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Praça Oito de Setembro (ex-praça Santos Dumont)

Obelisco na Praça Oito, em homenagem às comemorações do IV Centenário do ES, em 1935

Primitivamente, o local era conhecido como Cais Grande, depois se chamou Cais da Alfândega, passando, em 1906, a denominar-se praça Santos Dumont, exatamente quando o aviador brasileiro, em Paris, estabelecia os primeiros recordes da aviação, no mundo, com assombro geral. A nova placa do logradouro foi oferecida por Clímaco Soares, proprietário de A Primavera, casa comercial ali existente. Essa homenagem vinha sendo pleiteada desde 1901.

A 8 de setembro de 1911, quando das celebrações do aniversário da fundação da cidade, o governador municipal Cirilo oTovar solicitou a mudança do nome da praça para 8 de Setembro, sendo atendido a 28 do mesmo mês.

Em 1914 o prefeito Washington Pessoa, que antes havia criado as armas do município, assim descritas: - Um escudo encimado pela figura de um castelo (o Convento da Penha); no interior do escudo, de um lado, uma estrela representando a cidade de Vitória; no outro, o símbolo do comércio, fonte principal da receita da prefeitura; em baixo, a entrada do porto, com um vapor, - mandou revestir as calçadas da praça com pedras portuguesas, brancas e pretas, formando mosaicos, sendo que sua arborização teria sido feita desde 1900, quando Cleto Nunes providenciou, junto ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mudas para plantio nas ruas de Vitória.

A praça Oito, como ficou sendo chamada abreviadamente pela população, daí para diante, passou a ser ponto dos mais frequentados da ilha, embora já fosse antes procurada, mormente às noites de quintas-feiras, visto que animada com retretas da banda da Polícia Militar, se exibindo, também de quando em vez, as filarmônicas do Rosário e São Francisco.

Em 1935, por ocasião das comemorações do 400º aniversário de colonização do solo espírito-santense, a família Oliveira Santos doou à cidade artístico obelisco, comemorativo da efeméride, então colocado na área central da praça, a 24 de maio, conforte ata transcrita abaixo:

“Aos vinte e quatro dias do mês de maio do ano de mil novecentos e trinta e cinco, coma presença do Exmo. Sr. Capitão João Punaro Bley, digníssimo Presidente do Estado do Espírito Santo, e demais autoridades estaduais e muitas pessoas gradas desta terra, e também os chefes das famílias Oliveira Santos acompanhados das mesmas, foi, às nove horas da manhã, solenemente colocada a primeira pedra deste monumento.

No ato da colocação da primeira pedra, lançou-lhe a sua benção o Exmo. e Revmo., Sr. D. Luiz Scortegagna, Bispo Diocesano desta Capital.

Desta solenidade foi lavrada a presente data que vai assinada pelo Exmo. Sr. Presidente do Estado e pelo Sr. Bispo Diocesano, autoridades, pessoas gradas e pelos doadores do monumento. Aos 24 dias do mês de 1935.” Seguem-se as assinaturas.

O Diário da manhã, na edição de 15 de maio, registrou:

“Às 9:00h da manhã, já era, na Praça Oito, grande afluência de povo para a cerimônia do lançamento da pedra fundamental do monumento que, num gesto elevado de verdadeira amizade à nossa terra, ofereceu ao Espírito Santo a digníssima família Oliveira Santos, quem, por muitos títulos, já se fez admirada e querida da nossa gente.

Presentes o Exmo. Sr. Governador do Estado, o Exmo, e Revmo. Sr. Bispo Diocesano, magistrados, militares, deputados, professores, jornalistas e grande número de senhoras e senhorinhas da alta sociedade,deu-se início à festividade. D. Luiz Scortegagna lançou a bênção no pedestal e na urna que viria a conter a ata, jornais do dia, moedas em circulação, elementos que marcarão talvez dos tempos a data comemorativa do 4º centenário da Colonização do Solo Espírito-santense, havendo, logo a seguir, o Dr. Armando Oliveira Santos lido a ata da cerimônia, convidando a assiná-la toda as autoridades presentes. Isto feito, usou a palavra o Sr. Alberto Oliveira Santos, Vice-Cônsul de Portugal, fazendo o oferecimento do monumento que embelezará a nossa cidade e assinalará o gesto cordial e nobre de uma família honrada que aqui, de a longo tempo, vem conosco trabalhando e cooperando magnificamente no engrandecimento do Espírito Santo. Seu discurso – que publicaremos na íntegra na edição de domingo – foi uma página magnífica de rememoração histórica e acentuado amor à nossa terra acolhedora e boa. Justos aplausos se ouviram no final de sua oração, sendo convidado o Exmo. Sr. Governador do Estado para colocar a pedra básica no monumento, o que se processou sob palmas dos assistentes.

