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Um caldeireiro, a paz de Holanda e o dote da infanta - 1622

José Teixeira de Oliveira

No que tange à situação material da capitania, basta lembrar que, em 1662, não se encontrou na Bahia caldeireiro que quisesse se passar para cá. Afinal, mandaram um preso “que ainda não tem tenda”. Fixemos o nome desse operário que tanto serviço deve ter prestado aos engenhos – Antônio Roiz.(1)

A Companhia Geral do Comércio (I), monopolizadora e voraz, teria seu bocado de culpa na decadência do Espírito Santo.

Em meio a tão precária conjuntura, estourou na colônia a carta régia estabelecendo a contribuição do Brasil para a paz de Holanda(2)  e dote da infanta(3) anuidade de cento e vinte mil cruzados para a primeira e vinte mil para o segundo, durante dezesseis anos.(4)

O quociente que tocou ao Espírito Santo fala eloqüentemente das suas minguadas possibilidades frente às demais capitanias. Eis como o governador geral arbitrou o tributo: Bahia, oitenta mil cruzados; Pernambuco, vinte e cinco mil; Paraíba, três mil; Itamaracá, dois mil; Espírito Santo, um mil; Rio de Janeiro, vinte e seis mil; São Vicente, quatro mil, reservando-se ao “Espírito Santo, Porto Seguro e Ilheus por muito tenues para a limitação do que derem se applicar ás faltas da contribuição desta Cidade [do Salvador]”.(5) Transmitindo ao capitão-mor a comunicação a respeito do novo donativo, aconselhava Francisco Barreto “que se lançasse duzentos mil reis em páo Brasil, e duzentos em assucar; por serem os generos que ha nesta Capitania mais capazes de se tirar delles esta quantia, e se conduzir a esta praça, para cujas quebras, se tem aplicado”.(6)

Ficamos, então, sabendo que havia duas castas de pau-brasil no Espírito Santo, “das quais uma é muito incapaz de serviço”.(7) Mais tarde, chegaram à conclusão, na Bahia, de que o pau-brasil produzido aqui não tinha “o valor, nem a bondade que deve, para ser admitido”, pelo que se devia substituir a sua parcela, na contribuição, por parecer “mais suave e mais effectiva, em panno de Algodão”.(8)

 

NOTAS

(1) - DH, V, 158 e 161.

(I) “A Companhia do Comércio foi fundada em 1649.

Para estimular essa organização dispendiosa, que exigia altas iniciativas e capitais vultosos, o governo português despojou-se, em benefício dela, de inúmeras prerrogativas, estabelecendo, para ela, um regime de exceção econômica.

Eram nove os diretores da Companhia, a quem, como aos acionistas de mais de dez mil cruzados, se outorgavam privilégios excessivos. Ficavam eles isentos da jurisdição dos tribunais, dependendo exclusivamente da Coroa; podiam alistar soldados, não só entre os paisanos, mas no exército e na marinha de guerra nacionais; e suas frotas gozavam, nos portos, das facilidades dispensadas às naves reais.

Do ponto de vista comercial, as concessões garantiam-lhes o transporte total dos gêneros de que se abastecia, e que exportava o Brasil. A Companhia recebia um frete correspondente, e mais dez por cento a título de seguro.

Conseguira mais: o monopólio da venda do vinho, do azeite, do bacalhau e do trigo, precisamente os quatro artigos que constituíam a base da importação brasileira. Mas o Regimento, composto de cinqüenta e dois artigos, fixava os preços desses artigos: quarenta mil réis para a pipa de vinho, um mil e seiscentos réis por arroba de farinha, idem por arroba de bacalhau.

Em compensação a esses largos favores, a Companhia, cuja concessão era de vinte anos, renováveis por mais dez, obrigava-se a enviar, anualmente, ao Brasil, duas frotas de dezoito navios, cujo armamento, por unidade, não podia ser inferior a vinte e seis canhões. [...] Como acontece sempre com essas empresas forras às leis da livre concorrência comercial, a Companhia não se contentou com os benefícios assegurados.

Exigiu mais. Aumentou os preços, a começar pelo Rio. Especulou com os gêneros de exportação. Comprava a baixo preço, por meios indiretos, violando as estipulações de seu Regimento.

Ainda mais: não dispondo de estatísticas, importava, muita vez, em excesso, os gêneros de consumo, obrigando as câmaras a aceitá-las, e noutras deixava o país exposto à míngua de gêneros de primeira necessidade!

Como se ainda não bastasse, pleiteara e obtivera uma medida odiosa, que viria trazer, senão a ruína da colônia, ao menos um prejuízo enorme à sua lavoura e à sua indústria: a da proibição do fabrico do hidromel [vinho fabricado com o mel] e da aguardente no Brasil” (LEMOS BRITO, Hist. Econômica, 85-7).

– “Na Capitania do Espírito Santo faltara o azeite a ponto de não chegar para a lâmpada que ardia diante do Santíssimo Sacramento, ‘e foi a necessidade tão extrema que hum saçerdote comungou a hostia sagrada para se euitar a indeçencia de não estar com a deuida reuerencia com grande sentimento daquelles fieis’. A mesma falta se experimentara de farinha e bacalhau, quer na Bahia quer na Capitania do Espírito Santo e Rio de Janeiro, e sendo estas praças das principais, fácil seria conjeturar o estado em que se encontrariam as outras de menor importância. Nasciam estes danos do fato das pessoas que manejavam os cabedais da Companhia carregarem para aquele Estado muito menos quantidade de gêneros do que os que eram necessários para o seu provimento, granjeando assim maiores lucros com os preços extraordinários a que os vendiam, fazendo traspassos e negociações ilícitas com os ministros que lá tinham para esse fim.

Ainda a pouca quantidade que navegavam a não mostravam de uma só vez para não lhe baratearem o preso, mas entregavam-na ocultamente aos seus ministros para que a vendessem no decorrer do ano por preços imoderados, com o que se podia recear huma ultima desesperação, daqueles moradores. Por todos estes motivos mais uma vez pedia a el-Rei que extinguisse a Companhia do Comércio do Brasil, franqueando o livre comércio aos seus vassalos para remédio de todos os prejuízos que se experimentavam, e utilidade das alfândegas e fazenda real. S. l. n. d.” (RAU, Manuscritos, I, 399-403).

Este libelo traz até nossos dias o grito desesperado da colônia, amordaçada pela voracidade dos beneficiários de um monopólio aniquilador. Trata-se de papel respeitante ao Brasil e pertencente ao Arquivo da Casa de Cadaval.

(2) - Tratado assinado em Haia a seis de agosto de 1661.

(3) - D. Catarina, irmã de D. Afonso VI, que se casou com Carlos II da Inglaterra a vinte e três de junho de 1661.

(4) - “Infelizmente, porém, como sucede tantas vezes nos impostos [diz VARNHAGEN, HG, III, 264], acabados esses dezesseis anos, os mesmos donativos estabelecidos para ele seguiram-se cobrando, a pretexto de urgência do Estado, a ponto de que ainda em nossos dias existiam”. E acrescenta o mesmo autor, em nota: “Vêmo-lo figurar no Orçamento do Império de 1830 (artigos 21 e 22) no valor de vinte e cinco contos” (op. cit, 264).

(5) - DH, IV, 99.

(6) - DH, XXXIII, 297.

(7) - DH, V, 161.

(8) - DH, V, 466-7.

 

Fonte: História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição, Vitória (APEES) - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria de Cultura, 2008
Autor: José Teixeira de Oliveira
Compilação: Walter Aguiar Filho, junho/2017

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