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Primeiras Constituições do Estado do ES

Dr. Antônio Aguirre - Propagandista espírito-santense, nomeado Governador do Estado pelo Governo Provisório, em 07 de março de 1891

Se a propaganda republicana permitiu contestar a injusta apreciação da atitude do povo a 15 de Novembro, não foi realmente bastante profunda ou prática, de modo a desde logo incluir uma noção perfeita do que devia, com maior urgência, ser reorganizado, e dos aspectos a atender, com mais premência e segurança, nos vários problemas administrativos. Fora desenvolvida, comenta Medeiros e Albuquerque, “sobre uma base que se pode chamar negativa”: em todas as propagandas revolucionárias, o acordo versa apenas a cerca da necessidade de suprimir o que há; “quanto ao que convém pôr no lugar, as opiniões divergem”.

Os propagandistas, fazendo oposição aos governos, vinham desde 1870, no dizer de Oliveira Vianna, repetindo fórmulas e expressões – “de um vago programa de aspirações vagas”. Transformados em estadistas, pretenderam ter feito obra duradoura, adotando apressadamente o que vigorava em outras republicas, tudo acompanhado sempre de fórmulas consagradas pela propaganda.

Com a inevitável aproximação dos adesistas, cedo tornaram se muito mais sérias as dificuldades daquele grave momento histórico.

Dentro de pouco tempo, uma grande maioria de propagandistas e republicanos históricos, completamente decepcionados do que viam, cederam os lugares a velhos políticos experientes e radicados na vida administrativa do país. Alberto Torres, por exemplo, tendo assumido o governo do Estado do Rio onde fizera a propaganda, plenamente confiante no perfeito êxito da obra constitucional, deixou-o inteiramente desiludido, sem mais a antiga confiança. E confessou afinal:

—«quando no decurso de alguns anos de magistratura vim a fazer trato mais intimo com a Constituição da Republica, fixou-se em meu espírito a convicção da sua absoluta impraticabilidade. Fruto de uma revolta sem cultivo prévio na opinião e sem preparo organizador — surgida inesperadamente das trevas da conspiração política, para a realidade, por força de um trabalho subterrâneo, favorecido por alguns acidentes da política imperial—a abolição dos escravos e a moléstia do monarca, principalmente prenunciando este último a aproximação do terceiro reinado, antipático, em geral, ao sentimento popular – a lei máxima da República não é senão uma roupagem de empréstimo, vestindo instituições prematuras”.

Poucos meses durou, no Espirito Santo, a administração do primeiro Governador republicano. Após duas ou três interinidades e um curto período de governo de outro propagandista, o Dr. Antonio Aguirre, o trabalho constitucional do primeiro Congresso ressentiu-se aqui da precipitação que parece ter havido. Os políticos militantes ou profissionais, os adesistas, atraídos pelas dificuldades evidentemente observadas no grupo não muito grande de verdadeiros republicanos, não deviam estar satisfeitos com aquelas sucessivas experimentações. O fato, admissível e observado no antigo regime, das alternativas de conservadores e liberais no poder e de presidentes quase em vilegiaturas nas Províncias, durante férias parlamentares, devia parecer-lhes inconfortável em uma nova ordem de coisas, pregada e afinal imposta para corrigir o que todos sentiam ou reconheciam errado.

A obra da primeira Constituinte, (ver nota 01) neste Estado, promulgada a 20 de Junho de 1891, deixa perceber como deviam ser ainda confusos os planos e conceitos sobre o novo regime.

No preâmbulo considerou o Estado independente, e no art. 1º—parte confederada da Republica.

A Assembléia Legislativa elegeria os Governadores, e poderia, entre outras atribuições, autorizar empréstimos. Nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, suspenderia até medidas assecuratórias da liberdade dos cidadãos. Instituiu 3 secretarias: — 1º — Instrução, Justiça e Segurança Pública; 2ª Finanças, Comércio e Navegação; e 3ª — Agricultura, Imigração, Colonização e Obras Públicas.

O Governador fixaria os vencimentos dos Secretários; perderia o mandato o deputado que aceitasse um desses cargos.

O chefe do Executivo disporia da policia dos Municípios e de qualquer outra força que viesse a ser criada, conforme as exigências da manutenção da ordem, sustentação da independência (sic) do Estado e integridade de seu território.

O Tribunal de Justiça representaria ao Supremo Tribunal Federal contra decisões dos juízes federais, quando atentatórias da "soberania do Estado".

