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O regime militar e a abertura ao capital estrangeiro

Presidente Castelo Branco

João Goulart foi deposto em abril de 1964; uma Junta Militar tomou o poder e a vida política e econômica do país tomou novos rumos. O setor de mineração também foi afetado pelas mudanças na área econômica, que passaram a promover “um tipo de desenvolvimento intimamente vinculado aos investimentos estrangeiros”.

Logo após a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República, foi constituída uma comissão interministerial integrada por Octávio Gouvêa de Bulhões (Fazenda), Roberto Campos (Planejamento e Coordenação Econômica, pasta criada pelo novo governo), Mauro Thibau (Minas e Energia), Daniel Faraco (Indústria e Comércio), Juarez Távora (Viação e Obras Públicas) e Ernesto Geisel (chefe do Gabinete Militar), incumbida de elaborar diretrizes para o setor de mineração. A comissão deveria tratar, entre outros pontos, do aproveitamento imediato dos recursos minerais, da regulamentação dos dispositivos legais imprecisos ou inoperantes da revisão do Código de Minas e, acima de tudo, do papel do Estado no setor. A Companhia Vale do Rio Doce – em toda a sua estrutura, desde a exploração das minas ao comércio do minério no exterior – estava no centro da discussão.

Os pontos de vista dessa comissão certamente constaram da Exposição de Motivos no 391/64, datada de 25 de junho de 1964, na qual Mauro Thibau apresentou as linhas-mestras de sua gestão. Denunciando o caráter estatizante do governo anterior, que inibia a participação das empresas privadas, Thibau informava que, ao assumir a pasta de Minas e Energia, “estavam pendentes de solução cerca de 1.400 processos de autorização de pesquisa e de concessão de lavra. Sobretudo no que diz respeito ao minério de ferro, predominava a orientação de entravar as atividades das empresas privadas, o que ocasionava a perda do mercado que as mesmas poderiam proporcionar, com a conseqüente redução de nossas exportações”.

No texto, o ministro criticava o “conhecimento insuficiente do subsolo nacional” e “o aproveitamento insatisfatório das reservas conhecidas”, fatores que contribuíam “para aumentar a taxa de erro na programação do desenvolvimento, acarretavam encargos exagerados sobre o balanço de pagamentos e revelavam a subutilização da mineração como instrumento para o progresso nacional”.

A diretoria da CVRD não escondeu seu descontentamento com a política governamental para o setor mineral proposta pelo ministro Thibau, que relegava ao Estado um papel supletivo. Discordando frontalmente dessa orientação, a diretoria da Vale, tendo à frente o presidente Paulo José de Lima Vieira, enviou ao ministro documento datado de 16 de julho de 1964 traçando um quadro das dificuldades que poderiam surgir com a instalação de empresas de mineração estrangeiras no país, principalmente a Hanna Co. Na realidade, a Companhia estava preocupada com o papel secundário conferido aos empreendimentos estatais (e com as facilidades oferecidas pelo governo aos empreendimentos estrangeiros), o que poderia comprometer seriamente seus planos de expansão.

Para a Vale, a nova política mineral poderia induzir o governo brasileiro a aprovar projetos sem qualquer exigência ou condições prévias. Isso significaria um retrocesso em relação aos contratos vantajosos firmados com a Samitri e a Ferteco, uma vez que esses grupos internacionais tinham se comprometido a não interferir nos mercados da CVRD. Ao contrário, eles se mostraram dispostos a facilitar a entrada da empresa em novos mercados e obrigados a reinvestir no Brasil, de preferência em empreendimentos siderúrgicos, os recursos obtidos com as exportações de minério de ferro.

Do ponto de vista da Companhia, a competição que poderia se estabelecer colocaria de um lado o governo – representado pela Vale do Rio Doce – e, de outro, grupos privados apoiados em estruturas oferecidas pelo próprio governo, ou seja, em suas ferrovias e instalações portuárias. Mais ainda: “Enquanto a CVRD teria todos os ônus de construir, manter e equipar sua ferrovia e porto, seus competidores teriam as vantagens preconizadas pela política sugerida, consubstanciadas no setor ferroviário e [...] no setor portuário.” O alvo, mais uma vez, era o grupo Hanna.

