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Primeira metade do Século XVII – Por Mário Freire

Estrada para subida do Convento da Penha

Vencidos os holandeses, foram os moradores do Espírito Santo surpreendidos, em 1627, com as exigências que, da Bahia, formulava o Provedor-mor, insistindo pela regularização dos tributos e imediata quitação dos atrasados.

Semelhante subordinação provocou uma divergência, bastante significativa, de desapreço por esta Capitania. Tendo um de seus moradores arrematado a cobrança dos respectivos dízimos, à razão de 3850 cruzados anuais, não prevaleceu essa arrematação porque outra houvera na Bahia. Como, porém, o arrematante preferido oferecera, de lá, apena 2500, a mesma Provedoria determinou que ele pagaria, além do que fora oferecido e lançado no Espírito Santo, mais 50 cruzados, pelo triênio do costume nesses contratos . Cobravam-se nove tostões pela arroba de açúcar branco e 500 reis pela do "mascavado".

Nomeado Francisco Garcia dos Santos Capitão-mór, por um novo Donatário, cujo direito à herança ainda não estava reconhecido, impugnou-o a Câmara de Vitória. Por isso, ainda em 1627, o Governador Geral Diogo Luiz de Oliveira resolveu que o Capitão Manoel de Escovar Cabral passasse a servir "misticamente", isto é, ao mesmo tempo, de Capitão-mór, Ouvidor e Provedor da Fazenda.

Não obstante reiteradamente proibidas, as acumulações de ofícios e ordenados continuavam mantidas, conforme se vê, em relação aos militares quando Capitães-móres: além do ordenado de cem mil réis, pagos pela donataria, não deixavam de receber o próprio soldo. Um deles recebeu mais: ficou também com o que caberia a um pagem do ginete, como então se dizia... Outros, como este, acumulavam funções, de Ouvidor, especialmente proibidas aos Governadores.

Abusivas despesas extraordinárias comprometiam ainda mais as rudimentares disposições de caráter orçamentário, prefixadas no princípio do século.

A Capitania, contudo, prosperava. Assim é de presumir, quando se sabe que, em 1629, Manoel de Melo trouxe de S. Paulo 43 escravos para vender no Espírito Santo, segundo registraram os jesuítas; e se vê os franciscanos transformando, em 1630, a primitiva capela no santuário da Penha, como registrou Jaboatão.

Governando "por sua Majestade", o citado Capitão-mór doou aos carmelitas, em 1631, como sesmeiro que então era das terras entre esta Capitania e Cabo-Frio, umas terras requeridas por eles, em Macaé e Paraíba, Capitania esta reincorporada na Coroa.

Um velho mapa da costa do Espírito Santo, em 1631, acusa um engenho pouco antes do "Pão de Açúcar" (o "Penedo"), designado como do Azeredo; adiante o forte de S. Marcos; do lado oposto, o de S. Miguel. Figuram ainda quatro trapiches (engenhos de bois), em frente à vila da Vitória; e, na embocadura do atual S. Maria, dois engenhos: o da direita de Francisco de Aguiar; e o da esquerda de Leonardo Froes.

Empenhados, a princípio, somente em "entradas" para catequese, começaram os jesuítas a demonstrar interesse também pelo descobri mento das esmeraldas: um alvará régio autorizou-os a promoverem uma exploração, para a qual receberam 4 000 cruzados. Haviam requerido para ir à própria custa, mais interessados em converter o gentio da zona. A expedição partiu em 1634; dirigiu-a o Padre Inácio de Siqueira, grande sertanista, como foram também os Padres Domingos Garcia e Diogo Fernandes, Superiores no começo desse século, respectivamente, das aldeias de S. Inácio e Reritiba. O último era natural do Espírito Santo.

Nada tendo encontrado, os jesuítas passaram a auxiliar e acompanhar as expedições empreendidas por Antônio e Domingos de Azeredo, filhos do célebre Marcos de Azeredo. Haviam principiado acompanhando o Pai; e pode-se afirmar que se lhes devem as mais importantes explorações nesta Capitania, durante a primeira metade do século XVII.

Descendente de Vasco Fernandes Coutinho, Frederico de Mello, sertanista nascido no Espírito • Santo, preferiu ir residir em São Paulo, onde sempre trabalhou e morreu.

No intuito de fomentar, ainda mais, as explorações, uma Carta régia de 1617 mandou entregar as minas a quem porventura as descobrisse, ressalvado sempre o quinto devido à Coroa. Merecem destaque as resoluções baixadas com essa diretriz, quando há quem filie o espírito nativista, no Brasil, à ocupação dos sertões por elementos colonizadores, dessa forma integrados definitivamente na colônia, sem mais a preocupação de voltar à pátria de origem.

João Dias Guedes, Capitão-mór, asseverava, convicto, em 1639: "Nós possuímos também ricas minas de ouro, afora as do Castelo; é para mim cousa certa". E descreveu como um índio manso, subindo pelo rio Muqui, voltava sempre, depois de uma semana, carregado de peles de animais, e trazendo também "folhetas de ouro". Tirava-as, segundo dizia, de uma cachoeira que, no sertão de Campuan, precipitava-se como panos ou camisas lavadas.

Uma figura ou imagem semelhante há no roteiro, para encontrar ouro no Caparaó, atribuído ao guarda-mór Borges : devia-se buscar, ao longe, uma serra vista para o nascente, do mais alto do ponto de outra donde nasce o rio da Casca, e assinalada por uma corrente de águas claras imitando lençóis estendidos.

