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Seis meses sem escrever – Por Milson Henriques

Britznicks, postado em 1969 em O Diário - Milson Henriques - Na segunda tira, da esq para a direita: Milson, Antônio Aquino, Marcos Alencar, Rubinho Gomes, Tina Tironi e Emília Petinari

No final dos anos 60, eu fazia nA Tribuna o Jornaleco - uma página de muito humor, e Marien Calixte me chamou para fazer o mesmo trabalho nO DIÁRIO. O detalhe é que seria mediante pagamento, ao contrário do que acontecia nA Tribuna.

Trabalhei com Paulo Makoto (fotógrafo), Paulo Torre, Pedro Maia, Mantinha Lellis, Élcio Álvares, que era redator político, Rubinho Gomes, começando. Rubinho, inclusive, era cronista de rádio e de música. Quando eu fiz o primeiro festival de música, botei Rubinho para ser jurado. Rubinho era um garoto de 16 anos, ninguém acreditava nele. Era chato, um pentelho; mas tinha muito talento.

Trabalhei também com Maura Fraga, Mariângela Pellerano, Beth Feliz, Tinoco dos Anjos, Barreto, Antonio Alaerte, os falecidos José Antonio Mansur e Amylton de Almeida, Marcos Alencar, Toninho Rosetti, Carmélia, Esdras Leonor, Enéas Silva, Luiz Tadeu Teixeira, novinho, garotinho. Essa era a turma. Jacaré e Edgard dos Anjos eram diretores. Tinha Jadir Gobbi, que era o chefe de circulação, Américo Rosa, que vivia lá, tinha o bar do Rominho ao lado, a Unidos da Piedade, o Britz, tudo pertinho. Tinha o Júlio Huapaya, pai do César Huapaya, que trabalhava lá também.

NO DIÁRIO eu fui desenhista, crítico de rádio e TV, e levei o Jornaleco pra lá. A gente lançou o Caderno Dois. Éramos eu, Amylton, Maura Fraga, Mariângela Pellerano, Carmélia, Marcos Alencar e Toninho Rosetti.

Já havia um suplemento, mas nós inovamos. Éramos um grupinho fechado: cada um escrevia uma crônica ou um texto de outro tipo, e diagramava numa paginação totalmente nova. Era um grupo metido a besta. Cláudio Bueno Rocha na época estava em A Gazeta e sentiu ciúme do Caderno Dois, porque a gente começou a fazer um caderno revolucionário, com umas fotografias imensas. Quando houve o Festival de Música, fizemos um caderno especial com o festival. Usávamos uma linguagem toda moderna para a época. Aí CBR fez uma gozação nA Gazeta dizendo que o Caderno Dois dO DIÁRIO era o caderninho feio. Nós adotamos o nome e trocamos para Caderninho Feio.

Nesse período, que foi minha melhor fase nO DIÁRIO, eu escrevia no Jornaleco (a última página do Caderninho Feio) da mesma forma como se pronuncia. Eliminei o cê-cedilha, tudo era com dois esses. Tudo com som de x, eu colocava x. Eliminei o ch. Eliminei o c, botava k. Lê-se como se pronuncia. Depois comecei a fazer crítica de rádio e TV. E era desenhista.

No tempo do Jornaleco, uma vez quase fui preso, por causa de uma caricatura de D. Helder Câmara que não chegou a ser publicada. Numa época, a polícia me proibiu de escrever e eu fiquei seis meses recebendo dO DIÁRIO sem escrever. Isso eu não esqueço nunca do Edgard. Ele me pagou seis meses sem eu fazer nada.

O DIÁRIO foi uma escola. E, embora eu fosse a puta mais velha entre todo aquele pessoal jovem, em jornalismo eu também era novo. Foi a primeira vez também que eu comecei a escrever sobre música e fazer crítica teatral. Em 1971 foram concluídas as obras de reforma do Teatro Carlos Gomes. Eu já trabalhava no Carlos Gomes com Marien e continuava nO DIÁRIO. Comecei a fazer jornalismo de uma maneira mais profissional, indo além do Jornaleco e freqüentando regularmente a redação; ao contrário da fase anterior, quando eu só ia levar a minha página. Marcos Alencar, que na época já era meu amigo, morava na parte debaixo do prédio onde funcionava o jornal. Eu e Carmélia, que éramos namorados, íamos muito na casa do Marcos. A gente também saía muito com o pessoal da redação para beber, tomar porres. Portanto, eu já estava mesmo entrosado com o jornalismo.

Marien Calixte era o diretor, descobria o talento e chamava. Depois O DIÁRIO deixou de me pagar. Às vezes pagava, às vezes não pagava. Mas isso eu não levo muito em conta porque quando eu não pude trabalhar, eles me pagaram. Mas era uma merda para receber, além de não assinarem carteira.

Saí dO DIÁRIO porque Marien foi ser diretor do Teatro Carlos Gomes e me colocou como assistente de direção. Eu tinha que ficar no Carlos Gomes o tempo todo, não tinha mais tempo para o jornal e queria realmente me dedicar ao teatro. Comecei a fazer e dirigir teatro infantil, ficando também responsável pelo grupo de teatro do Carlos Gomes. Aí ficou muita coisa, e eu larguei o jornal.

