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Quando o Penedo falava, 1927 - Por Elpídio Pimentel - Parte X

Capa do Livro: Quando Penedo falava, 1927 - Autor: Eupídio Pimentel

Nona Narrativa – O velho Coutinho

- Por que não me procuraste há mais tempo?

- Porque estava fazendo meus deveres escolares: uma cópia, dois problemas, leitura e um pequeno recitativo.

- Justificas muito bem a tua falha. Agora, para entenderes melhor o final de minha história, preciso ensinar-te que a nossa pátria...

- O Brasil.

- Sim; foi descoberta pelo almirante português Pedro Álvares Cabral...

- Em 22 de abril de 1500.

- Muito bem! Descoberta a terra, os portugueses apossaram-se dela e exploraram-na pelo lado da costa, beira do mar, porque aos sertões ninguém ia, com medo aos índios ferozes. Depois, para os efeitos da colonização, repartiram-na em doze partes desiguais, que se ficaram chamando – donatarias ou capitanias hereditárias – e foram doadas a fidalgos além mar...

- Não entendo

- ...a fidalgos lusitanos, pelo rei de Portugal, D. João III.

- E quando é que chegaram ao Espírito Santo os seus primeiros exploradores?

- Verdadeiramente, chegaram no dia 22 de abril de 1500, quando se descobriu o Brasil, a cujo território sempre pertenceu ao solo espírito-santense. Depois, quando vieram as expedições exploradoras, isto é, grupos de barcos a vela ou caravelas, percorrendo a costa e sondando os seus portos, baías e enseadas, em 1501, 1503 e 1512 chefiadas pelos pilotos Gonçalo Coelho, André Gonçalves, Christovam Jaques e Américo Vespucio...

- Quem? Ontem, na escola, ouvi a minha professora falar nesse nome, dizendo que a parte do mundo, onde está o Brasil, foi descoberta por Christovam Colombo, mas de Americo Vespucio, seu valente piloto, tomou o nome, pelo que se chama America, em vez de Colombia.

- Perfeitamente. Estas até mais sabido do que podes... Pelo que vês, esses navegantes todos foram tocando na costa espírito-santense e deslumbrando-se com a fertilidade de nossas terras, cobertas de portentosas florestas, por onde vagueavam os selvagens nômades...

- Vovozinho, faça o favor de “traduzir” aquela palavra desconhecida.

- Chamam-se nômades os indivíduos, que não tem residência fixa, que se mudam freqüentemente de domicilio, como faziam os nossos índios, que, em hordas ou tribos, ora habitavam as margens de um rio, pouco tempo depois se mudavam para outro sitio, onde logo partiam em procura de um lago ou montanha hospitaleira e, assim, de mês em mês, de lua em lua, abriam novas malocas ou aldeias.

- E tinham casas?

- Tinham-nas, muito toscas, e lhes chamavam ocas ou quijemes.

- No meu álbum de gravuras, há um índio bonito, chamado Pery, com um topete de penas na cabeça e uma tanga, também de plumas, na cintura.

- Eram assim mesmo: as penas da cabeça chamavam araçoya e as da cintura davam o nome de enduape. Usavam, também, nos pulsos, nos tornozelos e ao pescoço, pulseiras e colares de crubixás, que são umas contas encarnadas, colhidas do arbusto, que as produz. Pintavam-se com as tintas dos jenipapeiros e urucuzeiros, nos seus dias de vaidade e luxo.

- Como os almofadinhas de agora?

- Mais ou menos. Suas armas eram arcos, flechas e grossos “cacetes”, a que denominavam tacapes ou tangapemas.

- Mas, vovozinho, o senhor ou a minha professora – um dos dois – está enganado; ela fala em frechas e o senhor em flechas...

- Tens graça e és observador. Mas, embora a minha afirmação te surpreenda, tanto eu, como ela, estamos certos. A nossa língua é cheia dessas curiosidades e caprichos, que muito desesperam os que a estudam. Também podes dizer – aluguel ou aluguer, covarde ou cobarde, espuma ou escuma, etc... E se, algum dia te perguntarem como denominas esses casos, responde que são formas sincréticas. Deixa-me agora, continuar a nossa história. Eram esses selvagens, de vida errante e costumes bárbaros, comedores de carne humana...

