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Regressos – Por Sônia Bonzi

Ilustração da Revista angaba, nº4 abril de 2009

Na minha vida cigana, a saudade me traz sempre de volta ao Brasil, onde venho à procura de abraços e afeto. Fora do Brasil, não me satisfazem a beleza das paisagens, o azul translúcido das águas do mar, a limpeza das ruas, os parques bem cuidados, o vigor das pessoas nutridas, educadas e distantes. Não me satisfazem a riqueza dos castelos, a neve que cobre as montanhas, o luxo das lojas, a fartura dos museus, o gótico das igrejas, o "art nouveaux" das fachadas... Sinto falta das pessoas e das coisas banais do Brasil.

Não há por aí o calor das gentes, os risos fartos, as gargalhadas estrondosas, o movimento sensual de corpos seminus, o barulho de vozes, a loucura do trânsito, o estridente das buzinas, os gracejos dos rapazes, o jeito provocante das moças...

Em outros lugares, tudo é morno, sob controle. Nenhum excesso ou vibração delirante.

Voltar ao Brasil mexe comigo, acelera meu coração, aguça minha curiosidade. Chego querendo conversa com motorista de táxi, vendedores de lojas, pensionistas de fila de banco, doméstica em supermercado, criança de rua, pedintes, loucos desvairados, religiosos fanáticos, cantores de bar, donos de botequim, garçons...

Adoro ouvir os papos de fim de noite que rolam nos botequins, nos restaurantes, quando as pessoas, já sem censura, tornam públicos seus problemas e intimidades. (Dependendo da conversa, a vontade de dar opinião nas vidas alheias, de meter a colher onde não fui chamada, coça-me língua...)

Gosto de ver pais, filhos, avós e netos sentados numa mesma mesa, comendo, bebendo, rindo, brincando. Observo com gosto os cabelos louros, negros, pretos, castanhos, vermelhos, grisalhos, lisos, encaracolados, longos, raspados... Gente alta, gente baixa, cabeças grandes, cabeças pequenas... Amo a variedade dos olhos. Olhos verdes em mulatos, azuis sob pelos lourinhos, negros profundos, amazônicos, em peles de variadas cores...

O exterior faz com que eu veja o Brasil com outros olhos. Admiro nosso jeito de ser, nossa alegria esfuziante, nosso otimismo e esperança. Aqui vivemos o agora. O passado é o que foi, o futuro é o que virá.

Assombro-me com a generosidade dos que nada têm. Jamais me esquecerei do dia, em que, sentada na praia do Leme, com minha filha ainda pequena, neguei-lhe um cuscuz por estar na hora do almoço. A vendedora, adivinhando a vontade nos da menina, muito gentilmente, ofereceu-lhe um pedacinho, menor do que o que vendia, lambuzado de leite condensado, só para não deixar a criança aguada. Quando fiz menção de pagar, ela disse que não podia aceitar, que não queria meu dinheiro, que aquilo era só um pedacinho, que eu a ofenderia se insistisse no pagamento. Esse é seu ganha-pão, retruquei. Pode estar certa de que não me fará falta, respondeu. Em que outro lugar do mundo quem nada tem dá?

Nunca encontrei país onde os abraços fossem tantos. Que delícia esta proximidade física, inexistente na maior parte do mundo!... Que espetáculo as amizades tão fraternas!...

Sempre que chego, recebo convites para saborear as delícias da terra: frango com quiabo na casa de um, moqueca capixaba na casa de outro... Todos querem satisfazer meus desejos, apaziguar minhas saudades. Tenho amigos que vão para beira do rio pescar o lambari que adoro, ou comprar jiló para fazer com arroz, ou encomendar a melhor goiabada cascão e ainda correr atrás do queijo verdinho de Minas, conseguir a lingüiça especial para o feijão tropeiro, o torresmo de traíra para comer com mandioca cozida, a rã fresquinha para dar mais gosto à cerveja... Não encontrei lugar nenhum, por mais desenvolvido, que seja, que tenha um povo como o nosso, avesso às guerras, conciliador, receptivo, pronto para o perdão, curtidor da vida, mesmo quando é uma "vida severina". Abstraio, porém a nossa elite...

QUEM É

Sônia Maria Bonzi Fachini Gomes lançou seu primeiro livro pela Coleção Gráfica Espírito Santo de Crônicas. Durante muitos anos morou na Austrália onde foi consulesa brasileira em Sidney. Ela escreveu um volume de crônicas intitulado "Bordando Memórias", que conta histórias de sua infância. A autora é natural de São Benedito, hoje Alto Calçado, um distrito de São José do Calçado. Lá ela nasceu e viveu sua infância, principalmente os muitos assuntos que focaliza no livro. O Conselho Editorial da Coleção GES recebeu os originais de "Bordando Memórias", enviados por ela, gostou muito da autora e decidiu-se pelo lançamento do primeiro autor inédito daquela série. Convidada a participar de Intelecto ela, entre suas idas e vindas ao exterior ao lado do marido Cônsul, escreveu este texto. Sete anos depois o publicamos em a'angaba.

 

Fonte: Revista a’angaba, Ano I número 04 – Abril de 2009 Idéias e Cultura no Espírito Santo
Autora: Sônia Bonzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, agosto/2016

Literatura e Crônicas

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