Superintendidos por um Intendente Geral, os Municípios poderiam, por sua vez, contrair empréstimos.

Pretendendo coibir leis pessoais, prescrevia que somente seriam baixadas novas leis quando de utilidade geral.

O Estado assegurou, com obrigatoriedade, instrução primaria a todos. Essa fórmula traía evidentemente a dificuldade de estabelecer a obrigatoriedade de alguma coisa, em um regime que devia ser da mais ampla liberdade, ou importava reconhecer que o Estado não poderia cumprir esse preceito.

A Constituinte deliberou suspender a vigência dos decretos que, expedidos até a sua promulgação, trouxessem algum ônus aos cofres públicos: ficaram dependentes de aprovação do Legislativo.

O art. 94 pretendeu regular assim a debatida questão dos bens das corporações denominadas de mão morta: —"Todas as instituições que se fundarem com o fim de prestar socorros imediatos a indigentes, em hospícios ou hospitais, a distribuí-los nos domicílios, derramar a instrução primaria e cívica entre as classes pobres, desenvolvendo-lhes o espírito de ordem e economia, poderiam possuir bens imóveis a titulo oneroso ou gratuito, sem limitação. De igual favor gozarão as já existentes, ficando assim relevadas de quaisquer penas em que hajam incorrido por falta desta autorização".

Ficam abolidas, prescreveu o art. 79, as aposentadorias pelos cofres do Estado e dos Municípios. Dessa disposição foram apenas excluídos os empregados nomeados antes de 1882.

O Governador perceberia um conto de réis, por mês; e três, anualmente, para despesas de representação. A Assembléia, antes da Constituição, resolveu eleger logo o Governador. Afastados os primeiros Governadores Afonso Claudio e Antonio Aguirre, republicanos autênticos, as quais o Governo Provisório havia confiado o novo Estado, os políticos conchavados desprezaram outras figuras representativas da propaganda, como por exemplo, Bernardo Horta, também signatário da Constituição, e confiaram o Estado à experiência do antigo chefe do partido liberal na Província, titular agraciado nos últimos dias da Monarquia — o Barão de Monjardim. Administrára a antiga Província como vice-presidente.

A posse desse Governador ficou assim registrada:

"Aos sete dias do mês de Junho de mil oitocentos e noventa e um, terceiro da Republica, reunido o Congresso Constituinte deste Estado, em numero de vinte e nove representantes, na sala de suas sessões, no Paço da Intendência Municipal da capital do Estado, sob a presidência do cidadão José Feliciano Horta de Araujo, à uma hora da tarde, perante o mesmo Congresso compareceu o cidadão Alpheu Adelpho Monjardim de Andrade e Almeida (Barão de Monjardim, eleito unanimemente, na sessão realizada a 6 do corrente mês e ano, Governador do Estado, e foi pelo referido cidadão proferida a seguinte afirmação:

"Prometo guardar e cumprir com perfeita lealdade a Constituição que for decretada pelo Congresso Constituinte, as leis da União e deste Estado, e quanto em mim couber promover e sustentar o bem público."

E, para constar a todo a tempo, lavrou se este termo, que vai assinado pelo cidadão Governador eleito, ex Governador provisório (ver nota 02) e pelos membros do Congresso.

Barão de Monjardim, dr. Antonio Aguirre, José Feliciano Horta de Araujo, presidente, dr. Florencio Francisco Gonçalves, primeiro secretário, Francisco José Gomes, Francisco Alves Rabello Junior, Gabriel Rodrigues Pereira, Manoel Joaquim F. de Azevedo, Bernardo Horta de Araujo, Christiano Vieira de Andrade, Eduardo Gabrielli Junior, dr. Raulino Francisco de Oliveira, Augusto Manoel de Aguiar, Manoel Gomes da Fonseca, Candido Borges da Fonseca, João Pinto Machado, Gregório Magno Borges da Fonseca, José de Almeida Fundão, Frontino Francisco Rocha Tavares; José Pinto Guimarães, Francisco José da Costa Junior, Joaquim F. de Andrade Silva, Francisco Godofredo Augusto Jongnell, Antonio José de Araujo Silva, Joaquim Corrêa de Lyrio, Henrique Gonçalves Laranja, José Camillo Ferreira Rabello, Lydio Mariano de Albuquerque, Aristides Brasiliano de Barcellos Freire, Benigno Soares Leite Vidigal, Francisco Fernandes Coelho Peixoto."

Foi esse o Governador deposto com o Dr. Antonio Aguirre, a 19 de Dezembro do mesmo ano, quando foi aclamada a Junta Governativa.

