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Os Casarões do Contorno – Por Adelpho Monjardim

Casarão na estrada do contorno, sem data

Da feliz inspiração do Prefeito Dr. Américo Monjardim nasceu a Estrada do Contorno. Não só para benefício da Capital, mas também das propriedades daquela zona, isoladas do seu convívio. A Estrada resolveu o problema, integrando à coletividade vitoriense uma das suas melhores glebas. Não só as únicas vantagens: fertilíssima, a região possui esplêndidos sítios que suprem a cidade de verduras, leite e outras tantas necessidades. O crescimento rápido local outra característica importante — de ambas as cabeceiras da estrada as construções se erguem como num passe de mágica.

Entre os quilômetros seis e sete, a Ilha das Caieiras, hoje ligada à da Vitória. Nesse povoado extremamente pitoresco reside um núcleo de pescadores. Sobre uma colina, à beira-mar, a Capelinha de Nossa Senhora da Conceição serve ao culto, àquela humilde e boa gente. Junto à praia, também rua principal, está velho chafariz, mandado construir pelo Barão de Monjardim, ainda no Império.

Esse trecho Norte de Vitória era completamente desconhecido, pois só em alguns pontos era acessível apenas por pedestres e cavaleiros. Para oeste a paisagem se apresenta quase sempre plana e acidentada em alguns trechos, com minúsculos vales e espetaculares formações rochosas que se estendem em negros lençóis sobre o verde tabuleiro de relvas. A leste a montanha continua e alguns cabeços graníticos formam elevações curiosas, agressivas, de selvagem e arrebatadora beleza. As cuidadas encostas são pastagens onde o gado pasta livre. Em uma delas abre-se interessante gruta, onde se fazem piqueniques.

Nas alturas das Caieiras da Estrada, elevado e rochoso paredão barra a passagem, forçando-a a dilatada curva. A espetacular mole é uma das pontas do Morro do Cabral, que desce sobre o Contorno. No paredão, a pique, vicejam gravatás, que ao carrancudo e sombrio semblante dão tinturas frescas. Nas suas bases, que se aprofundam na terra fofa e úmida, piteiras de folhas largas apontam para o céu os finos estipes. No rebordo, sobre o abismo, sulcos profundos formam calhas por onde as águas das chuvas se lançam a jorros, motivando a alcunha de Pedra da Mijada. Junto, dentro da mata, fica o reservatório de água para Caieiras. Todo de pedra, hermeticamente fechado, é antiqüíssimo, talvez colonial. Situa-se na entrada de profunda lapa formada por blocos rolados das encostas. Abre-se pela parte superior, por onde árvores seculares deitam raízes e cipós, até ao interior do manancial.

Distanciados, ao longo da Estrada, três casarões se alinham, embora arruinados, atestam ainda a abastança dos seus antigos senhores. Habitados por gente humilde, gangrenados pelo tempo, vão-se desmembrando, lentamente, como três morféticos. Um deles, o principal, pertenceu a um antigo Senhor de Santo Antônio, homem influente e de largos recursos. A lenda fala de misterioso subterrâneo ali existente, no qual, outrora, se homiziavam salteadores do mar.

Não é a primeira vez que a História nos fala de flibusteiros em Vitória. Até ao Século XVII, praticamente desguarnecida, poderia abrigar bucaneiros, quando exaustos das correrias oceânicas, enfarados do balanço das ondas, buscavam a terra firme para descanso. Também poderia ter sido ali o quartel general onde se informavam das embarcações que entravam saíam; dos carregamentos e valor dos mesmos; tudo que os habilitassem a bem sucedidos ataques.

O casarão, plantado em lugar remoto, distante de tudo e de todos, onde não iam a não ser os de casa, era como que zona proibida, interditada a estranhos. O mistério que o envolvia em uma nebulosa, alimentou e fortaleceu a lenda que então se criou. Estranho e mesmo singular que senhor tão rico vivesse no meio de uma pobreza extrema. Não eram tão florescentes as suas lavouras para a abastança que ostentava. Mistério que até hoje perdura.

Verdadeira ou não, a história vem de longa data, embora imprecisa, quase diluída ao joeirar das idades. Segundo consta, foram vários os senhores de Santo Antônio. Alguns por herança e outros por compra das aludidas terras. Mesmo esses não foram poucos, de modo que não sabemos qual o que viveu naqueles agitados dias.

Contam que as arribadas eram para a partilha dos butins; sempre ruidosas, violentas e que terminavam em mortes.

Até hoje se contam histórias horripilantes ali passadas. Histórias que aquelas carcomidas paredes guardam avaramente. Palco e cenário que foram de manifestações extraterrenas; que o vulgo conhece por assombrações. Luzes fantasmagóricas perambulavam pelos cômodos abandonados, refletindo-se através das frinchas das paredes e das desconjuntadas janelas. Gritos, imprecações, arcabuzadas, gemidos e todo o sinistro cortejo de um ajuste de contas entre homens sem fé nem lei, ali eram ouvidos. Hoje, dolorosas caricaturas de fulgente passado, decrépitos, estão lá os casarões solarengos, abandonados mesmo pelos próprios fantasmas.

 

Fonte: O Espírito Santo na História, na Lenda e no Folclore, 1983
Autor: Adelpho Poli Monjardim
Compilação: Walter de Aguiar Filho, dezembro/2015

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