Usou, então, da palavra o Dr. Gilberto Barcellos, procurador da Fazenda Municipal, que agradeceu, em nome da cidade, a oferta da família Oliveira Santos, frisando a levantada significação desse gesto demonstrador dos puros sentimentos que a ornam e a fazem destacada em nossa sociedade.

E assim terminou a cerimônia, havendo a família Oliveira Santos, presente a ato por todos os seus membros, recebido cumprimentos e felicitações das autoridades e demais pessoas que acorreram à festividade.

Todos os aspectos da cerimônia foram filmados, havendo sido também batidas inúmeras chapas fotográficas.”

Esse obelisco, em 1940, foi removido para o final da Capixaba, ocupando o espaço onde antes de erguia a estátua do trabalho, que, transferida dali, passou a figurar em praça fronteira à antiga sede da Prefeitura municipal de Vitória, cujo edifício foi demolido, recentemente, embora sob justos protestos dos ilhéus. Esse mesmo obelisco, quando prefeito da cidade o médico Carlos Von Schilgen, ganhou novo local, já que removido para o aterro da Comdusa, na Praia do Canto, o que é de se lastimar, visto que jamais devia ter saído da praça Oito, onde inaugurado, em cujo lugar foi colocado um relógio, montado pelo artista alemão Ricardo Schorling, pai da aviadora e pára-quedista Rosa Helena Schorling. Esse relógio, agora não mais funcionando, antes, de hora em hora, emitia os acordes iniciais do Hino do Espírito Santo, de autoria de Peçanha Póvoa, com música de Arthur Napoleão.

Conheci a praça Oito em seu período melhor, suas casas comerciais sempre cheias, grupos de senhores ali se encontrando para discussão de negócios, quando não para tecer comentários maledicentes sobre seus desafetos, o elemento feminino como alvo predileto dos mais linguarudos, dos fofoqueiros, daí a precisão deste registro do cronista Eugênio Sette:

“...A Praça Oito me parece uma mulher dama, muito vivida, experimentada, que não arrepia carreira, nem se encabula com uma piada mais grosseira. Já viu tudo. E, por isso, aguenta firme, consciente do seu papel.

A Praça Oito é do povo como esta frase é de Castro Alves. E o povo não perdoa. Ninguém se aguenta, na Praça. Aquilo é um rolo compressor. Arraza. Coventriza reputações. Desmancha poses e cartazes. Aniquila. Às vezes, aos poucos, outras vezes sumariamente. Zurze o couro alheio com uma força digna de Hércules. E nenhuma reação é possível, porque todos sabem de tudo e, ao mesmo tempo, ninguém sabe de nada. É o mesmo que se esmurrar o vento. Não há resistência. Na vida dos ilhéus, a Praça não deve ser menosprezada. Porque ela é um monstro de precisão – registra tudo. É um aparelho mecanicamente ainda não inventado, tamanho é o seu poder de captação, retenção e distribuição. Tudo, nela, tem sua razão de ser.

O desavisado, ao primeiro contacto que tem com ela, se espanta, arregala os olhos, abre a boca, dá a impressão de que vai engolir o mundo. Fica sem ar. Depois, passa o fenômeno. Aos poucos, se acostuma ao ambiente. E fica sabendo que é assim mesmo, que ninguém pode mudar coisa alguma. A Praça pode ser chamada de realidade, fantasia, opinião pública. O nome, pouco importa. Ela é a Praça!”

Quando da última guerra mundial, este logradouro foi palco de muitas demonstrações de civismo, nela se armando, inclusive, uma pirâmide metálica, cujo objetivo era angariar material para construção de aviões brasileiros. Ninguém deixou de dar sua contribuição, com a oferta de peças de alumínio, estanho, de ferro, que tivesse disponível em casa, que fosse de metal. Os casais, mesmo os mais pobres, ofereciam suas alianças. O Vitória Futebol Clube, de grandes tradições na vida desportista da cidade, entregou, se bem me recordo, aos organizadores da pirâmide, todas as suas traças, troféus de tamanhos e formatos diversos, conquistados em competições dentro e fora do Estado, os oradores, velhos ou moços, encorajando o povo à luta contra os inimigos da Nação.

