Morro do Moreno: Desde 1535
Site: Divulgando desde 2000 a Cultura e História Capixaba

Os Santos Populares – Por Aerobaldo Lellis Horta

Capa do Livro - A Vitória do meu tempo - Aerobaldo Lelis Horta

SANTO ANTONIO, SÃO JOÃO E SÃO PEDRO Foram sempre considerados santos populares Antônio de Lisboa ou de Pádua, João Batista, o precursor da obra de Jesus, e Pedro, o pescador, apóstolo tornado, por sua ação na disseminação da doutrina cristã, uma das grandes figuras do Cristianismo, vulgarmente conhecido como Chaveiro do Céu, na sua expressão da moradia de Deus e dos anjos e dos puros, segundo os ensinamentos católicos.

Nascidos no mês de junho, os seus festejos sempre se realizaram na véspera e no dia de seu nascimento, saindo dos templos, para tomarem um caráter eminentemente popular, de aspecto profano, festejados nos lares por variados modos.

Entre nós tiveram essas festividades sempre o mesmo entusiasmo, não havendo preferências por um ou por outro, para as comemorações. Santo Antônio, o primeiro a ser festejado, é ainda hoje considerado o santo casamenteiro, a cujas portas as moças desejosas de um matrimônio, vão bater, de maneiras diferentes, principalmente no seu dia, fazendo-se nos lares o jogo das sortes, o da clara de ovo em um copo de água etc. Em Vitória, na minha infância, os festejos consistiam em queimas dos chamados fogos de salão, muitos dos quais eram queimados das janelas e varandas, como as pistolas, as carretilhas, os foguetes pequenos etc. Além desses fogos eram abundantes os balões, cruzando os espaços, havendo entre as famílias a troca das capelas, doces em forma de roda, que constituía o presente de festa naquelas comemorações. Uma coisa já não se fazia mais na cidade: a fogueira.

Se na Capital a fogueira já não era, naquela época, permitida, o mesmo não se dava em Vila Velha, onde os festejos em honra aos três santos se cercavam de grande animação. A fogueira, o pau-de-sebo, o quebra-pote, os fogos davam a nota festiva àquelas comemorações. Porém, era o cateretê o que mais atraía rapazes e moçoilas, enchendo as noites dedicadas a São Antônio, São João e São Pedro.

Era difícil uma rua, onde não houvesse a crepitar, pelo menos, três fogueiras. Eram elas feitas ou de grossos toros, dispostos em quadrados, uns sobre os outros e, quando armadas, cheias de lenha, ou se aproveitavam barricas de farinha de trigo que, da mesma maneira, se enchiam de lenha. As primeiras eram as mais usadas, pelo braseiro que produziam. Enquanto a fogueira queimava, soltavam-se fogos, não havendo menino, por mais pobre que fosse, que não possuísse a sua carta de bomba da China, para soltar ao clarão da fogueira. Queimada a fogueira e feito o braseiro, eram postas nele, para assar, espigas de milho verde, batatas doces e cana caiana. As canas, uma vez recebido certo grau de calor, eram retiradas e batidas com violência no chão, estourando como se fora bomba, e abrindo-se, da olhadura ao pé, para então ser chupada. Quando no braseiro já não existia uma só acha de lenha retardatária, desaparecida a fumaça, assava-se então um pargo ou um papa-terra, sempre maior de um quilo, cheio o ventre de farofa com azeitonas, sem lhe tirarem as escamas, atravessado o peixe, à maneira de um churrasco, a certa altura do braseiro, para a ceia festiva da noite. Fogueira, que não tivesse um peixe para assar, não era fogueira que se prezasse. Na rua, onde se estivesse fincado um pau de sebo ou dependurado um pote para ser quebrado, a afluência de candidatos ao prêmio e de assistentes era sempre grande. Fincado ao solo, todo untado de sebo de baixo para cima, tendo amarrado ao topo uma caixa, contendo certa quantia nunca inferior a cinqüenta mil réis, o pau de sebo sofria o assalto dos pretendentes ao prêmio, em um esforço titânico para alcançarem a caixa, na disputa do seu conteúdo. Nessa luta, iam aos poucos limpando com a própria roupa, em tentativas continuas, trepando-se uns sobre os ombros dos outros não raro prosseguindo para noites seguidas, até alcançarem a ambicionada caixa. Verdadeiro trabalho de Sísifo, no qual o candidato, a certa altura, escorregava até ao chão, sob a assoada dos assistentes. O quebra-pote era também folguedo bastante divertido. Um pote, tendo a boca fechada por um pano nela amarrado, dependura-se ao centro de uma corda, esticada de um a outro lado da rua. O pote contém um gato, estabelecendo-se um prêmio, para quem o quebrar. O candidato mune-se de um cacete, ata-se um lenço cobrindo-lhes os olhos, aproxima-se o candidato da corda, próximo do pote, dá-se um giro em seu corpo, para que ele acene a cacetada no pote. Quem quebra o pote leva o prêmio. Festa popular, o pau de sebo e o quebra pote atraíam sempre assistência numerosa. O cateretê era festa em família, consistindo em uma roda, formada de rapazes e senhoritas, dispostos alternadamente, o quanto o salão pudesse conter. De regra, quinze rapazes e quinze moças. Organizada a roda, um dos componentes entra no meio, os da roda, batendo palmas, começam a cantar:

