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O velho e o novo - Academia Espírito-santense de Letras

Sede da Academia Espírito-santense de Letras, propriedade doada por Kosciuszko Barbosa Leão, um de seus mais destacados participantes

A morte do professor Kosciuszko Barbosa Leão, um dos mais destacados participantes da Academia Espírito-santense de Letras (a quem doou a casa de sua propriedade) reabriu-se o debate em torno do movimento cultural no Espírito Santo, particularmente no que se refere à criação literária.

Enquanto o professor Nelson Abel de Almeida se ressente da falta de recursos para desenvolver atividades mais importantes, Xerxes Gusmão Neto propõe maior divulgação cultural para permitir que todas as camadas da população possam ficar informadas e se motivar em torno da cultura e das artes.

A Academia Espírito-Santense de Letras foi fundada em 1921 em sessão presidida por dom Benedito Paulo Alves de Sousa, terceiro bispo do Espírito Santo. A reunião se realizou no antigo Clube Boêmios, que ficava no Parque Moscoso e contou com a presença dos acadêmicos Alarico de Freitas, Sezefredo Garcia de Resende, Elpidio Pimentel, desembargador Ferreira Coelho, Thiers Velloso, Arquimimo Matos, Afonso Correia Lyrio, Jair Trovar e Manoel Pimenta, além da participação de Henrique O’ Reiily de Souza, João Aguirre, Oscar J. Couto, Aluísio Silva, Arnolfo Matos, Luiz Antonino, Aristóteles da Silva Santos, Fernando Rabello, Olindo Aguirre, João Bastos e Genserico de Assis.

Segundo seu atual presidente, professor Nelson Abel de Almeida, durante os primeiros anos de seu funcionamento, a Academia era um dos destaques na vida social e cultural da cidade, sendo que suas atividades sempre mereceram destaque na imprensa local, constituída na época pelos jornais Diário da Manhã, Diário da Tarde e A Vitória, que publicavam até mesmo os discursos proferidos pelos acadêmicos, particularmente nas sessões solenes. Ao fazer essa observação, o professor Nelson Abel de Almeida lamenta que tal destaque não seja mais dado pelos meios de divulgação e atribui essa diferença ao dinamismo da vida moderna, comentando que antigamente a imprensa não tinha muitas notícias “com que preencher o espaço”. Ao mesmo tempo, entretanto, referiu-se ao fato de que a estrutura atual dos meios de comunicação é essencialmente empresarial.

Nelson Abel de Almeida justificou o aparente imobilismo da Academia com a falta de recursos, dizendo que a entidade vive apenas com verbas a ela destinadas por parlamentares no âmbito federal, o que impede a realização de atividades mais marcantes. Apesar disso, entretanto, vários cursos têm sido ministrados, não só em Vitória como no interior, quase sempre promovidos por faculdades que convidam os membros da Academia a proferirem palestras, conferências e debates, essencialmente sobre literatura. Além disso, a Academia realiza sessões mensais das quais participam seus quarenta membros. De quatro anos para cá, essas reuniões têm sido feitas na residência onde morava o professor Kosciuszko, em frente ao Palácio Anchieta.

Sobre as acusações segundo as quais a Academia se constitui numa espécie de “panelinha”, o professor Nelson Abel de Almeida reclama a falta de interesse dos intelectuais mais jovens em torno de suas atividades e alega que em todas as atividades humanas existem grupos que se identificam mais. Disse também que quase nunca a Academia recebe as publicações feitas no Espírito Santo, nem mesmo as promovidas pela Fundação Cultural e ressaltou que comparece a todos os acontecimentos culturais da cidade, a não ser quando impedido por viagem ou compromissos anteriormente firmados, para frisar que, em certos eventos, como o recente lançamento de uma antologia poética, nem mesmo alguns dos autores publicados estiveram presentes. Com isso, procurou demonstrar que o desinteresse não propriamente da Academia, mas dos próprios intelectuais que se dizem marginalizados.

Outra resposta que dá aos que se queixam do pouco acesso à Academia é que, por outro lado a imprensa (onde vários intelectuais jovens militam) ignora de forma quase completa os intelectuais mais idosos, lembrando que sempre que há uma promoção da Academia ele manda convite para os jornais, que quase nunca se fazem representar por repórteres e raramente divulgam suas atividades, a não ser em casos isolados, mais como fruto de seu relacionamento de amizade com alguns jornalistas e empresários da imprensa do que propriamente como fatos ligados ao universo cultural da cidade e do Estado.

Ainda queixando-se do tratamento dispensado pela imprensa à entidade que dirige, exemplificou com uma crítica recente à reedição de uma obra do escritor extinto Ceciliano Abel de Almeida (seu pai), publicada originalmente em 1954, onde o crítico se refere à linguagem desatualizada do livro. “Como é que uma obra escrita em 1954 pode ter uma linguagem atual?”, pergunta ele. Ainda sobre esse aspecto, realçou o pouco interesse verificado nos dias atuais pelos relançamentos de livros que, segundo suas palavras, se não têm maiores méritos, pelo menos retratam uma realidade histórica que precisa ser registrada e mantida como depoimento às gerações futuras.

Para ele, a rebeldia da juventude é perfeitamente natural, não sendo de hoje as manifestações de vanguarda que sempre estiveram presentes na vida literária e cultural da cidade, do Estado, do Brasil e mesmo no âmbito mais abrangente da realidade mundial. “O que acontece é que esse pessoal pensa que o movimento literário da juventude está começando agora, mas ele é velho como o tempo. Em 1947, quando eu tinha 42 anos, eu já participava da Academia Capixaba dos Novos. O que não havia e que se criou (e que não tem razão de existir) é a bestidade de separar velhos e moços. Na minha época de juventude todos conviviam, cada um dentro de suas características. Hoje em dia não se vê mais festas com a participação de pessoas mais velhas e mais jovens, como se os velhos fossem atrapalhar os jovens de dançar”, desabafa o professor Nelson Abel de Almeida.

