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Movimentos de bairro - Por Geet Banck (Parte I)

Bandeira dos Partidos Políticos: Partido dos Trabalhadores e Partido da Frente Liberal

Dilemas Culturais Nas Entrelinhas da Estratégia: Movimentos de Bairros e o Discurso Católico

 

1. Introdução

Cultura e comunidade, juntamente com outro tópico afim — identidade —, são os principais temas que aparecem atualmente no debate sobre movimentos sociais. "O potencial de transformação dos novos movimentos sociais não é político, mas sim sócio-cultural", diz Tilman Evers, que de fato equipara esses movimentos a contraculturas de pequena escala (EVERS, 1985. p. 49-51). Já Manuel Castells considera a cultura comunitária um dos três objetivos que um movimento urbano deve articular a fim de realizar de forma completa a "transformação do significado urbano". Os outros dois seriam as demandas coletivas de consumo e a autogestão política (CASTELLS, 1983, p. 322). Mais ou menos como Evers, Castells de fato equipara os movimentos sociais urbanos às comunidades locais (CASTELLS, 1983, p. 301). Para os antropólogos é sempre motivo de certa satisfação constatar que outros autores (sobretudo se são marxistas ou se, como Castells, estão levantando suas teorias sobre "as ruínas gloriosas da tradição marxista" (CASTELLS, 1983, p. 301) estão dando atenção a conceitos tão próximos do núcleo de suas próprias atividades. Ao mesmo tempo, porém, são eles os primeiros a descrever as dificuldades que a interpretação desses conceitos pode acarretar. Basta lembrar a confusão de definições já denunciada nos anos 50. Kroeber e Kluckhohn mapearam 164 definições de cultura (KROEBER; KLUCKHOHN, 1952) e Hillery fez, em 1955, um inventário de 94 definições de "comunidade" (BELL; NEWBY, 1971, p. 27).

Neste artigo, não pretendo examinar todas as sutilezas e nuances do debate como um todo, mas sim assinalar, do ângulo das pesquisas e outros estudos que realizei sobre os movimentos sociais urbanos no Brasil, algumas das implicações do uso do conceito de "comunidade" na análise dos movimentos sociais. O estudo terá como foco os movimentos de bairro no Brasil, que têm como principal força motriz as comunidades católicas leigas denominadas comunidades eclesiais de base (CEB's), consideradas as mais importantes organizações de base ligadas à fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1979 e mais tarde da CUT, confederação sindical vinculada ao partido(1). Além de suas atividades religiosas, de que adiante falaremos, as CEB's tendem a pressionar por demandas coletivas de consumo e a enfatizar a autogestão política e a solidariedade em bases locais, promovendo uma cultura comunitária e uma identidade local própria, aspectos que correspondem, pelo menos esses, às três qualificações formuladas por Castells (BANCK; DOIMO, 1989). Essa construção de uma identidade coletiva, de uma cultura local, tende a identificar-se, pelo menos em nível de discurso, com uma cultura política própria e distinta. A maneira como se usam esses conceitos, tendo como síntese o termo "comunidade", não significa uma simples substituição metafórica do termo "bairro". Como ocorreu com a abordagem antropológica dos estudos da comunidade dos anos 50, inspirados em Robert Redfield, é provável que se estabeleça um duplo viés: contradições internas (em nível local) tendem a se embaralhar — quando não são expressamente negadas —, enquanto a interação dinâmica com outras classes sociais e a interdependência com campos de ação política mais amplos são relegadas a segundo plano, sendo chamadas, entre outros termos, de agentes ou variáveis externos, e visualizadas apenas como fenômenos condicionantes externos. Ainda que o contexto nacional não chegue a ser descartado, vigora, como nos primeiros estudos antropológicos de comunidade, a pressuposição equivocada de que uma boa seleção de estudos de comunidade revelará a própria essência da nação. Embora, hoje, os estudos dos movimentos sociais sejam certamente muito mais sofisticados, existe a tendência, ou pelo menos o risco, de visualizar as "forças populares" como o somatório de todos os movimentos avulsos. Na conclusão, pretendo retornar a esses problemas de interpretação que pontuam os estudos atuais sobre movimentos sociais urbanos. Aqui, gostaria de chamar a atenção para alguns dilemas culturais que ocorrem na ação dos movimentos de bairro, e que costumam ser ignorados pelos estudiosos. Tendo em vista a relevância das CEBs no âmbito dos movimentos urbanos brasileiros, meu foco principal será sobre os discursos de natureza religiosa.

Abre o artigo uma análise dos resultados um tanto surpreendentes das eleições de 1988 para o cargo de prefeito de Vitória. Apesar da importância e da exposição das comunidades de base e de suas atividades em protesto em bairros carentes, foi decepcionante o número de votos obtidos pelo candidato apoiado por elas. Isso autoriza questões como as seguintes: que tipo de identidade se constrói nas CEBs, o que significa "comunidade", quem são os responsáveis pela concepção dos seus emblemas simbólicos, e quais são as implicações dessa ética comunitária no processo político de base. Como é que agem nos bairros esses grupos? Serão capazes de legitimar, na localidade em que atuam, suas opções políticas e códigos religiosos? Em outras palavras, como é que lidam com fatores como diversidade sociocultural, disparidade de renda e choque político de opiniões?

 

Notas

(1) O PT vem crescendo sistematicamente em importância. Nas eleições presidenciais de 1989, seu líder, Luís Inácio Lula da Silva perdeu para Fernando Collor de Mello por margem de votos surpreendentemente pequena. A CUT tornou-se uma confederação sindical poderosa e combativa, controlando parte substancial da mão de obra do país.

 

Contracapa do Livro – Por Renato Pacheco: Nunca um “brasilianista” havia volvido seus olhos para gente de nossa pequenina terra. Viajantes muitos e ilustres passaram por aqui, relatando suas impressões, como está visto em Viajantes e estrangeiros no Espírito Santo, do historiador Levy Rocha. Mas não era observadores sistemáticos, Afeitos aos métodos das ciências sociais. Estamos diante de algo, a meu ver, pioneiro em nossa bibliografia.

 

 

Fonte: Dilemas e Símbolos Estudos sobre a Cultura Política do Espírito Santo, Segunda Edição aplicada – 2011
Autor: Geert. A. Banck
Compilação: Walter de Aguiar Filho, abril/2019

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