 

"Meu amor, cateretê,

olha meu bem, já;

Meu amor, meu amor,

o que fazes lá?"

 

Quem está no centro canta uma quadra, sendo que, ao cantar a segunda linha, a roda repete o canto cateretê, seguindo-se o do centro, que completa a quadra, já agora se dirigindo a um da roda, que é então o que vai para o centro. Se a pessoa do centro for um rapaz, dirige-se a uma moça. Se for moça, a um rapaz. O canto do cateretê se constitui de um estribilho a cada duas linhas do verso. Aqui vai como exemplo. A roda:

 

" Meu amor cateretê

olha, meu bem, já,

Meu amor, meu amor,

o que fazes lá?..."

 

O cantor:

 

" Vi o teu rastro na areia...

E fiquei a considerar..."

 

Entra a roda cantando o estribilho:

 

"Meu amor cateretê

Olha , meu bem, já,

Meu amor, meu amor,

O que fazes lá?..."

 

O cantor, então, completa a quadra, cantando:

" Que encantos não tem teu corpo

Se o teu rasto faz chorar..."

 

E assim, prossegue a roda, sempre um ao centro, cantando uma quadra, com o estribilho dos componentes da roda. Para se ter uma ideia dos atrativos dessa maneira familiar de festejarem-se aos três santos populares, basta considerar-se que, durante o ano, rapazes e mocinhas se davam ao trabalho de colecionar quadrinhas trazidas nas costas das folinhas de desfolhar, para com elas animarem as rodas do cateretê e deliciarem a assistência. De quando em vez era a roda interrompida para ser saboreado um prato de canjica, um cálice de vinho ou um pouco de doces, servidos em bandejas.

Era, dessa forma, que em meu tempo se festejavam aqueles santos, queridos e adorados pelo povo, como possuidores de poderes milagrosos.

 

Fonte: A Vitória do meu tempo – Academia Espírito-Santense de Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 2007 – Vitória/ES
Autor: Areobaldo Lellis
Organização e revisão: Francisco Aurelio Ribeiro
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ junho/2020

Pesquisa

Facebook

Leia Mais

O Frade e a Freira - A Lenda por Estêvão Zizzi

Essa é a versão mais próxima da realidade...

Ver Artigo
O Caparaó e a lenda – Por Adelpho Monjardim

Como judiciosamente observou Funchal Garcia, a realidade vem sempre acabar “com o que existe de melhor na nossa vida: a fantasia”

Ver Artigo
A Igreja de São Tiago e a lenda do tesouro dos Jesuítas

Um edifício como o Palácio Anchieta devia apresentar-se cheio de lendas, com os fantasmas dos jesuítas passeando à meia-noite pelos corredores

Ver Artigo
Alcunhas e Apelidos - Os 10 mais conhecidos de origem capixaba

Edifício Nicoletti. É um prédio que fica na Avenida Jerônimo Monteiro, em Vitória. Aparenta uma fachada de três andares mas na realidade tem apenas dois. O último é falso e ...

Ver Artigo
A Academia de Seu Antenor - Por Nelson Abel de Almeida

Era a firma Antenor Guimarães a que explorava, em geral, esse comércio de transporte aqui nesta santa terrinha

Ver Artigo