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Rio Doce - Apresentação do livro de Salm de Miranda (1949)

Capa do Livro: Rio Doce - Autor: Salm de Miranda - Publicado pela Biblioteca do Exército Editora, 1949

Apresentação

O Rio Doce, no estado potencial em que permanece, abandonado, incompreendido, malbaratado, em nada aproveita ao BRASIL, seja como contribuição humana e social, seja como contribuição econômica.

A ambição desenfreada, e sem o mínimo senso de retribuição, dos seus dominadores, olha nele apenas, e de olhos grandes, as suas riquezas minerais, desprezando cegamente a terra rica, irrigada, saudável, que poderia ser um paraíso; porque a exploração extrativa mineral presta-se às aspirações pessoais e imediatas.

O ouro que de lá saiu, que sai e que sairá dos aluviões e dos depósitos primários de Itabira, Nova Era, Ouro Preto, Santa Bárbara, Mariana, Cuietê, tem sido canalizado para a grandeza dos imperialismos que dominam o mundo.

Durante a fase colonial, para o Império Britânico, por via direta ou pela calha de Portugal; depois da Independência até hoje, ainda para ele e para os imperialismos nascentes da América, sob as várias modalidades – depósitos, juros, câmbios, garantias, amortizações, comissões, etc., etc. – palavras inventadas e aperfeiçoadas para onerar os empréstimos, as aquisições e as transações em geral, que para levá-lo, nos são concedidas.

Os cristais, de múltiplas aplicações industriais, que aos vagões têm saído de vários pontos da bacia: as pedras semipreciosas – berilos, turmalinas, águas-marinhas, topázios, que de Itabira, Ferros, Guanhães, Figueira do Rio Doce, Suassuí, Conselheiro Pena, Caratinga, Rio Piracicaba, Manhaçu, Caparaó, tem descido às toneladas pelo Porto de Vitória e pelos vagões da Central do Brasil, vão enriquecer o patrimônio dos outros, depreciadas ou contrabandeadas para além das fronteiras pátrias.

As pedras preciosas – diamantes, esmeraldas, safiras – que tão destacado lugar ocupam nos mercados do mundo e que para lá atraíram outrora os faiscadores de riquezas, nas suas incursões para o reconhecimento e o desbravamento da selva, pouco lhe tem deixado, como fator de felicidade.

O ferro! . . . Ah, o ferro, aqueles decantados bilhões de toneladas de minério que em números de forma já tem deslizado sob os olhares de todos os magnatas internacionais e que, empilhados a granel, alinham-se entre os de mais elevado teor metálico do mundo, espalhados por toda a bacia – Ouro Preto, S. Gonçalo, Cauê, Conceição, Esmeril, Serra do Pico, Serra da Candonga, Monlevade, Itabira, Antônio Dias, Cacunda! . . . Visados, disputados, ambicionados em pleno apogeu da civilização do ferro, que de praticamente útil tem eles dado, até agora, para a efetivação da felicidade humana na bacia?

- Nada!

Durante mais de quarenta anos resistimos bravamente ao cerco das modalidades sob que no-lo queriam levar. Ao fim, tivemos que capitular; o muito que nos concederam foi ainda uma migalha.

Uns permanecem pobres porque não possuem e não conseguem conquistar elementos de riqueza. Outros possuem tudo, todos os fatores: terras férteis, estradas líquidas, ouro, ferro, carvão, manganês, quedas d’água, florestas, petróleo, tudo; e continuam pobres, enclausurados, cercados, porque fracos para congregar em benefício próprio os elementos que possuem!

Os donos do nosso minério duplicam as ferrovias, constroem formosos embarcadouros, trazem linhas de vapores. Enriquecem, sopram cada vez mais o balão de sua grandeza, dominam o mundo através da indústria e do comércio, com base cada vez mais nas riquezas e nas fraquezas brasileiras. E o Rio Doce, hoje sob os auspícios de uma pomposa companhia, encastelada no prestígio político de uma temerosa potência eleitoral e arrogando-se autoridade do Estado – paraíso de meia dúzia em detrimento de sua magna função de patrimônio de uma coletividade – continua pobre, improdutivo, impróprio para a felicidade humana, cheio de endemias e sendo cada vez mais raspado nas suas riquezas minerais e vegetais.

O ferro industrializado sobe pelos trilhos da Central do Brasil, depois de deixar devastadas as matas até o meio da bacia. O minério desce para o Porto de Vitória, onde enche o bojo insaciável de frotas mercantes; os donos estrangeiros contentam-se com o levá-lo, os donos brasileiros, regiamente instalados, resignam-se em contemplar de longe os seus latifúndios e com o pavonear no Rio, em Vitória ou em Belo Horizonte as sobras que lhe trocaram.

Cortadas a eito para alimentar Monlevade, Sabará e Congêneres; empobrecidas pela extração, há mais de um século, de madeiras de lei para a exportação; dizimadas pelas queimadas, onde se perdem incalculáveis riquezas, as matas do rio Doce, aquele imenso patrimônio nacional, tão precioso quanto o ferro, o ouro ou o petróleo, que já foram mais densas do que a própria floresta amazônica, estão hoje rarefeitas e reduzidas a menos da metade.

Sai o ferro, sai o ouro, saem as pedras, queimam-se as matas; não se defende o homem contra as endemias, nem contra as doenças da pobreza, não lhe proporcionam condições próprias ao rendimento do seu trabalho; não se cogita com seriedade da entrada de novos contingentes humanos para a ocupação e a valorização da gleba; não se organiza, nem se incentiva devidamente a produção agro-pecuária, nem se cogita do surto dos fatores necessários às industrias; nada se faz de real para a fixação do homem à terra!

Fica o deserto. E a insatisfação. E o desalento.

O Estado tem tido ali a feição rude de um verdugo. Pouco se sente a sua presença quando se impõe a urgência dos benefícios; mas hipertrofia-se na incompreensão de muitos que falam em seu nome, sempre na defesa de interesses próprios. São os que – dizendo-se o próprio Estado – desrespeitam liberdades, invadem propriedades patrimoniais violando mesmo este direito só repudiado pelos bárbaros que intentam a subversão dos princípios básicos da civilização cristã; desconhecem deliberadamente a grandeza da função dos que mourejam nos trabalhos da terra; estimam o analfabetismo, porque sabem que na ignorância está a essência do seu prestígio, só explicado pelo volume eleitoral mantido à custa de mentirosas promessas que iludem humildes esperanças de dias melhores.

É este o rio Doce que aqui exponho. Não é outro, embandeirado em arco, cheio de transações, de dividendos, de grossas gratificações para acomodar cabos eleitorais, parceiros e camaradas.

É o rio Doce de lá; o da realidade. Não é o de cá: o da fantasia, dos relatórios, da publicidade para pôr água na boca.

A História, um dia, apontará o crime e repudiará os culpados.

 

Fonte: Rio Doce (Impressões de uma época), 1949
Autor: Salm de Miranda
Compilação: Walter de Aguiar Filho, outubro/2014

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