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Rendas e despesas da capitania – Meados do Século XVIII

Vista do Convento da Penha, ao fundo a Ilha do Boi - 2018

Existe, da época, um ofício do ouvidor geral da capitania, dirigido ao soberano, que proporciona singular retrato da situação. Assim é que Vitória, por exemplo, tinha as suas fontes de renda nos contratos de subsídio, de aguardente, enrolamento de pano de algodão, de aferições de medidas, balanças e pesos, e mais uns foros e pensões que se lhe pagavam dos chãos e teares. Em algarismos, 628$153 por ano. As despesas compreendiam: infantaria, 510$280; uma procissão de Corpus Christi e outra de S. Sebastião, 74$000; ordenados do escrivão, do alcaide e propina do secretário do Conselho Ultramarino, 6$000 (aqueles e esta anuais). (II) Nem um real para obras públicas, educação, saúde. (III)

O Erário funcionava para duas classes – a militar e a eclesiástica.

De 1752, mais um depoimento sobre o senhorio, agora do capitão-mor José Gomes Borges (aqui chegado a quinze de janeiro daquele ano) e que o encontrara “no mais deploravel estado que se pode considerar”. Causaram-lhe péssima impressão as obras de defesa: “examinando as suas fortificassoens, que se compõem de tres Fortes, e quatro Reductos, dos quaes apenas se vem as ruinas, achei aqueles bastantemente arruinados, e a Artilharia que os guarnece necessitando de alguns reparos”. O ambiente social é que mereceu palavras animadoras do delegado del-rei: “O povo desta Capitania, que algum dia foi mais revoltoso, se acha reduzido a milhor quietasam, do que se deve supôr, que todos os seus desmanchos procedião dos Ministros [funcionários da Coroa] com os Capitaens mores”.(14)

Aumenta o efetivo militar - Dados sobre população e comércio

Teve, sem dúvida, larga repercussão na capitania de há dois séculos o ato do marquês de Lavradio, governador e capitão-general da Bahia, mandando para cá a companhia de infantaria denominada do Pinto, aumentando, assim, o efetivo militar para sessenta homens.(29) Isso em 1768. 

Da mesma época foram as providências para construção da fortaleza da Ilha do Boi(30) e reforma das demais existentes na barra de Vitória. Confiaram a tarefa ao engenheiro José Antônio Caldas(31) que não fez obra a contento,(32) mas deixou interessante depoimento sobre a capitania, tal como a viu em 1767. Segundo o ofício por ele endereçado ao conde governador, a capitania tinha oito mil almas, “sem a resenha dos meninos e pagãos”, exportava mantimentos, madeiras, panos de algodão e açúcar para a Bahia, Rio de Janeiro e portos do sul, em valor superior a trezentos mil cruzados por ano. O transporte se fazia em embarcações pertencentes aos próprios comerciantes de Vitória, “que neste continente disfrutam o commercio mais regular”. Releva notar que os panos de algodão tinham predominância nas pautas da exportação, sinal evidente de que a indústria de tecelagem ocupava lugar de destaque nas atividades da gente capixaba.(33)

Carta do ouvidor de Porto Seguro ao soberano português dá conta de que, em 1771, havia abundância de gado vacum no Espírito Santo.(34)

 

NOTAS

(14) - Cópia da carta de vinte e oito de agosto de 1752, de José Borges ao soberano português (Ms da BN, onde é encontrado na cota II-34, 11, 8).

(II) - “Senhor. Da certidão junta tirada do livro da receita e despeza que mandei vir á minha presença, constão rendimento de cada um dos Concelhos das villas das capitanias do Espirito Santo e Parahyba do Sul e tambem as despezas ordinárias...

Nos ditos Concelhos se não tem tirado até o presente terças partes do seu rendimento para os reparos e fortificações das fortalezas e julgo que só nos das villas de S. Salvador e de S. João da Barra se poderão tirar, porque o das villas do Espirito Santo e Guarapary é muito diminuto e não chega para suprir as suas despezas necessarias. Villa da Victoria primeiro de Outubro de 1754. O Ouvidor Francisco Salles Ribeiro.”

– “Rendimento do Concelho da villa de N. S. da Victoria.