Em 1945, a praça se transformou num imenso altar, obra executada pelo professor Américo Guimarães Costa, para a celebração do 1º Congresso Eucarístico Diocesano, em comemoração do cinquentenário da Diocese do Espírito Santo, com a presença do Núncio Apostólico Dom Aloísio Masella, do Cardeal Dom Jayme de Barros Câmara e de mais uma vintena de arcebispos e bispo de todo o Brasil, - um acontecimento deveras empolgante, inesquecível, tal a magnificência de seus ofícios religiosos, a cidade inteira se musicando pelos acordes do hino oficial do conclave.

Ainda em 1945 realizou-se, na mesma área, concorridíssimo comício da UDN, com a presença do Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato do partido a Presidente da República a seu lado podendo ser vistos políticos de renome, como Arthur Bernardes e Odilon Braga. A praça ficou tomada de lenços brancos, esvoaçantes, como a lembrar uma revoada de pombos...

Das casas comerciais, dando frente para a praça, se destacavam a Farmácia Aguirre, a Joalheria Petrochi, o Café Globo, o Petrópolis, o Bar Central, este em prédio onde antes fora a alfaiataria de Hildebrando Resemini, o  Pan-Americano, vendendo objetos finos, importados e a Flor de Maio, especializada em vendas de chapéus, bengalas, guarda-chuvas e malas, ainda de pé, dando às sua vitrinas já agora, outra disposição.

Ladeavam a praça o prédio da Alfândega e o Banco Agrícola do Espírito Santo (atual Banestes), ambos demolidos.

Na praça, protegido por um muro balaustrado, ficava o cais dos botes, com muitos catraieiros, homens falantes, condutores dos que moravam do outro lado da baía, Também, com saída para a praça, ficava o ancoradouro das barcas, que faziam o mesmo trajeto dos botes, sendo igual o preço das passagens cobrado por esses dois tipos de embarcações. As lanchas se chamavam Elisabeth, a maior, e Santa Cecília, que se substituíam eventualmente.

As catraias tinham nomes do céu: - São Lucas, São Pedro, São Jerônimo, São Bartolomeu, Anjo da Guarda, Nossa Senhora dos Navegantes, da Boa Viagem, da Penha, Mãe de Deus, sendo que outras levavam o nome ou apelido de seus proprietários: - Ari, Mestre Antônio, Gaúcho... Era uma algazarra viajar nesses botes, sobretudo em dias de mar agitado, os catraieiros e passageiros se irmanando, contando anedotas e piadas, a travessia se demorando mais, o medo de alguns servindo de gozação aos outros. Também esses barcos se encarregavam de trazer à ilha ou levar ao continente os tripulantes e passageiros de navios que, por falta de cais, então ainda em construção, lançavam suas âncoras no meio da baía.

Não eram só os moradores do continente que desembarcavam na praça Oito, mas também os que vinham de bonde, dos arrabaldes da cidade, de forma que esse logradouro se tornava o ponto de convergência de todos.

O carnaval, na sua fase mais brilhante, ali se expandia, os blocos de sujos fervilhando nos bares, os mascarados do “corso” gritando pelos conhecidos, que, nas calçadas, se apinhavam, a apreciar o que ia acontecendo ao redor, todos numa euforia que já não descubro nos foliões de agora. O chão da praça, momescos, atapetava-se de confete, de serpentinas, o ar aromatizado pelo lança-perfumes, então vistos nas mãos de velhos, moços e crianças.

Hoje, a praça Oito já não é nem sombra do que fora antes em frequência e animação. Tiraram-lhe as árvores, copados oitizeiros, as casas comerciais são vulgares, os que lá transitam se esbarram em tabuleiros de vendedores ambulantes, os ônibus se amontoam nos pontos, recebendo ou desembarcando passageiros, os abrigos e bancos de mau acabamento, os mendigos ressonando nas calçadas, tudo numa desordem que só faz aumentar a saudade naqueles que, noutros tempos, por ali passaram ou ficaram a prosear...

 

Fonte: Logradouros antigos de Vitória, 1999
Autor: Elmo Elton
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2012 

Parabéns, Vitória (desde 8 de setembro de 1551)

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