Os princípios gerais da política de mineração foram confirmados no Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que definiu a estratégia da administração Castelo Branco. Elaborado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, cujo titular era Roberto Campos, o PAEG recomendava ao governo, para estimular as vendas brasileiras no mercado mundial, “autorizar entidades privadas a construírem terminais de embarque e respectivos ramais de estradas de ferro até as linhas-tronco, para o escoamento do minério de ferro do Vale do Paraopeba, desde que tais projetos não impliquem solicitação de recursos financeiros às entidades governamentais. As instalações portuárias existentes seriam predominantemente utilizadas pelos pequenos e médios mineradores”.

A nova política do Governo Federal para o setor de mineração foi sintetizada no Decreto no 55.282, de dezembro de 1964, que autorizava a participação de capitais privados na exploração do subsolo e estendia ao capital estrangeiro o direito de participar de sociedades brasileiras que atuassem no setor. Ficavam de fora da iniciativa a extração petrolífera, o carvão e os minerais empregados na área nuclear. O documento estabelecia ainda medidas para o incremento da exportação do minério de ferro, entre as quais a construção de terminais privados de embarque na Baía de Sepetiba. Assegurava à CVRD a exportação de minério do Vale do Rio Doce, diretamente ou mediante contrato com os mineradores privados da região, e, por meio de convênio com a Rede Ferroviária Federal e o Departamento Nacional de Estradas de Ferro, autorizava a Companhia a concluir e explorar uma linha férrea ligando Itabira a Belo Horizonte.

A autorização para que as empresas privadas construíssem terminais de embarque e ramais ferroviários, teve grande repercussão na imprensa e no Congresso Nacional. Alegava-se que, com essa determinação, o governo privilegiava, na prática, as empresas do grupo Hanna, o que constituía um grave erro, uma vez que os norte-americanos ainda não tinham direito estabelecido por lei para a exploração das jazidas e lavras.

As reações não se limitaram aos setores oposicionistas. Os governadores Carlos Lacerda, da Guanabara (hoje, Estado do Rio de Janeiro), e Magalhães Pinto, de Minas Gerais – importantes articuladores civis do movimento que derrubou João Goulart –, também se manifestaram contra os termos do decreto. Em 23 de dezembro de 1964, Lacerda divulgou nota oficial classificando de “inconstitucional e ilegal” o decreto que fixava a nova política de minérios.

Em carta ao presidente Castelo Branco, Magalhães Pinto advertia que a concessão à Hanna de um porto privativo na Baía de Sepetiba levaria o Brasil a permanecer na condição de mero fornecedor de matéria-prima. Também na CVRD as repercussões foram sérias. Em virtude das divergências com a orientação governamental, o presidente da Companhia, Paulo José de Lima Vieira, renunciou em janeiro de 1965. No mesmo mês, Oscar de Oliveira substituiu-o no cargo.

Antes mesmo da edição do Decreto no 55.383, a abertura ao capital estrangeiro nas atividades de mineração havia suscitado a instalação, em novembro de 1964, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, cujo objetivo era estudar o problema do minério de ferro, sua explotação, transporte e exportação, bem como as atividades do grupo Hanna por intermédio de suas subsidiárias. A CPI teve como relator o deputado fluminense Roberto Saturnino Braga e seus trabalhos se estenderam até outubro de 1965. O relatório final expressava a preocupação dos parlamentares com a possibilidade de a empresa norte-americana, além de fazer concorrência aos pequenos e médios mineradores do Paraopeba, inibir o desenvolvimento da siderurgia regional. O fato de a Hanna ter condições de passar a dominar o minério de ferro extraído no Vale do Paraopeba poderia obrigar siderúrgicas estatais – como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) e a Companhia Siderúrgica da Guanabara (Cosigua), ainda em fase de estudos – a adquirir a matéria-prima de uma empresa estrangeira, o que era visto como uma forma de controle da siderurgia nacional.