Tem este Concelho um contracto chamado de Subsidios que se arremata por triennio e se adjudicou em 1752 por 1:501$000 rs., que partidos em tres partes, vem pertencer a cada um 500$330 rs. Tem outro contracto chamado de aguardentes que tambem se arremata por triennio e se arrematou no mesmo anno por 366$000 rs., que divididos pelos tres annos vem a ser 122$000 rs. para cada anno. Tem outro contracto que se dá o nome de enrolamento do panno de algodão que se arrematou no mesmo tempo, por triennio e por 120$000 rs. Ou 40$000 rs. cada anno. Tem mais tres contractos pequenos de aferições de medidas, balanças e pezos que se arremataram todos os annos e que se arremataram no anno de 1753, por 22$480 rs. O mesmo Concelho tem mais renda de uns fóros e pensões que se lhe pagam dos chãos e teáres de tecer panno de algodão que renderam no dito anno 12$340 rs. As sobreditas parcellas sommam: 628$153 rs.

Despezas do sobredito Concelho.

Paga a Camara a infanteria da praça pelos mesmos contractos que lhe são aplicados, 510$280 rs., em cada anno. Despende com duas procissões, uma de Corpus Christi e outra de S. Sebastião, annualmente, 74$000 rs. O escrivão recebe de ordenado por anno 6$000 rs. Igual ordenado tem o alcaide. Ao secretario do Conselho Ultramarino paga de propina, 6$400. Todas estas despezas importam em 593$400 rs. (Certidão passada pelo escrivão da correição Manoel Pereira Linhares em oito de janeiro de 1751 e extraída do livro de receitas e despesas da Câmara da vila da Vitória).

Rendimento do Concelho da villa do Espirito Santo.

Tem este um contracto chamado de subsidio e aguardentes que se arremata por triennio e se arrematou no anno de 1753, pelo preço de 150$000 rs. ou 50$000 em cada anno. Os fóros dos chãos e teares, rendem por anno 6$980 rs., sommando tudo 56$980 rs.

Despezas do sobredito Concelho

Despende com uma missa que se manda dizer no dia de Corpus Christi, por não poder fazer procissão, 960 rs. Paga de ordenados em cada anno, de escrivão 4$000 rs. e do alcaide 2$200 rs.

Rendimento do Concelho da villa de N. S. da Conceição de Guarapary.

Tem um contracto de Subsidio e aguardente que rendeu no anno de 1753 25$000 rs. Tem a passagem do rio Peream que lhe rende 640 rs., a passagem do rio desta villa que lhe rende 20$000 rs., sommando as ditas parcellas 45$640 rs.

Despezas do sobredito Concelho.

Despende com o ordenado do escrivão, em cada anno, 4$000 rs. Igual ordenado tem o carcereiro. (Certidão do mesmo escrivão da correição).

Rendimento da villa de S. João da Barra.

Tem um contracto dos subsidios, vinhos e aguardentes, passagem e aferição que se arrematou em 1753 por 154$200 rs. Arrecadou no mesmo anno do fôro das terras 3$800 rs., sommando tudo 158$000 rs.

Despezas da sobredita villa.

Despendeu no dito anno com a festa de Corpus Christi 10$960 rs., com os ordenados do escrivão e carcereiro, 16$000 rs. e com a propina do secretario do Conselho Ultramarino, 1$200 rs. ou sejam 28$160 rs.

Rendimento do Concelho da villa de S. Salvador dos Goytacazes.

Tem um contracto de subsidios, de aguardentes, balanças e aferição que se arrematou em 1753 por 450$000 rs. Renderam no mesmo anno os fóros das terras, 24$860 rs., sommando as duas parcelas 474$860 rs.

Despezas do sobredito Concelho.

Despendeu no dito anno com a procissão de Corpus Christi, 76$580 rs., com o ordenado do carcereiro 20$000 rs.; com o do escrivão, 12$000; com o do alcaide, 8$000; com as propinas do secretario do Conselho Ultramarino, 4$000 rs., tudo sommando: 120$580 rs.” (Apud LAMEGO, Terra Goitacá, III, 15-9).

– VARNHAGEN informa que, em 1752, Vitória tinha 1.390 fogos (HG, IV, 29).