Antes que a primeira Constituição completasse um ano de experiência, foi a 2 de Maio de 1892 promulgada outra, obra de novos constituintes. Essa Constituição Política, segundo a qual o Estado, tendo por forma de governo a República Federativa, ainda figura como membro confederado do Brasil, foi, por sua vez, reformada em 30 de Novembro de 1904: nessa ocasião, suprimida a injustificável referencia à forma de governo do Estado, ele figura federado à Republica.

Algumas disposições.

Os limites do Estado seriam indicados pelos documentos históricos e pela tradição.

Um dos primeiros artigos prescreveu expressamente: - "O bem do Estado será a aspiração de todos quantos o habitarem. Contra ele, não haverá direitos adquiridos." E admitiu expressamente a retroatividade das leis interpretativas ou quando as relações ainda pudessem ser submetidas à nova legislação.

Todos serviriam ao Estado na medida das próprias aptidões; e cada cidadão devia contribuir para o bem geral na medida do maior interesse auferido da cooperação social.

Suprimiu a mal definida obrigatoriedade do ensino, como previra a primeira.

Embora sem interferir nas questões de fé, prescreveu claramente: — "O Estado reconhece que a religião é à base de toda a existência social."

Previu a combinação de Municípios afim de, em comum, realizarem melhoramentos, principio que, melhor desenvolvido na ultima Constituição espírito-santense e no art. 29 da de 10 de Novembro, João Pinheiro Filho recentemente louvou, considerando uma razoável aplicação do cooperativismo à vida municipal.

Um artigo obscuro procurou isentar a administração da Fazenda Municipal de qualquer superintendência, exceto da autoridade, judicial, nos casos de crime.

Reservou alguns assuntos à uniforme orientação que o Governo estadual fixasse.

Os poderes públicos velariam não só pela regularidade, como ainda pelo tipo das construções. Ao lado do Presidente (e não mais Governador) do Congresso e da Magistratura, destacou ainda a Polícia como órgão da ação política do Estado. Essa orientação teria talvez conduzido depois as forças estaduais, que Azevedo Amaral recentemente criticou, transformadas – “em verdadeiros exércitos com material bélico desmedidamente superior às necessidades da função policial e, por vezes, mesmo adestradas por missões militares estrangeiras”.

Os presidentes, ao contrário do que decretára a primeira quanto aos Governadores, não seriam eleitos pela Assembléia, mas escolhidos por sufrágio direto. Se a eleição recaísse em algum magistrado perderia a magistratura. O povo teria ingresso no recinto da Assembléia na posse dos presidentes do Estado.

A arbitrária dissolução do Congresso Federal, como fora decretada a 3 de novembro do ano anterior, inspirou o art. 46: - “O Congresso Legislativo não poderá ser dissolvido.”

Prescrevendo que o Presidente nomearia os diretores dos serviços públicos, deixava-lhe, quanto ao pessoal restante, apenas, a faculdade de aprovar ou rejeitar as nomeações ou demissões feitas por aqueles, porque – “em regra, o responsável pela execução de qualquer serviço deve ser quem indique ou nomeie os seus auxiliares e subordinados”. Desapareceu o secretariado da organização anterior.

Proclamou logo inconstitucional o orçamento que contivesse disposições estranhas.

Manteve, finalmente, melhor redigido, o preceito que a primeira firmara, no intuito de amparar o patrimônio da Santa Casa e de outras instituições, contra o rigor das leis sobre os bens das corporações de mão morta.

Reformada no princípio deste  século, a Constituição de 1892, perdurou até 1913. Substituída nesse ano, a nova Constituição vigorou cerca de dez anos. Foi reformada em 1923. Em 1928, após a reforma da Constituição Federal, houve no Espírito Santo mais uma reforma constitucional. Resolveu-se, porém, publicar a anterior com as simples modificações mandadas introduzir no respectivo texto.

Depois de 1930, outra Constituição teve o Estado, promulgada em 1935; vigorou plenamente até o movimento de 10 de Novembro de 1937.

 

Nota 01: José Candido citou o decreto nº 53, de novembro de 1890 como a primeira Constituição (provisória) do Estado
Nota 02: Antônio Aguirre, segundo esse termo, fora nomeado Governador provisório. A nomeação foi firmada a 07 de Março e a posse no dia 11

 

Fonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do ES, Nº 12 – ano 1939
Compilação: Walter de Aguiar Filho, novembro/2014

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