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Secular questão de limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais - Parte V

Contestado - Chiquinho e Magalhães Pinto

O REFERENDO

Aliás, entre os doutrinadores desse ramo jurídico, muito se discutem os atos praticados ad referendum.

Tanto que há duas teorias conhecidas por ato condição. Uma, diz Temístocles Cavalcanti, no sentido de condicionar o efeito — a executoriedade do ato — à sua aprovação. Outra que lhe atribui, desde logo, eficácia jurídica, que cessa apenas quando negada a sua aprovação.

Donde, embora autônomos os dois atos, os seus efeitos são diversos.

O ato ad referendum ou não produz efeitos desde logo, ou os produz imediatamente.

No primeiro caso, continua o eminente publicista, somente com a aprovação se tornará perfeito o ato ou como diz Raneletti, somente a aprovação tornará o ato executório; — no segundo caso, a execução é imediata, mas sujeita à anulação pela recusa de aprovação.

Como se vê, a cláusula aludida — de produção de efeito desde logo tem fundamentação certa nos ensinamentos dos doutores e constitui uma corrente especial entre os juristas nacionais e estrangeiros.

ATOS PRATICADOS

Mas acontece que nenhum ato, mesmo simplesmente administrativo, até agora fora praticado pelo Poder Executivo.

Nenhum instrumento oficial se realizou no sentido de dar executoriedade ao Acordo.

O Decreto n.° 264 que, na mesma data do Acordo  se baixou, não contradiz a asserção feita.

Ele não fugiu uma linha, sequer, do que fora ali estabelecido. Reproduz textualmente o Acordo.

Nem chega a ser, como é corriqueiro, uma regulamentação propriamente dita.

Como no acordo se estatuíra que seria ele aprovado por Decreto Executivo, cumpriu-se essa determinação.

Teve o fito, conseqüentemente, de dar publicidade ao Acordo, com o cunho de legalidade necessária, ante o pronunciamento dos dois Poderes Executivos - de Minas Gerais e Espírito Santo.

Não se invadiu, todavia, a esfera de outro Poder, porquanto se declarara, de modo explícito, que o Decreto seria (cláusula III) ad referendum das Assembléias Legislativas.

Como se deduz do exposto, tudo ainda está dependendo de ser concretizado até se Obter o apoio solicitado ao Poder Legislativo. Enquanto este não se pronunciar a respeito, o statu quo é o mesmo.

E a cláusula — que subordina a eficácia do ato à condição suspensiva — continua irretorquível.

Mas a razão jurídica não admite que, em se tratando de acordos, prossigam as hostilidades entre as partes contratantes.

O bom senso repele que, firmado um pacto, solene, máxime entre pessoas de direito público interno estabelecendo uma linha provisória a ser obedecida, ainda perdure a intranqüilidade, quiçá os choques policiais, quando o objetivo do pacto é a paz, o sossego, a cessação dos conflitos.

Nesse sentido, a Secretaria do interior e Justiça do Estado do Espírito Santo, atendendo à solicitação do titular respectivo do Estado de Minas Gerais, achou, de bom alvitre, retirar, como o fizera o vizinho Estado de Minas, os destacamentos policiais da região contestada em obediência à linha sugerida pela Comissão Mista e reproduzida, textualmente, no Acordo.

Se Minas Gerais, na conformidade da cláusula que se pode chamar de garantia que foi incluída no pacto firmado em 15 de setembro de 1963, procurou, de pronto levar à zona litigiosa a paz provisória, — por que o Espírito Santo, ante convenção tão pública e constitucional, deixaria de contribuir para a cessação das hostilidades?

Então de nada valeria uma convenção amistosamente idealizada.

Voltar-se-ia às colisões freqüentes quando estas, por força do instrumento legal estatuído, ficaram suspensas até a confirmação de outro Poder.

E lógico.

No caso da linha do Acordo, não há zonas desocupadas.

As áreas territoriais estão sob jurisdição dupla ou mista — dos mineiros e dos capixabas.

Não se poderia estabelecer, como, certa vez, já sucedera, na questão de limites do Paraná com Santa Catarina, a espera do pronunciamento do Legislativo, a fim de entrar qualquer dos Estados na posse que lhe fosse reconhecida.

Aí cada um dos Estados-membros ocupava determinada zona litigiosa, porém isoladamente.

Era possível, destarte, aguardar o apoio de outro Poder.

Mas, entre nós, não.

Os dois Estados mantêm duplicidade de jurisdição na região contestada.

E no curso do Acordo, evidentemente, havia mister evitar perdurassem as divergências existentes.

O estabelecimento de uma cláusula — de observância ao pacto, para efeitos jurisdicionais, então se impunha, coativamente, desde logo. Tudo, é óbvio dentro da faculdade peculiar ao Poder Executivo para firmar convenção desse jaez.

Tudo, dentro da esfera estritamente administrativa.