(III) - A seis de abril de 1727, o soberano português escrevia ao vice-rei do Brasil “haveremse ajustado os preliminares dos reciprocos cazamentos do Principe meu sobre todos muito amado e prezado Filho com a Serenissima Infante de Espanha D. Maria Anna Victoria e o do Principe das Asturias com a Infante D. Maria, minha muito amada e prezada filha [...] Me pareceo dizer-vos que sendo preciso fazerem-se grandes despezas nas occasiões desses matrimonios [...] será necessario que os Povos desse Estado concorrão com hum considerável Donativo e assim sou servido, que logo que receberes esta carta manifesteis aos moradores desse Governo e Camaras delle, a obrigação que lhes ocorre para se esforçarem á contribuir com hum bom donativo para com elle se supprir a maior parte das ditas despezas e dote, igualando este donativo o bom animo, que sempre mostrarão e a. vontade e o amor que lhes tenho, como já experimentarão os Reys meus predecessores em occaziões semilhantes, sendo agora mayores os motivos pela occasião do cazamento do Principe deste Estado, na qual devem mostrar a sua lealdade e gosto, com que recebem esta plauzivel noticia, certificando-os que terey muito na minha lembrança o zelo, com que espero me sirvo na prezente conjunctura”.

A Câmara da Cidade do Salvador “se obrigou por si e pelas mais Villas e Capitanias á satisfação de tres milhões [de cruzados] pagos em vinte annos”, assim: àquela Cidade coube a quantia de 2.200.000 cruzados; “a cidade de Sergipe d’Elrei com as villas da sua jurisdicção 96.000$000, pagos por 4:800$ ao anno. A Villa da Cachoeira 64:000$000, pagos por 3:200$ rs. A Villa de Maragogippe 28 contos pagos por 1:400$ rs. A Villa de Iagoarippe 12.000$000, pagos por 600$ rs. A Villa de S. Francisco de Sergipe do Conde, 24.000$000 pagos por 1.200$ rs. A Villa do Camamú 14.000$000 pagos por 700$ rs. A Villa do Cairú 6.000$ pagos por 300$ rs. A Villa de Boipeba 2.000$000 pagos por 100$ rs. A Villa de Santo Antonio da Jacobina 16.000$000 pagos por 800$ rs. A Vila de N. S. do Livramento 12.000$000 pagos por 600$ rs. A Capitania do Espirito Santo 4.000$000 pagos por 200$ rs. A Capitania de Porto Seguro 4.000$000 pagos por 200$ rs. A Villa de S. Jorge dos Ilhéos 6.000$000 pagos por 300$ rs. cada anno” (ALMEIDA, Inventário, I, 55-6).

A cota de cada unidade política dá idéia da força de suas possibilidades materiais.

(29) - DAEMON informa: “para que, unida à Companhia de Infantes que havia, se formasse uma Companhia de sessenta Infantes” (Prov. ES, 173). RUBIM assim se exprime: “Para que unida à infantaria desta Capitania formasse uma companhia de noventa infantes” (Memória Estatística, 168). JOSÉ MARCELINO fala em sessenta infantes (Ensaio, 96). Os autores citados acrescentam que a companhia conhecida pela denominação de Companhia do Pinto pertencia ao Regimento Alvim.

(30) - “Ofício do governador Marquês de Lavradio para Francisco X. de Mendonça, em que promete empregar todos os seus esforços para a rápida construção da nova Fortaleza na Ilha do Boi, da Cap do ES. Bahia, vinte e oito de abril de 1768” (ALMEIDA, Inventário, II, 193).

(31) - Engenheiro, militar, professor (da Aula Militar da Bahia), realizou obras nas ilhas do Príncipe e de S. Tomé, projetou reforma da catedral da Bahia, fez numerosas plantas do interior e do litoral do Brasil, inspecionou e escreveu sobre lugares e regiões da colônia. Em 1779 insistia “pelo deferimento do requerimento em que pedira algum soldo pela regência da aula, que exercera durante 12 anos, sem receber qualquer gratificação especial por este serviço” (ALMEIDA, Inventário, II, 427). Informações esparsas sobre J. A. Caldas, também, no I vol. do Inventário citado. Esta História publica quatro trabalhos do operoso militar executados quando de sua visita à capitania.