- Antropófagos?

- Exatamente; tens excelente memória. Eram aqueles bugres os senhores altivos de nossa terra, que estava repartida por três grandes nações, em que eles se dividiam: no norte do Espírito Santo, os tupiniquins, cuja palavra significa em português, netos; no centro, os aimorés ou botocudos – estrangeiros – ferocíssimos; e, ao sul, nos lugares planos, os goitacases ou corredores, que, em velocidade, venciam, os veados mais ágeis. Essas nações repartiram-se em tribos ou hordas e comiam peixes, feras e frutos do mato. Ainda não se sabe – nem talvez, nunca se saiba – como nasceram, se fixaram na nossa terra, quantas línguas falavam. Quando os portugueses chegaram, já os selvagens estavam como antiqüíssimos donos do Espírito Santo e, as flechadas, matavam os que se atreviam a penetrar no íntimo de suas florestas misteriosas, cheias de formosas lendas.

- Por que é que o senhor não me conta, hoje, aquela história bonita de uma princesa, muito bela e rica, chamada Moema, de quem falou ante ontem no jantar, dizendo que está escondida em seu palácio, nas funduras da lagoa Juparanã?

- Hoje, não. Quero concluir essa história. Eram, pois, os selvagens senhores absolutos da terra espírito-santense, quando, na partilha das capitanias hereditárias, surgiu a el-rei D. João III a idéia de dar, como prêmio, ao seu bom vassalo Vasco Fernandes Coutinho, que se ilustrara em guerras na Ásia e na África, em favor de sua pátria, uma das capitanias brasileiras.

A doação foi feita em 1º de junho de 1534, de forma que esse fidalgo português, ficou assim, proprietário do Brasil, com uma área de terra, que deveria ter cinqüenta léguas quadradas – mais da metade do tamanho de Portugal – obrigando-se a colonizar essa enorme extensão de terra, dar-lhe lavouras e fábricas. Ele tratou logo, de obter recursos para tão grande empresa: reuniu uns sessenta companheiros e se fez de vela para o Brasil, procurando a nossa costa. No dia 23 de maio de 1535, avistou uma formosa enseada e, seduzido pela beleza do local muito plano, ao pé de uma montanha altaneira, deu ordem aos seus pilotos para que ancorassem ali, onde iria fundar a capital de sua colônia. Na praia, defendendo o solo querido e opondo-se ao desembarque dos lusos, estavam os ferozes aimorés, armados de arcos e flechas. Houve luta violenta, que acabou concedendo vitória aos portugueses. Foi assim que, num domingo do Espírito Santo, Fernandes Coutinho pode apossar-se da nossa terra e iniciar a construção de sua primeira vila, dando a ambas, em memória do dia santificado, as denominações de – Capitania e Vila do Espírito Santo. Os aimorés, furiosos e vingativos, recuaram para o sertão, mas, em breve, voltaram em bandos maiores e, por muito tempo, atacaram fortemente os colonos espírito-santenses. Chamavam a povoação dos portugueses Mboab ou Emboaba, isto é, a vila dos homens calçados ou vestidos, porque eles...

- ... andavam mais nus e se enfeitavam de penas.

- Perfeitamente. E essa emboaba dos índios ou Vila do Espírito Santo, de Vasco Coutinho, é hoje... adivinha!

- A cidade do Espírito Santo, que todos teimamos em chamar, não sei por que motivo, Vila Velha.

- Bravos pela tua agudeza! E agora, para espairecermos um pouco, vamos até lá olhar de perto o lugar onde se fixaram, na chegada, os verdadeiros descobridores e primeiros colonizadores do nosso amado torrão natal.

- Ah! Vamos já, porque gosto muito de um passeio de bonde e não quero perder a boa oportunidade do seu convite.

E os dois, conversando afetuosamente, foram apanhar a barca, que os levou à estação dos bondes, no Paul, rumo à cidade do Espírito Santo.

 

Fonte: Quando o Penedo falava, 1927
Autor: Elpídio Pimentel
Compilação: Walter de Aguiar Filho, junho/2015

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