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Não cantamos parabéns! - Por Judith Leão Castello Ribeiro

Santinho de falecimento de Kouciuszko doado ao Site Morro do Moreno, por sua afilhada Maria Lucas Carvalho Brandão (Lutinha)Lutinha

Deus não quis. “Seja feita vossa vontade. Mas, Deixai-vos chorar de saudade. Há um vazio...

No dia 12 de setembro, anteontem, faria anos, em pleno viço de sua privilegiada inteligência, o tio Kosciuszko. Não é elogio em boca própria. Muitos outros, em superlativos, constam nas mensagens do seu arquivo, enviados pelos admiradores de suas obras publicadas.

Em maio, mês em que se colhem flores para os altares da Virgem Maria, num domingo azul, sol morninho, lindo dia, tio Kosciuszko, com olhos de poeta, via o bailado negro das andorinhas no espaço, num painel de ampla janela aberta do seu quarto. Suspendera o trabalho de revisão da apresentação do seu livro recém lançado: “MEU INVERNO”. Sorria, contemplando o zig-zag do álacre bando. Voltando-se para a solícita tia Laurinha, diz a meia voz: “Vou morrer hoje”. Espanta-te sua companheira de sessenta anos de convivência. Replica, com amargura: “Filho, com a morte não se brinca. Falar em morte num domingo tão lindo!”

Horas depois, repousando no leito, sua voz límpida, bonita, chama: “Laura!” A tia Laurinha, alma-ternura, inclina-se. Ele se soergue e, beijando-a na face, reafirma seu presságio: “Este é o meu último beijo”. Recolhido em silêncio, parece meditar em algo distante.

Quatorze horas, volta-se e, olhando para o alto, com surpresa, como quem pergunta:

“Jesus”?...

Às quinze horas, sem um estremecimento, mansamente, cerra os lábios, dizendo, pela última vez: “Jesus!”

Deixou-se levar pelo Senhor. Morreu como viveu, sereno. Jamais, imprecações contra alguém. E a vida não lhe foi fácil. Menino pobre foi estudar no seminário de Olinda. Sedento de cultura deixou, naqueles tempos que vão longe, na Serra, o carinho da família. Dizia ele: “A separação do meu Estado natal, rumo ao norte do país, amedrontava-me. Ao passar à frente do Penedo, tive ímpeto de abraçá-lo, beijá-lo, como se assim fizesse ao Espírito Santo, à Serra, aos meus da família”.

Em Olinda, com brilhantismo, fez o curso preparatório, mercê da generosidade do Superior, pois, não se sentindo o chamado à vida sacerdotal, declarou a verdade ao coordenador de vocações. Chamado pelo superior, se admirou quando, abraçado, é elogiado pela lealdade e lhe é oferecida a sua permanência no seminário, onde, finalizou o seu curso. Ingressou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Tempos duros. Nortadas uivaram sacudindo o barco de sua vida. Mas, sempre iluminando seu navegar, a bitácula do seu querer vencer o orientou. Nem a ameaça da cegueira lhe tirou o prazer de viver. Viver pelo pensamento, se as luzes dos olhos lhe faltassem. Diz isto, muito bem, no soneto: “Hora Sombria”, quando internado no Instituto Penido Burnier, onde o compôs, assinalando que foi sob ditado, pela mão de quem é a luz dos meus olhos – Laurinha minha Esposa.

Aluno da Faculdade lecionava Português, no recém-criado Ginásio São Vicente de Paulo. Foi um dos seus fundadores. Nesta fase, ainda se dedicava, como profissional, ao jornalismo. Marcou, com sinete de coragem, defensor da causa pública, a sua personalidade. Foi professor admirado pelos seus alunos.

Sem arrefecimentos lutou e venceu. Floriu o Ginásio que, juntamente com Aristobulo e Miguel Barbosa Leão, fundou. Formado em Direito, a advocacia o atraiu. Em Calçado, Anchieta, Itabapoama, Iúna e Vitória se impôs, interpretando as leis jurídicas. A convite do Governo foi redator do Diário da Manhã. Logo depois, Consultor Jurídico da Fazenda Nacional, Procurador da Fazenda Nacional, de onde saiu aposentado. Professor da Faculdade de Direito, a partir de 1.947 até 1.960 foi seu Diretor. Cumpridor dos seus deveres profissionais, em todos os cargos, se destacou, ainda, como zeloso Chefe de Polícia. Não se descurou, em tempo algum, da literatura. As obras literárias de caráter poético, filosófico, sociólogo e, por que não dizer- teológico – “Alma e Deus”, obra de caráter nimiamente espiritualista comprova, nos silogismos apodicticos, a existência de Deus e da Eternidade.

Deixou valioso acervo de livros que enriquece a literatura nacional. Tanto assim é, que, a Enciclopédia “Delta Larousse” registra Kosciuszko Barbosa Leão, como escritor brasileiro.

Certa vez, vi no pórtico de um colégio uma tela que me chamou atenção pelo seu simbolismo. Num barranco as raízes de uma árvore afloravam fora da terra. No alto, os galhos mortos do lado das raízes expostas pareciam braços abertos, chamando a vida. Do outro lado, viridente folhagem demonstrava a força das raízes fincadas na terra. A árvore persistia em viver com o brilho da seiva. Esta imagem me vinha da mente ao coração num misto de alegria e de antecipada saudade, sempre que revia, todos os domingos, o tio Kosciuszko, último representante da família Barbosa Leão, no Brasil. Era ele o protótipo do personagem registrado na Enciclopédia W.N Jackson, editada em Nova York, José Barbosa Leão, escritor, integrado em estudos lingüísticos, que deixou obras sobre ortografia. Dado a questões sociais, combateu o colonialismo. Ocupou eminentes cargos públicos. Opôs-se ao Governo. Não desistiu de suas idéias até vê-las triunfantes. Fulgurante jornalista fundou os jornais “O Jornal de Porto”, “O Jornal de Lisboa”, “O Primeiro de Janeiro”. Fez a reforma ortográfica, em Portugal. Em pleno vigor intelectual, escrevendo sua útlima obra, faleceu. E, com ele, desapareceu, em Portugal, o último Barbosa Leão.

Transplantada de Portugal a família Barbosa Leão agora desapareceu, no último galho viridente, no Brasil. Morreu Kosciuszko Barbosa Leão. É imortal na Academia Espírito-Santense de Letras. É, agora, na verdade proclamada por tio Kosciuszko no seu livro “Alma e Deus”, é agora, imortal na eternidade. Você afirmou, querido tio Kosciuszko, nestes versos: “E triunfante, afinal meu pensamento acalma/ Essa luz misteriosa é impossível que eu corte/ A vida eu vejo, pois, pensando em minha morte/ É minha alma imortal aos olhos de minha alma/.

Numa profissão de fé na Eternidade você afirma: “O pensamento é indestrutível. Quem pensa é a alma”.

Creio na imortalidade da alma. Certo o nosso reencontro. No céu cantarei: “Parabéns! Parabéns, p’ra você que soube viver, soube morrer...

Adeus, até um dia, que será eterno.

 

Fonte: Jornal A Gazeta – 25/09/1979
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro,2014



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