Fora dessa órbita, é concludente, — nada há que obedecer desde que fuja da alçada privativa dos aludidos poderes.

ATOS E FATOS ADMINISTRATIVOS

Mas não se puseram em prática atos administrativos, senão fatos administrativos.

Aqui, a necessidade, portanto, da distinção jurídica entre ato e fato administrativo.

Ato administrativo, consoante a generalidade da doutrina, afirma o Professor Alcino de Paula Salazar, é uma declaração de vontade produzindo efeito de direito.

Fato administrativo, diz Rodrigues Vale, é uma conseqüência do ato administrativo.

Tem, assim, seu fundamento jurídico no ato, que o precede. É, pois, o ato material que concretiza o primeiro.

O fato administrativo, expõe o douto Seabra Fagundes, traduz, na ordem material, o conteúdo jurídico do ato administrativo.

Dê-se um exemplo único, entre inúmeros outros citados pelo ilustre Mestre: a Repartição de Saúde Pública declara interditado determinado prédio, através de uma "notificação" — eis um ato administrativo; em conseqüência disso, pratica um ato material: sela as portas de acesso ao prédio — eis um fato administrativo.

Aí está a discriminação.

O fato administrativo, porém, — embora seja uma ilação do ato administrativo, como se viu — muitas vezes se realiza antes do ato.

Tal se dá quando existem razões que justifiquem essa inversão jurídica.

Assim foi o que ocorreu com o recolhimento de soldados na zona litigiosa.

A dualidade de jurisdição ali existente tornava imperiosa uma trégua, evitando a permanência de autoridades mistas — mineiras e capixabas — no local.

Daí, conseqüentemente, a prática de fatos administrativos antes de se dar cumprimento ao ato propriamente dito.

A retirada de soldados — aliás num número reduzido de dois a três em cada povoação bem se fez em decorrência da cláusula II e tal hipótese seria um fato administrativo, perfeitamente possível, consagrado pelo Direito.

CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Mas aceitos que sejam os fatos administrativos aludidos, estes não foram realizados sem raciocínio certo da noção jurídica — de responsabilidade — que os mesmos acarretariam a quem os ordenasse.

O titular da Pasta do Interior e Justiça estudou, desde logo, os fins dos atos que pudessem redundar em crimes de responsabilidade.

Sendo autor de despretensioso opúsculo sobre a matéria, dado recentemente a lume nesta Capital, verificou até onde iriam suas responsabilidades funcionais.

De fato, os Secretários de Estado estão sujeitos, — pelos atos que cometam, — a tais delitos.

É o que reza a Lei Federal n.º 1 079 de 10 de abril de 1950 e, semelhantemente, o que dispõe a Carta Constitucional espírito-santense no tocante a crimes de responsabilidade desses auxiliares do Governo.

Em virtude disso, o Secretário, — que ora tem a honra do convívio entre tantos ilustres representantes do povo, — teve o necessário cuidado de examinar fatos administrativos que devesse praticar, cônscio de que, se infringisse a lei, talvez pudesse ficar submetido às conseqüências decorrentes das disposições constantes dos diplomas legais citados.

Verificou, porém, que nenhum fato se enquadrava em transgressão às leis e assim, conscienciosamente, nada fez senão dentro dos estritos termos de suas sérias funções de Secretário de Estado.

DESVÊLO

O desvelo com que a Secretaria tem exercido o cargo até aqui, com elevado critério, bom senso e, sobretudo, patriotismo, sempre lhe assegura, felizmente, uma tranqüilidade perfeita na realização de todos os atos praticados.

Nesta questão de limites, a Secretaria pôs a sua modesta inteligência e seus modestos conhecimentos jurídicos a favor, amplamente, do Estado.

Capixaba dos mais ardorosos, digo eu, nem sempre me coloquei no posto, qual Secretário, para tratar, com os dignos Membros das Comissões Mistas, o Acordo final relativo ao assunto.

Mais do que isso, sempre me senti, dentro das atribuições que me couberam, como um advogado, já experimentado, de muitos anos, nas lides forenses. Mais do que isso, ingressei, embora eventualmente como Presidente da Comissão de Limites, com aquele queimor patriótico de quem está prestando, a seu País, honestamente, uma tarefa digna à paz do povo mineiro e espírito-santense — ou, melhormente, do povo brasileiro.

Tranquiliza-me a consciência de que o trabalho das Comissões Mistas não se tornou vão, empregado que foi com os mais elevados propósitos de bem servir a Pátria, com homens da estirpe dos que compuseram as ditas Comissões, — homens que, denodadamente, tudo fizeram, para trazer à região litigiosa, de quase um século, a paz, a tranqüilidade, o sossego dos que mourejam naquela zona, para bem dos Estados limítrofes e do Brasil.

 

Fonte: Limites (Acordo entre Espírito Santo e Minas Gerais), 1963
Autor: Eliseu Lofêgo
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2016

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