Puderam os franciscanos ampliar, em 1637, a ermida da Penha, transformando-a em santuário; pouco depois, faziam o calçamento da ladeira.

Instalados ao norte, os holandeses tentaram mais urna vez invadir o Espírito Santo, pouco antes de conhecida, na colônia, a libertação de Portugal, do domínio espanhol. Em dezembro de 1640, o Coronel Koin não logrou êxito num assalto à vila do Espírito Santo. Barléu atribui o insucesso ao escasso traquejo dos soldados trazidos, e à falta de pequenas embarcações, para facilitar o desembarque. Os portugueses, que ele afirma prevenidos do projetado assalto, haviam levantado obras de defesa, e mandado buscar reforços do Rio. Assim, do alto de um morro forçaram os invasores a retroceder, depois de mortos 60 soldados e oficiais, além de feridos 80 pelo fogo de cinco peças. Ao retirarem-se, os invasores tentaram incendiar as casas, que, construídas de tijolos, resistiram. Carregaram, porém, duas naus contendo 450 caixas de açúcar; atingidas pelo fogo de terra, perdeu-se grande parte da carga. Netscher, que resume o desastre, salienta a presença do conselheiro político Nieulant, e consigna, entre mortos e feridos, 13 oficiais e 100 soldados.

De outro lado, o vigário de Vitória deixou um curioso registro desse sucesso: desembarcaram 600 holandeses, vindos em 11 embarcações, sob o comando, presumia ele, de João Delchi. Foram derrotados no porto de Roças Velhas, estância do Colégio.

Por esse registro, a primitiva Casa onde os jesuítas ministravam instrução aos não-batisados, e que só em 1654 foi elevada a Colégio, já era assim conhecida, pelo menos, vulgarmente. Essa designação, segundo o Padre Nóbrega, era conservada para as Casas de educação de cristãos.

A falta de notícias de festas pela Restauração de Portugal justifica o que dizem historiadores quando afirmam que D. João IV, o novo Rei, suprimiu discretamente quaisquer solenidades, e cuidou de reforçar a defesa do Reino.

As pedras do Espírito Santo de novo interessaram Portugal, logo após a Restauração: lapidários de Lisboa haviam reconhecido como diamantes finos e verdadeiros, algumas que Antônio de Azeredo encontrara. A Corte recomendou outras expedições; e a notícia levou os filhos de Marcos de Azeredo, novamente, ao sertão, acompanhados ainda por dois jesuítas.

As sucessivas quebras no valor da moeda portuguesa, a partir de 1640, agravaram as conseqüências já bastante sensíveis da crise do açúcar. A fundação da Casa da Moeda em 1694, a princípio na Bahia, com a incumbência de fornecer uma moeda própria da Colônia, foi medida acertada, mas tardia.

As condições do Espírito Santo, embora melhores, não tentaram o novo Donatário, Ambrosio de Aguiar Coutinho: herdando-o em 1643, nunca por ele se interessou. Era Governador nos Açores.

A Câmara do Rio achara oportuno fixar, em correição do Ouvidor, o preço das passagens para o Espírito Santo, no máximo até um mil réis, com direito ao transporte de uma "caixa" e cama; admitiu também uma tabela, poder-se-ia dizer, de segunda classe, pela qual apenas se cobrava uma pataca.

Julgou um dos Capitães-mores que, para atender a uma solicitação da Câmara, podia suspender os tributos sobre os vinhos. Foi logo censurado, pois a renda dessa tributação, sustentava a infantaria da praça, reduzida a alguns modestos soldados... Essa resolução, na verdade, prejudicava o comércio português dos vinhos, ao passo que favorecia o da aguardente, produto da colônia, muito procurada a fim de facilitar os grandes negócios de negreiros, na África. A concorrência provocou sempre reclamações.

A reconquista da Angola, em 1648, incrementou logo o triste comércio de africanos. Favorecera-o muito a proibição decretada em 1647, e reiterada dois anos depois, de fazer os indígenas trabalhar sem perceber remuneração ou salário. Diante da dificuldade de obter trabalhadores livres ou colonos europeus, a vinda, em grandes massas de escravos para as exigências da lavoura e das constantes "jornadas", não podia deixar de refletir-se na imediata prosperidade que se observou nas Capitanias do sul. Tão grande foi essa vantagem que, estabelecida, em 1649, a Companhia Geral de Comércio do Brasil, com o monopólio de alguns gêneros julgados de primeira necessidade, como bacalhau azeite, vinho e farinha de trigo, nenhum protesto houve logo no Espírito Santo. O mesmo não sucedeu no Rio, onde o monopólio foi, a princípio, hostilizado.

A Companhia, em cuja constituição foram aproveitados recursos confiscados pelo Santo Ofício a diversos cristãos novos, tendo sido o capital integralizado por alguns judeus a isso forçados, teve depois mais o estanco do pau-brasil.

A defesa e manutenção da ordem repousavam naquela reduzida infantaria, 40 soldados, ou talvez menos, segundo assim descreveu o Padre Antônio Vieira, em 1648, no "Papel, Forte: — "O Espírito Santo, cabeça da Capitania, tem bom porto, bem situado entre Bahia e Rio de Janeiro; bem requestado dos Holandeses, tem 300 vizinhos em todo o distrito; 4 aldeias de índios; um forte com 3 ou 4 peças de 24 soldados..."

 

Fonte: A Capitania do Espírito Santo, ano 1945
Autor: Mário Aristides Freire
Compilação: Walter de Aguiar Filho/ maio/2015

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