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O reinado do café - Do Reno para terras frias de Santa Isabel

Grupo de imigrantes poloneses já instalado na região de Águia Branca

Primeiro vieram os portugueses, que colonizaram o Espírito Santo. Depois, os açorianos, que fundaram Viana, em 1813. Na verdade, a ocupação do solo espírito-santense foi uma das mais demoradas da costa brasileira. Em meados do século passado, apenas uma pequena faixa costeira tinha sido tocada pela mão do homem. O restante era mata virgem, afirma o professor aposentado de literatura alemã da Ufes, Frederico Seide. D. Pedro II mandou criar a colônia de Santa Isabel, ocupada pelos primeiros colonos alemães, em 1847. Eram 38 famílias com 163 pessoas vindas do Hunsrück e do Hesse na região central do Reno.

Segundo a pesquisa do professor Frederico, a maior decepção foi encontrar a nova colônia sem casa e sem nenhuma infra-estrutura. Os gêneros alimentícios não chegavam e tiveram que se adaptar com novidades, tipo aipim, cará, feijão preto. Doenças desconhecidas, a falta de médicos, o medo dos índios botocudos, das cobras venenosas e dos animais selvagens pioravam seu estado de ânimo. Além disso, havia o problema da língua.

Problemas

Cada família recebia pouco mais de 50 hectares de terra para seu cultivo. Algumas conseguiam duas ou até mais. Com isso, a convivência tornou-se difícil. Depois, o Governo destinou apenas 25 ou 30 hectares para cada família e exigiu que pagassem a terra, depois de instalados. Nos início cada família recebia 24 a 25 mil réis mensais a título de ajuda financeira, além de sementes e fertilizantes.

Os produtos da lavoura não podiam ser escoados, por falta de estradas. Em 1858, o administrador da colônia, Adalbert Jahn, melhorou as condições e os colonos prosperaram. Passaram a pensar em escolas e igrejas. Os católicos contavam com a igreja de Viana, mas não conseguiam se entender com os padres pelo distanciamento dos dois idiomas. Os alemães se ressentiam de orientação educacional e religiosa. Os católicos e protestantes se desentenderam e dividiram a colônia.

Os católicos continuaram na sede da colônia, em Santa Isabel, e os luteranos construíram sua capela no campinho, mais acima, dando origem à comunidade de Campinho, atual Domingos Martins. Em 1857, os protestantes conseguiram seu primeiro pastor e professor que veio da Alemanha. Santa Isabel foi prosperando e expandiu-se com a vinda de mais colonos em 1858.

Em 1856, D. Pedro criou a Colônia Imperial de Santa Leopoldina. Foram para lá inicialmente 140 imigrantes: 99 suíços, 24 hanoverianos, 6 luxemburgueses, 3 prussianos e 8 holstenianos. Em 1859, nova leva veio ao Espírito Santo, que se estabeleceu no Tirol. No mesmo ano, os primeiros pomeranos começaram a chegar e se instalar em Santa Leopoldina. A imigração de pomeranos continuou até 1879.

Conforme Frederico Seide, no início deste século toda a região montanhosa do Estado estava ocupada pelos imigrantes. Muitos deles desceram o rio Santa Joana, rumo Norte, até perto do Rio Doce. Concentraram-se no município de ltaguaçu, em distritos e sede de Colatina. Ultrapassaram também as serras e foram para o Oeste. Em Guandu, fundaram núcleos em Laranja da Terra, Lagoa, Serra Pelada, Arrependido, entre outros.

Com Tabacchi, o começo de tudo

O processo imigratório italiano no Espírito Santo foi iniciado em fevereiro de 1874, com um empreendimento particular do italiano Pedro Tabacchi, radicado em terras capixabas. Tornou-se, em pouco tempo, próspero fazendeiro na região de Santa Cruz. Seu projeto idealista de trazer dezenas de famílias compatriotas para a sua fazenda não se sustentou por um mês. Foi um fracasso completo, afirma o professor de Literatura Brasileira da Ufes, Luiz Busatto.

A história silenciou o insucesso do contrato de parceria que até parece "um fracasso do próprio Governo", salienta o professor. Tabacchi morreu de desgosto quatro meses depois da primeira expedição. Vieram na primeira leva no vapor Sofia, 56 famílias trentinas. Após um repouso em péssimas condições na Hospedaria do Imigrante, em Vitória, os italianos foram levados para a colônia particular Nova Trento, em Santa Cruz.

Revolta

Logo que chegaram, os italianos constataram que tinham sido enganados. E se rebelaram contra as péssimas condições que Tabacchi impunha em Nova Trento. O motivo da discórdia estava centralizado no artigo 4° do contrato. "Os trentinos estavam promiscuamente amontoados num barracão e andavam até seis horas a pé, sob sol e chuva, para o local de trabalho", afirma Busatto. A rebelião foi reprimida por "15 praças de infantaria de linha". O resultado foi a rescisão contratual entre Tabacchi e os italianos.