Entre os planos que pretende realizar a frente da Academia Espírito-Santense de Letras, está incluído um arquivo onde se registrem todas as publicações feitas por capixabas, a fim de criar um acervo que sirva como ponto de referência e material de consulta. Ele vai propor também a realização de um encontro das Academias de Letras de todo o país, além de uma Semana da Cultura do Espírito Santo, possivelmente através da UFES, que se encarregaria de fornecer os diplomas aos participantes. (“mesmo sabendo que isso não tem importância, mas seria uma forma de estímulo ao comparecimento do maior número possível de pessoas”).

XERXES CRITICA A ACADEMIA

Xerxes Gusmão Neto, um dos mais representativos intelectuais jovens da cidade, explica a falta de interesse dos escritores mais moços em participar da Academia Espírito-Santense de Letras a partir da própria denominação da entidade, que, segundo disse, “assusta um pouco, pois dá a impressão de coisa estabelecida, antiga, ultrapassada, com uma estrutura pouco adequada aos tempos de hoje. Essa observação, no entanto, não chega a ser uma espécie de preconceito, mas está fundada no respeito da Academia Brasileira de Letras, onde se usa até hoje o fardão e onde a participação inédita de uma mulher mereceu manchetes. Talvez por isso, muitos bons escritores não querem saber da Academia, apesar de ser inegável que excelentes escritores pertencem a ela”.

Ressaltando que não tem nada contra ninguém da Academia Espírito-Santense e dizendo que todo trabalho cultural merece respeito, lembrou que sempre procurou fazer uma poesia com uma linguagem atual, fugindo de uma postura literária acadêmica: “O fato é que nós, que participamos de um movimento de jovens poetas, não nos sentíamos e não nos sentimos em condições de discutir com o pessoal da Academia por falta de identidade, por discordar das rimas, das métricas, sem dizer com isso que não haja possibilidade para um entendimento. Por outro lado, quando a Academia chamou um jovem para conversar? Particularmente, não sei se a Academia tem alguma coisa a me dar, mas eu estou inserido em preocupações dentro de uma perspectiva de um trabalho mais amplo. E ainda: o ingresso de um jovem entre pessoas que vivem uma realidade vivencial completamente diversa levaria a um certo isolamento pelo fato de ser uma pessoa que freqüenta lugares diferentes, que tem preocupações filosóficas absolutamente incompatíveis com a formação cultural dos membros da Academia”.

Xerxes declarou que gostaria de participar de uma sociedade cultural aberta a todas as fontes de produção de cultura, incluindo-se cinema, teatro, literatura, pintura, etc. e que tenha uma participação ativa na comunidade, facilitando o acesso do povo às obras e procurando sensibilizar a população, notadamente do interior, à intensificação de suas práticas culturais, principalmente através de uma informação sistemática dos acontecimentos do setor. Apesar do modelo que propõe corresponder de certa forma, ao projeto da Casa da Cultura, ele observa que nada impede o renascimento da Academia dos Novos, até mesmo como uma forma de aproximação com o pessoal da Academia Espírito-Santense, que, a seu ver, merece todo o respeito e tem uma contribuição valiosa a prestar à vida cultural do Estado.

- Há vários caminhos para a dinamização da vida cultural e particularmente do meu setor, a produção literária. O essencial é dar condições a quem produz de discutir seus trabalhos e permitir a publicação de obras selecionadas dentro de critérios pré-fixados, principalmente através da participação decisiva do Poder Público, através do financiamento de edições, uma vez que é público e notório o fato de que ninguém consegue viver da produção literária, notadamente poesia, a não ser em raríssimas exceções. Essa seleção deve ser feita sem preconceitos, sem panelinhas, buscando atrair todos que tenham uma mensagem que esteja sendo tolhida pela falta de recursos para sua divulgação. Por outro lado, deve ser estimulada a realização de todas as formas de aprimoramento dos intelectuais e artistas, a saber: debates, cursos, palestras, implantação de bibliotecas, ao lado de um trabalho de divulgação sistemática que propicie a formação de um clima favorável à criação artística. Se alguém ouve falar o tempo todo de futebol, sua tendência é tornar-se um entendido no assunto e sua vida será direcionada, pelo menos em parte, pelo futebol. O papel da imprensa seria destacar o movimento cultural para criar uma expectativa em torno do assunto.

Em sua opinião, a Fundação Cultural deveria nortear sua atividade em dois campos: internamente, deve aproveitar os valores culturais nativos, divulgando o trabalho do pessoal de Vitória e do interior do Estado e procurando aprimorar esses valores, através de cursos, seminários, edição de livros, distribuição, informação de forma geral. Externamente, deve promover cada vez mais o intercâmbio com pontos do país mais evoluídos no setor, divulgando as experiências, realizando, procurando trazer filmes, peças e shows para o público capixaba.

Sobre a recém-criada Orquestra Sinfônica, Xerxes criticou a iniciativa, justamente por não estar dentro das perspectivas que ele acha as mais convenientes e que abrangem a participação do maior número possível de pessoas: “não pode haver a preocupação com iniciativas destinadas a um grupo restrito de pessoas, mas sim dotar todos os segmentos da sociedade de atividade cultural. Se não temos grupos de teatro, não temos nem sequer um regional, como fazer uma orquestra sinfônica?”

 

Fonte: Jornal A Gazeta – Caderno 2  Arte e Lazer,  28/05/1979
Compilação: Walter de Aguiar Filho, setembro/2014

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