A Gazeta sempre foi bem comportada. Tipo O Globo, aquele jornal-família, enquanto O DIÁRIO era porra-louca. As manchetes dO DIÁRIO era engraçadíssimas. Meio próximas de como era O Dia, do Rio de Janeiro. Eu sempre gostei da história do Davi e Golias e adorava trabalhar no Davi. Sabe quando o Faustão trabalhava no Perdidos na Noite, na Bandeirantes, que era ótimo, aquela esculhambação ótima, e quando foi para a TV Globo se enquadrou e acabou? e acabou? A gente era mais ou menos assim. A gente se auto-gozava muito, porque a gente não tinha recurso nenhum. Mas tinha a juventude, tinha um tesão de fazer as coisas e tinha gente inteligente, o time era muito bom.

Pedro Maia era uma aula de jornal e liberdade para ousar. A gente improvisava muito e fazia manchetes maravilhosas. A página policial era um negócio super-legal. Um dos fatores que fazia dO DIÁRIO um jornal popular era o noticiário de polícia. O povo lia aquelas manchetes sobre crimes e comprava o jornal. Depois A Gazeta começou a apelar também e todo mundo apelou porque ficou fácil colocar crimes e cadáveres na primeira página. Mas na época não era comum, só O DIÁRIO se atrevia. Era um jornal bem popular mesmo, e vendia. Isso incomodava A Gazeta.

Aí um empresário meio moralista resolveu comprar O DIÁRIO, porque viu a força que o jornal tinha e quis fazer um jornal melhor, mais estruturado. Naquela época dos hippies, a redação era cheia de doidão. A gente fumava adoidado e fazia muitas outras coisas. O tal empresário quis moralizar a redação: lésbicas, pederastas, hippies, maconheiros e comunistas, fora. Modéstia a parte, eu me encaixava em todos os itens. Eu e Amylton. Só não éramos lésbicas porque não podíamos ser; o resto... Eram itens em que todo mundo se encaixava. Quem não era bicha, era comunista. Quem não era comunista, era maconheiro, e aí por diante. Aí, quando o cara viu, desistiu. Se não, ia ter de fechar o jornal. Não ia sobrar ninguém na redação.

Peguei a melhor fase dO DIÁRIO. Éramos todos jornalistas novos, que hoje já estão velhos, com uma grande vantagem sobre a geração de hoje: éramos mais unidos, porque tínhamos um inimigo em comum - a ditadura. Além disso, tínhamos o Britz, que ficava pertinho da Rua Sete. A Gazeta era numa rua próxima e A Tribuna também não era longe. Quer dizer: os jornalistas de madrugada iam todos para o Britz. Apesar de uma certa rivalidade por causa de "furos", os jornalistas eram muito unidos. E era tudo ali, a cidade era pequenininha, não existia Camburi.

Chargistas, caricaturistas? Só Janc e eu. Janc nA Gazeta e eu nO DIÁRIO. A ilustração não tinha muito destaque no jornalismo daquela época. Era comum uma fotografia ser usada anos a fio. Anúncio não existia. Tanto que não havia agência de publicidade. Jornal era só letra, letra, letra e aquelas fotos 3x4. As caricaturas e as charges vieram bem depois. O DIÁRIO nunca teve charge, um espaço fixo como existe hoje. Só tinha ilustração no Caderno Dois, quando a gente resolveu fazer uma paginação bem ousada. Os outros jornais não podiam ousar.

 A nova geração está muito preocupada com salário. Não se tem amor ao jornal, se tem amor ao salário. Naquela época a gente tinha mais amor ao jornal. Às vezes mesmo odiando o patrão. O amor à profissão falava mais alto. Hoje eu não vejo muita tesão, a época é outra. Não tem mais a luta contra a ditadura, que era uma boa luta. Eu invejo muito o pessoal que foi jovem na época da escravatura, que lutava a favor da libertação dos escravos. Que causa bonita para lutar! Era mais ou menos parecido com a gente. Embora houvese também os traidores, os caras que se tingiam de hippies para ver o que estávamos falando. A gente reclamava da vida pra diabo, mas sempre bebendo, enchendo a cara. A boemia também era um negócio gostoso.

Havia bem menos violência do que hoje. O DIÁRIO pegou essa geração de maconheirinhos. As pessoas fumavam para contestar, para ser do contra. Mas a maconha tinha também a virtude de unir as pessoas: é um negócio meio como "fondue", um passa, o outro passa. O cigarro você esconde, a maconha você oferece, não tem graça se for sozinho. Dentro da redação não rolava. Tinha o chefe de redação caretão, fingindo não saber que a gente fumava. O talento superava tudo isso. O próprio Edgard sabia de tudo mas fingia que não sabia. A gente sabia que ele também sabia.

Ficou uma saudade incrível. Muitos já foram, já morreram, mas ficou uma lembrança gostosa, apesar do sobressalto permanente. Eu vivia sendo intimado a depor. Ficava 20 dias com medo de ficar preso, pensando: o que será que eu escrevi? Será que eu falei alguma coisa, alguém ouviu e disse? Fui intimado duas vezes para ir ao 3° BC, e outras tantas vezes à polícia. Hoje você tem liberdade, mas eu cheguei a ser preso porque disse que o vice-presidente da República tinha um nome complicado. Publiquei uma notícia sobre o almirante Augusto Rademaker, que tinha uma prima no Espírito Santo, e eu descobri. Aí eu escrevi: "O vice-presidente da República, aquele do nome complicado..." Aí, fui preso.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autor: Milson Henriques
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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