O governador Carlos Lacerda mostrava-se particularmente preocupado com essa questão. A instalação da Cosigua envolvia investimentos que chegavam a US$ 250 milhões, financiados, entre outros, pela Krupp (Alemanha Ocidental), pela Sybetra (Bélgica) e pela CAFL (França). A estimativa inicial de produção girava em torno de 500 mil toneladas anuais de lingotes de aço. O empréstimo contraído junto às firmas estrangeiras deveria ser saldado, em parte, “com 1,5 a 2 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, durante 18 a 20 anos, a serem extraídos do Vale do Paraopeba”. Entre outras instalações, a siderúrgica deveria contar com um porto na Baía de Sepetiba que permitisse a atracação de navios de até 23 mil toneladas. Lacerda temia que se a Hanna passasse a controlar as jazidas, bem como o transporte e o embarque de minério, a Cosigua pudesse vir a se transformar, na prática, numa subsidiária da empresa norte-americana.

A posição da CVRD na CPI

Quanto à concorrência com a Companhia Vale do Rio Doce, a CPI considerou que esse problema era menos sério do que se poderia supor. De acordo com a maioria dos depoentes reunidos pela CPI, a companhia estatal já havia adquirido maturidade empresarial e experiência internacional que a habilitavam a não temer a competição com a Hanna. Ainda que a CPI tenha concluído que a Hanna pouco interferiu nos negócios da CVRD, surgiram vozes discordantes. O senador João Agripino lembrou que “tendo a Hanna jazidas em outras partes do mundo e sendo também comerciante de carvão mineral, terá condições excelentes para sobrepujar a Vale do Rio Doce no mercado internacional [...] Jogando com dois produtos, manobrando com mais de uma empresa, poderá baixar o preço de um e elevar o do outro, desde que o mercado ou seus reais objetivos o exijam, tirando um bom resultado final para a empresa”.

O relator da CPI ressaltou o fato de a empresa norte-americana atuar em mercados também freqüentados pela Vale na Europa Ocidental e no Japão. “Na Europa chega mesmo a operar grandes e modernas instalações de desembarque de minério no porto de Rotterdam, um dos principais terminais por onde entra também o produto da CVRD.”

As diversas opiniões contrárias à orientação governamental não impediram que, em junho de 1966, o Supremo Tribunal Federal proferisse acórdão transferindo para o Poder Executivo o processo administrativo relativo à Hanna, instaurado junto ao MME, permanecendo em aberto a questão judicial. Na prática, isso significava deixar ao presidente da República a decisão final sobre a matéria. Em 13 de março de 1967, dois dias antes de deixar o governo, Castelo Branco, baseado em parecer técnico do DNPM e em exposição de motivos dos ministros Mauro Thibau, Roberto Campos, Octávio Gouvêa de Bulhões e Juarez Távora, devolveu à Hanna as antigas concessões.

Antes mesmo de a pendência judicial ter chegado ao fim, o grupo norte-americano associou-se, em 1965, ao grupo brasileiro Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração (Caemi), controlado por Augusto Trajano de Azevedo Antunes, como forma de contornar a ação judicial e, ao mesmo tempo, de melhorar sua imagem junto à opinião pública. A associação com a Caemi avalizava política e juridicamente a participação da multinacional no Quadrilátero Ferrífero e fortalecia empresarialmente o grupo brasileiro.

Ficou acertado que o grupo de capital nacional teria o controle acionário da nova sociedade (51%), asseguradas a construção e a operação do Terminal da Ilha Guaíba, na Baía de Sepetiba, e formalizado o contrato com a Rede Ferroviária S. A., que garantiria a infraestrutura básica de transporte.

 

Fonte: Vale 70 anos: Nossa História, 2012
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2015

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