Muitos imigrantes fugiram de Nova Trento, refugiando-se nas matas, fundando depois o núcleo Conde D'Eu, que mudaria de nome para Pau Gigante, Lauro Muller, onde, hoje, é Ibiraçu. Outras levas vieram depois já sem a influência de Tabacchi, o que levou à fundação de novas localidades, como Pendanga, Acioli, Demétrio Ribeiro, Treviso, Cavalinho e Baunilha.

A segunda leva foi transportada no navio Izabella, com 475 imigrantes que vieram para fundar Ibiraçu. Desse total, 43 famílias, cerca de 120 pessoas, foram parar em Santa Cruz por engano. Com passaportes e recibos, os italianos foram cobrar de Aristides Arminio Guaraná, responsável pela expedição, uma solução. Afirmavam que tinham pago suas passagens e ser outro o seu destino e não iriam trabalhar na construção de estradas como os demais.

Segundo Busatto, foram diversas rebeliões que ocorreram na história da imigração italiana no Espírito Santo. As revoltas eram tentativas para a solução dos dilemas e impasses criados com a nova ordem, mas resolvia apenas a permanência no país, procurando minorar o desconforto e o sofrimento. Os maiores obstáculos encontrados pelos imigrantes eram basicamente a mata virgem (floresta tropical), as doenças e febres malignas e a centralização do Governo imperial com sua desorganização.

"Os imigrantes chegavam não somente enganados pela própria aspiração de se redimirem da miséria, mas também por uma propaganda falsa do seu futuro habitat. Eles vinham com o objetivo específico de praticar uma agricultura de subsistência, produtiva, para fazer frente a outros mercados. Ao derrubar a primeira quadra na floresta, o imigrante não estava sequer pensando em comercializar os enormes troncos de madeira-de-lei. Ele queria apenas seu espaço para morar à maneira européia", assinala Busatto.

Calcula-se que, de 1870 a 1920, tenham vindo para o Espírito Santo cerca de 2.500 trentinos. A professora da Ufes, Soma Demoner, em seu artigo O Imigrante Italiano no Espirito Santo: Núcleo Demétrio Ribeiro, publicado no volume II de A Presença Italiana no Brasil, cita João Batista Cavato, afirmando que de 1879-1894, 610 famílias se estabeleceram nas fazendas de lconha. A partir de 1892, o número de imigrantes italianos no Espírito Santo foi sempre superior ao de qualquer outra nacionalidade. O membro da Sociedade Espírito-Santense de Imigração, Domenico Giffoni, por exemplo, assinou em 3 de junho de 1892, contrato com o Governo estadual para a introdução de 20 mil italianos e, em 1896, já havia trazido mais de 10 mil.

Aqui, eles foram enganados

As massas populares abandonam a pátria quando não têm, esperança, afirma o professor de Literatura Brasileira da Ufes, Luiz Busatto, em seu artigo Dilemas do Imigrante Italiano no Espírito Santo, publicado no volume II de A Presença Italiana no Brasil, organizado por Luís A. de Boni. Desmistificando a história oficial, Busatto, após 20 anos de pesquisa, afirma que os imigrantes foram enganados com promessas de que encontrariam um eldorado no Brasil e no Espírito Santo. O professor denuncia que os imigrantes foram trazidos para substituir a mão-de-obra escrava.

"A história oficial é sempre contada sob a ótica do vencedor e dos órgãos de poder. Nem poderia ser de outra maneira, uma vez que os vencidos e os mortos não têm voz", adverte no início de seu artigo. Segundo Busatto, milhares de documentos confirmam a condição escravista da imigração italiana para o Brasil. O artigo 40 do regulamento de 19 de janeiro de 1867 proibia a presença de escravos na colônia. Proibia-se a presença de uns, mas instalavam outros. Os governantes brasileiros e seus próceres mudavam os peões do tabuleiro, mas não mudavam as regras do jogo nem a maneira de pensar, uma vez que seus interesses econômicos tinham que ser preservados, custasse o que custasse".

Concessão de terras

Busatto cita o historiador Júlio Posenato, segundo o qual a classe dominante se sustentava no tripé formado pelo latifúndio, monocultura e trabalho escravo. O professor adverte que a concessão de uma propriedade agrícola ao imigrante o obrigava a se fixar nela, a praticar a agricultura de auto-sustentação e da produção do escravo negro. "A fase republicana mantinha o vício da legislação do Império. O imigrante não se fixava nos centros urbanos, mas nas suas proximidades onde houvesse facilidade de escoamento de produtos agrícolas. Com a abolição da escravatura, a agricultura capixaba necessitava, principalmente do cultivo da cana-de-açúcar, de mão-de-obra.

A situação da escravidão disfarçada que os imigrantes se submetiam começava a ser praticada já pelas companhias de navegação e depois se solidificava pela legislação. O agente consular em Vitória, Ricardo Rizzetto comentava o sistema de parceria: "Os colonos foram chamados para substituir os escravos. Não que o fazendeiro falte com respeito à sua pessoa, mas porque os considera como instrumento de trabalho e nada mais e especula sobre eles o quanto pode".

