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Russo era o barão da monazita de Guarapari

Boris Davidovitch: esquema para se livrar de impostos - Acervo: UFES

Um só homem foi acusado de ter faturado milhões de dólares em Guarapari com a extração de areia monazítica praticamente de graça, durante quase 30 anos, exportando para diversos países do mundo. Seu nome é Boris Davidovitch.

Natural de Odessa, na Rússia, Boris era também naturalizado norte-americano, francês e brasileiro. Ele chegou ao Brasil em 1940 como procurador da "Société Minière", empresa francesa que já mantinha a exploração de monazita no Espírito Santo e, em apenas um ano, já era dono de todo o patrimônio radioativo da cidade de Guarapari.

A empresa, que mantinha uma exploração modesta desde a década de 20, foi transformada, em 1941, na Mibra (Monazita Ilmenita do Brasil), o que lhe rendeu um processo criminal na França por peculato, arquivado anos depois por falta de provas. Isso porque Boris, com uma procuração, vendeu a empresa e abriu a Mibra, usando todo o patrimônio da Minière, só que com ele no comando.

Davidovitch chegou a possuir até cinco empresas diferentes no mundo todo relacionadas à extração e beneficiamento de areia monazítica no Estado e não pagou quase nada de impostos aos cofres públicos.

As empresas cobriam a totalidade do processo de extração e beneficiamento da areia. Ele era, por exemplo, acionista da "Lindsay Light and Chemicais", empresa americana que comprou monazita da Mibra. Ou seja: o russo vendia dele para ele mesmo com a finalidade de se livrar de impostos.

Estima-se que Davidovitch tenha revirado mais de 70 quilômetros de praias, destruindo restingas em Muquiçaba, Castanheiras (Guarapari), Mãebá e Ubu (Anchieta), e outras. Eram 36 toneladas por dia.

Até 1956, ano em que foi instaurada uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar denúncias na extração da monazita, todo o tório retirado por Boris das praias de Guarapari lhe renderam 227 bilhões de dólares, enquanto ele pagava cerca de Cr$ 0,80 de imposto à prefeitura por ano, segundo denúncias da própria Prefeitura de Guarapari feitas ao jornal Tribuna da Imprensa (RJ).

"Nasci e criei-me aqui. Nunca vi esse homem fazer qualquer coisa em beneficio dessa terra", protestou ao jornal o prefeito Epaminondas de Almeida, em 1956. Ele assumiu a prefeitura após seu antecessor, Edizio Cirne, ser afastado porque deu uma "bofetada" na cara de Boris. O empresário queria brigar na Justiça pela exploração das areias da praia da Areia Preta, mas o prefeito disse que defenderia a praia "até debaixo de bala".

Primeiras encomendas eram para fabricação de luminárias

O potencial das areias monazíticas foi descoberto no final do século XIX. Várias publicações apontam o engenheiro americano John Gordon como o primeiro a olhar para as areias das praias do sul da Bahia e perceber uma diferença de coloração com relação a outros lugares do litoral.

Gordon, funcionário da empresa britânica de exportação de café Edward Johnston &Co., encomendou uma análise de amostras da areia e o relatório apontou que elas continham algum tipo de minério.

O engenheiro foi a Europa para vender o mineral e encontrou o austríaco Carl Auer von Welsbach, criador de um sistema de lâmpadas incandescentes a gás que iluminou a Europa por vários anos. Ele descobriu que o óxido de tório era o melhor material para produzir uma luz forte e duradoura. Com isso, passou a encomendar areia monazítica para a retirada do tório. Na época, a maior parte era extraída de Cumuruxatiba, Sul da Bahia.

DADOS:

70 KM

Estima-se que Davidovitch tenha revirado mais de 70 quilômetros de praias.

30 anos

Foi o tempo que Davidovitch explorou areias monazíticas de Guarapari.

227 bilhões em 60 anos

Foi dito que Boris Davidovitch teria faturado US$ 227 bilhões com a extração da monazita. O valor refere-se ao estimado com a extração de areia monazítica e a produção de tório durante quase 60 anos, desde o fim do século XIX, movimentando toda a cadeia de produção e exportação, até os compradores internacionais.

Testes com bombas em 1956

Bombas de Urânio 233, produzidas a partir do tório extraído no Brasil, foram lançadas durante testes em 1956, segundo os arquivos das forças armadas americanas. No entanto, não há informações sobre quantas bombas foram produzidas e podem estar armazenadas até hoje em território americano, representando a participação do Brasil em uma guerra nuclear cujo acesso a informações até hoje é restrito.

CPI apurou suborno e trabalho escravo

A influência de Boris Davidovitch se dava além do mundo empresarial. Enquanto um dos homens mais ricos do país, ele gozava também de boa influência política e usava métodos nem sempre lícitos para conseguir o que queria.

Na CPI da Energia Atômica de 1956, foram apresentadas correspondências mostrando que ele subornou juízes e desembargadores para julgar demandas de terras em que ele estava interessado. O russo, em depoimento, reconheceu a legitimidade dos documentos.

Durante a CPI, deputados, técnicos e jornalistas visitaram as instalações da Mibra em Guarapari e descobriram diversas irregularidades. A denúncia mais grave foi a de trabalho escravo.

Segundo relatou a jornalista Maria da Graça, do periódico carioca Imprensa Popular, "os 27 trabalhadores tinham ausência total de cor nas faces e lábios, magreza doentia, olhar mortiço, mãos e pés de coloração anormal devido ao constante contato com a umidade da areia. Todos descalços e semi-nus, vestidos apenas de calções esfarrapados".

Boris Davidovitch faleceu no dia 20 de setembro de 1960. Segundo informações extra-oficiais, ele morreu de infarto após desembarcar no aeroporto Charles de Gaule, em Paris. Após a morte de Davidovitch, as atividades da Mibra foram encerradas e houve ordens para queimar todos os documentos da empresa e enterrar maquinários na areia.

 

Fonte: Jornal A Gazeta, A bomba atômica de Guarapari, 30/08/2015
Autores: Aglisson Lopes e Natália Bourguignon
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2016



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