfermeiras, feirantes, donos de lojas; comerciantes pequenos e médios que haviam perdido tudo. Do seu estoque de materiais, restava o impalpável: a esperança, a vontade de reconstruir para garantir o pão de suas famílias.

Dez horas após o início do incêndio, ainda havia muito desespero, sangue e lágrimas; pequenas explosões, notícias desencontradas sobre o número de feridos e mortos; paredes caindo e entulho sendo cautelosamente resfriado pelos bombeiros.

Enquanto percorria o mercado e conversava com autoridades, jornalistas, comerciantes, mendigos, curiosos e policiais, partilhava a tristeza de tantos que não sabiam, depois de tudo perderem, se parentes estavam sob os escombros; se estavam vivos ou mortos... Deixei o local, dispensei caronas e companhias, e sentei-me no pequeno muro do Posto Ouro Negro, observando de longe a movimentação em torno da tragédia.

Somente no dia seguinte vi e revi as imagens veiculadas pelas emissoras de televisão e as fotos de A Tribuna e A Gazeta.

O triste e o trágico ganham força e beleza na tela da tv. Tantas vezes tem sido assim: da explosão do Challenger, logo após seu lançamento, às operações de guerra no Iraque, no Líbano, na Bósnia; passando pelos incêndios em grandes reservas florestais, queimadas na região amazônica; incêndios de verão na Califórnia, Estado que, com as ilhas do Caribe e o Japão, comunga solenes terremotos.

Cinegrafistas e fotógrafos se espalham pelo mundo e nos oferecem uma radiografia da desgraça. Registram a morte e a vida por um fio, por uma nevasca, por uma rajada.

Arriscam suas vidas e conseguem, ao visitar o inferno, trazer, ou de lá nos enviar, os flagrantes da miséria e da esperança de homens, mulheres, crianças; pequenos e grandes animais em extinção; vítimas de fogos bélicos ou de artifício, terremotos, enchentes, furacões; desastres de tantas ordens. A tudo isso misturam sua visão singular e secreta, com maior ou menor profissionalismo. Mas, quase sempre, sabem captar o belo e revelar imagens que não conseguiríamos de outra forma ver.

Desconfio que, como eu, muitos repórteres fotográficos e cinegrafistas nutrem discreto mas indisfarçável amor pelos mercados e feiras livres.

Quem nunca visitou mercados e feiras bem pode desfrutar das imagens. Mas perde uma oportunidade ímpar de ver e conversar com aqueles que lá vivem, sobrevivem, e que lá constroem a vida de tantos outros. Inclusive, talvez, a sua...

Já há alguns anos olho, com razoável desprezo, tudo que cheira a nostalgia. Maroto, não procuro interpretar tal sentimento. Pretendo caminhar avesso ao lamento, assim como quem não sente saudades. Entretanto, nem sempre é possível. Menos ainda quando se trata de mercados, feiras e fotos.

Meu pai — um carioca amante do cinema, da música, das mulheres e das danças de salão — me apresentou, em Vitória, aos cinemas, feiras, à leitura diária dos jornais, à fotografia e, além do Parque Moscoso, do Cine Teatro Carlos Gomes e da Sorveteria Pingüim, ao mercado da Vila Rubim.

Ali comprávamos legumes, frutas, garoupas, espadas, sardinhas, siris, caranguejos e sururu; bacalhau, carne seca, carnes de porco e boi, velas, fitas, fumo de rolo, plantas ornamentais, ervas e animais de estimação, cigarros de marcas que já não existem, temperos, ferramentas, panelas e panos, agulhas, dedais e linhas de várias cores, tamancos, sapatos e sandálias; anzóis, puçás e varas de pescar...

Sobretudo, ali conversávamos com muita gente: com as pessoas que vendiam, com as que compravam, com os conhecidos que encontrávamos sempre aos sábados. Dali saíam todos, para os pontos de ônibus, com as compras nas bolsas de lona, coloridas, ainda longe que estávamos do Mundo dos Plásticos.

Nos mercados e feiras tudo e todos se misturam. Todas as cores, idades, cheiros, crenças e crendices; humores, contas, fantasias, miçangas, dívidas, flores, grãos, costumes, manias.

Gente de caráter e religiões diversas exercitam, no Mercado e na Feira, por longas manhãs e tardes, uma cumplicidade cheia de manhas e estórias, muitas ainda por contar.

Gente que, nos dias de hoje, começa a reconhecer a importância de sua história pública e particular; a reclamar direitos, respeito, espaço, ouvidos e olhos de ver: cidadãos infantes que buscam um porto seguro, numa ilha que faz 444 anos, e têm muito a aprender.

E há, também, gente que começa a olhar e ver. Gente que começa a prestar atenção à vida corrente em bairros como a Vila Rubim, Santo Antônio, Jucutuquara, Maruípe, Ilha das Flores, Forte São João...

Claro que, nostalgia à parte, sobrevivem a Fotografia, o fascínio e o mistério.

E fotógrafos que amam a cidade com seus mercados, feiras, pontes, portos, morros, ladeiras, igrejas, casarios, Penedo, baía, escadarias e praias.

Dentre eles, Gildo Loyola que, para A Gazeta, fez a foto durante o incêndio: a loja em chamas, com a imagem até hoje intacta de Iemanjá, um orixá das águas!

 

 Fonte: Escritos de Vitória 11 – Mercados e Feiras – Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – PMV – 1995
Autor do Texto: Jairo de Britto
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2019

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