(32) - Conforme ofício do governo interino da Bahia para Francisco Xavier de Mendonça Furtado – Bahia, dezesseis de janeiro de 1766 (apud ALMEIDA, Inventário, II, 108). Nesse mesmo ofício se fala da remessa feita, pelo governo da Bahia ao do Espírito Santo, de “cem barris de pólvora, dez peças de artilharia, com seus reparos e mais pertences, mil balas, cento e dez armas, vinte arrobas de morrão e duas cunhetas de bala miúda”. Também há referência a duas companhias de infantaria (pagas), mandadas da Bahia ao Rio de Janeiro, “na suposição de lhe serem precisas para socorro da Nova Colônia do Sacramento”, e devolvidas pelo governo fluminense ao Espírito Santo. Muitos soldados dessa companhia desertaram durante sua permanência aqui (Ofícios do capitão-mor do Espírito Santo ao governo da Bahia, apud ALMEIDA, Inventário, II, 109).

– Estava, então, à frente da capitania, Anastácio Joaquim Moita Furtado – que algumas vezes encontramos citado como Anastácio Joaquim da Moita Furtado. Não é exato que tenha sido o sucessor imediato de Antônio de Oliveira Madail na governança, conforme escreveu AMÂNCIO PEREIRA (Homens e Cousas, 10). Parece que a razão está com Eujênio de Assis quando aponta Dionísio Carvalho de Abreu como sucessor de Madail (ver foot-note n.º 69, do capítulo XI). – Já era capitão-mor em dezembro de 1765 (ALMEIDA, Inventário, II, 109). Aos vinte e cinco de março de 1776, era acusado, pelo juiz ordinário da vila da Vitória, “de cometer abusos e arbitrariedades no exercício do seu cargo” (Anais BN, II, 317). De 1779, finalmente, existe um “Ofício do Governador Manuel da Cunha Menezes para Martinho de Melo e Castro, em que se refere à licença concedida ao Capitão-mor do Espírito Santo Anastácio Joaquim da Moita Furtado para regressar ao Reino com sua mulher” (apud ALMEIDA, Inventário, II, 446). “Ofício do governador marquês de Valença para Martinho de Melo e Castro, em que se refere à licença concedida ao capitão-mor da Capitania do Espírito Santo, Anastácio Joaquim Moita Furtado, e à sua substituição durante o tempo em que esteve ausente do lugar” (ALMEIDA, Inventário, II, 484).

(33) - “Aqui me ocorre por na prezença de V. Exa. que esta Villa [da Vitória] é fértil de todos os fructos e legumes, que produzem neste Brazil, e com tanta abundancia, que não só a gente da terra (que excede o número de oito mil almas, sem a rezenha dos meninos e pagãos), mas ainda carregam de mantimentos muitas embarcações, com que enchem, fornecem e satisfazem em parte esta cidade [do Salvador] e a do Rio de Janeiro, sendo uma das Villas que tem grande commercio no Brazil, porque saiem pela sua barra todos os annos para cima de 300:000 cruzados, não só dos effeitos de mantimentos, se não também em assucares, madeiras e pannos de algodão (que este genero é o principal daquelle commercio), os quaes transportam em vinte sumacas (cujos senhorios são moradores nella), não só para esta Bahia e Rio de Janeiro, se não para todos os portos do sul como Santos, Paranaguá, Iguape, Cananéia, Itanhaem, Ilha Grande e outros, sendo os commerciantes desta Villa os que neste continente disfructam o commercio mais regular della”. “Ofício do Engenheiro José Antonio Caldas para o Conde Governador, no qual lhe dá explicações sobre as nove plantas que lhe remete, relativas à Capitania do Espírito Santo e diversas informações sobre a mesma Capitania e a construção da Fortaleza da Ilha do Boi. Bahia, treze de outubro de 1767” (apud ALMEIDA, Inventário, II, 183).

– Tratando de Nova Almeida, BASÍLIO DAEMON informa que, em 1760, “aquela vila exportava para a da Vitória mil arrobas de algodão, mil e quinhentos alqueires de milho, trezentos alqueires de feijão, dois mil alqueires de farinha, três mil dúzias de tabuado, afora toras de jacarandá, canoas, gamelas, azeite de mamona, e peixe em grande quantidade” (Prov. ES, 169).

(34) - ALMEIDA, Inventário, II, 257.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2018

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