Vítimas do Estado Novo

Os alemães e italianos, incluindo os seus descendentes, foram as grandes vítimas da repressão do nacionalismo exacerbado do Estado Novo, na 1º Guerra Mundial. No último dia 17, completaram-se 50 anos do quebra-quebra das propriedades dos descendentes dos imigrantes, das perseguições, calúnias e prisões no Espírito Santo. Chamados de "quintas-colunas", muitos tiveram suas propriedades confiscadas pelo governo brasileiro. Não existe memória desta parte da história. Todos os documentos foram perdidos ou queimados. O jornalista e critico de cinema de A GAZETA, Amylton de Almeida, pesquisou o assunto durante dez anos e tudo o que conseguiu foram depoimentos dos sobreviventes. Todo o material foi reunido no documentário Incêndio nas Mentes, produzido e dirigido pelo próprio Amylton.

Decreto

Tudo começou com o decreto presidencial de 1º de março de 1938, que proibia o uso da língua estrangeira. Segundo o documentário em vídeo, os alemães só perceberam que havia uma guerra mundial quando começaram a faltar mantimentos que eles não produziam, como querosene e açúcar. Em julho de 1942, navios brasileiros foram afundados pelos alemães. Em agosto, os descendentes passaram a ser "inimigos" dos brasileiros e foram perseguidos.

Em 1942, Vitória contava com 40 mil habitantes e todos viviam em clima de guerra. O porto era vigiado constantemente e sabia-se da mobilização de ingleses e americanos. Quando a sirene tocava, a população apagava as luzes de suas casas e colocava cortinas pretas nas janelas. Só os holofotes dos navios cruzavam os céus.

Com financiamento inglês e americano, ampliava-se do outro lado da baía, a instalação do porto, que viria armazenar 47 mil toneladas de minério. Em 30 de julho, notificou-se o afundamento do navio Tamandaré pelos alemães e a Casa do Estudante Capixaba fez uma passeata pelo centro da cidade.

Em 15 de agosto, o navio Itajubá saiu de Vitória para Salvador, navegando na costa do litoral. Dois dias depois foi torpedeado por um submarino alemão. Dos 121 passageiros, 31 desapareceram. Com a censura imposta pelos órgãos oficiais, ninguém sabia ao certo o que havia acontecido.

Um dos depoimentos de Incêncio na Mente, revela que o serviço de informação capixaba da época, uma espécie de SNI, recebeu um telegrama do governo federal para que fossem provocadas manifestações do povo contra o eixo. “O movimento foi programado pelo governo", afirma o documentário. Em seguida, houve o quebra-quebra contra "os traidores da pátria, agentes do nazifascismo". Até hoje, não ficou nada comprovado se as pessoas eram mesmo traidoras. Depois, muitas propriedades passaram para os nomes dos saqueadores. Diversas lojas foram saqueadas.

Não se sabe o número exato, mas muitos alemães foram levados para onde se situa, hoje, o Hospital das Clínicas. Ficaram confinados durante seis meses. Depois, foram liberados. Os que tinham imóveis, alugaram as propriedades para garantir o seu sustento. Os que não tinham ficaram na miséria. Alguns foram para Maruípe, onde fundaram o bairro.

Depois do quebra-quebra, veio o decreto que determinava que as propriedades dos quintas-colunas passariam para o Estado como forma de indenização dos ataques alemães aos navios brasileiros. A bebida alcoólica foi proibida e ninguém podia circular nas ruas depois das 18 horas. "O decreto federal, na prática, passou a ser puro saque", afirma o vídeo. Terminado o quebra-quebra na Capital, as escoltas policiais partiram para o interior, onde estavam os alemães que não falavam português.

Incêndio nas Mentes relembra o terror vivido pelos pomeranos de Lagoa de Serra Pelada, distrito de Afonso Cláudio. Pastores foram perseguidos, presos e alguns deportadas. Muitos alemães se esconderam na floresta para não serem presos. Diversas casas foram metralhadas e até as lápides de alemães no cemitério foram quebradas. Bombas foram jogadas em casas de italianos e alemães.

Amylton de Almeida lembra que há um ditado dos pomeranos que diz: "Ao primeiro a morte, ao segundo a miséria, ao terceiro o pão". Para o jornalista, isso sintetiza o sofrimento histórico daquele povo, desde as guerras de que foram vítimas na Alemanha até as perseguições no Espírito Santo. O vídeo que mantém um clima de indignação interroga: "Como os mortos podem recordar se estão mortos?".

 

Fonte: O reinado do café, A Gazeta 31/08/1992
Pesquisa e textos: Geraldo Hasse, Linda Kogure e Abmir Aljeus
Fotos: Valter Monteiro e Tadeu Bianconi
Concepção gráfica: Sebastião Vargas
Ilustração: Pater
Edição: Orlando Eller
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2016

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