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Uma grande família – Por Mariângela Pellerano

Capa do Livro: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1998 - Capa: Anderson Marques

Eu tinha acabado de sair da Escola Normal e adorava escrever. Na época, trabalhava no Laboratório de Medicina da Ufes e ia almoçar todo dia no Restaurante Universitário, onde fiz amizade com Ewerton Guimarães, que era estudante de direito e estava começando a trabalhar nO DIÁRIO. Como ele sabia que eu gostava de escrever, em 1968 me convenceu a tentar um estágio na Rua Sete, onde sempre davam chance para quem não tinha experiência.

Na época, até circulava o comentário malicioso e inverídico de que, depois de três meses trabalhando de graça como estagiário, os "novatos" eram mandados embora e contratada nova mão de obra gratuita.

Apesar dos comentários, fui para O DIÁRIO, tendo sido apresentada pelo Ewerton ao editor. Minha primeira pauta foi sobre um censo do IBGE e eu não tinha a menor idéia do que fazer e como começar. Apesar disso, segui em frente com o papelzinho na mão e o coração batendo, morrendo de medo. Peguei todas as informações e, feliz da vida, voltei para o jornal. Procurei o editor disparei: "Está tudo aqui. Consegui anotar tudo o que você queria". Achava que o trabalho tinha acabado ali.

Para meu desespero, ele me indicou uma máquina de escrever para que batesse a matéria. Quase caí de costas, pois nunca tinha sentado em frente a uma máquina. Mas não ia dizer pra ele que eu não sabia. Fiquei horas catando milho. Levei muito mais tempo pra bater do que para levantar a notícia. No fim do dia, os dedos estavam doendo e a cabeça fervendo. Joguei mil papéis fora porque sempre saía errado. Quando finalmente consegui bater tudo e achei que estava bom, acabou o dia.

Fiquei na maior expectativa. Pensei: será que vou ser aprovada? No dia seguinte, foi mais fácil. Mas até hoje digito as matérias com quatro dedos.

Fiquei nO DIÁRIO cerca de dois meses trabalhando de graça. Eu ache que eles não iam me contratar porque não falavam nada. Nesta época, A Tribuna me convidou e, como vi que não tinha nada de positivo nO DIÁRIO, aceitei o convite.

Um mês e meio depois, O DIÁRIO me convidou pra retornar. Sentindo me poderosa, pensei: "Agora, só se me contratarem. Estágio, nem pensar". E deu certo: fui contratada.

Na redação, passei por várias etapas. Só não fui repórter de Polícia e Esporte. Numa época, eu tinha uma coluna chamada Gente, preenchida com informações colhidas nos hotéis e no aeroporto sobre pessoas famosas que estavam hospedadas na cidade. Havia um arquivo, que ficou sob minha responsabilidade.

Mas eu gostava mesmo era do Caderno Dois, com matérias de cultura e reportagens variadas: entrevistas com o vendedor de amendoim, com a primeira Miss Espírito Santo, o dia dos artistas de circo, a vida no asilo dos velhos. Eram matérias humanas e eu gostava muito disso.

Vinícius Seixas e Cláudio Bueno Rocha vieram de fora e traziam uma visão nova de jornalismo, revolucionando O DIÁRIO. Mudaram todo o visual do jornal.

Todo dia era diferente. A gente tinha um amor danado. Nem importava se o salário estava atrasado ou se ganhávamos pouco. Às vezes a gente ia pra oficina de madrugada ver os caras montando. Era como se o pessoal que trabalhava lá fizesse parte da nossa família.

Quando uma coisa dava errado a gente quase morria. Quando quebrava uma máquina a gente sofria, como se a gente fosse um pedaço daquilo. Nós ficávamos esperando até de madrugada, principalmente quando era uma coisa nova.

O Caderno Dois dava o maior reboliço. Deixávamos o dono do jornal louco porque às vezes nossas "artes" ultrapassavam todos os limites. Era tão maravilhoso que nem parecia um ambiente de trabalho. A gente não sentia que O DIÁRIO era uma empresa. Aquilo era uma cachaça, amor mesmo. Ninguém tinha diploma de jornalismo. A gente trabalhava com a cara e a coragem, aprendendo com a prática. Com o tempo, algumas pessoas iam para A Gazeta, onde o profissionalismo era maior. Mas o amor era O DIÁRIO. (Por isso as pessoas que trabalharam lá são ligadas até hoje. Se falar que vai ter um encontro, todo mundo se reúne. Em 1995, foi organizada uma festa no Ferrinho para comemorar o aniversário do Rogério Medeiros e, de repente, todo o pessoal se encontrou. O aniversário acabou ficando em segundo plano. Fizeram uma mesa do pessoal e todo mundo queria ir para essa mesa).

Tinha gente que não queria ir prA Gazeta por não concordar com a linha do jornal, que tinha uma diagramação certinha demais enquanto O DIÁRIO era mais moderno. Numa certa época o Caderno Dois começou a distribuir um troféu criado pelo Milson Henriques: era uma minhoca, a Clodô de Ouro, uma espécie de Oscar entregue a algumas personalidades. O caderno saía uma vez por semana e a gente sempre escolhia os piores. Geralmente eram políticos, ou alguém importante que tinha feito alguma bobagem durante a semana.

A gente debochava e às vezes o dono do jornal não gostava porque vinha de volta um monte de bronca. Resultado: o caderno acabou em cinco semanas. A gente prometia maneirar. Mas não dava. A direção gostava, mas trazia problemas.

Às vezes fazíamos uma coluna infantil. Nós escrevíamos os artigos e, ao lado saía o retrato do autor quando criança... Não havia outro lugar pra fazer esse tipo de coisa.

Às vezes, às 7h da noite a gente saía e ficava num bar próximo à Rua Sete, que era o lugar onde todo mundo se encontrava. O assunto era sempre o mesmo. Ficávamos lá esperando e depois subíamos pra pegar o jornal quentinho.

Mas não era só brincadeira. A gente fazia um jornal sério. Uma vez me pautaram para fazer uma série de matérias sobre poluição ambiental na Companhia Siderúrgica de Tubarão que saiu uns dez dias seguidos. Durante esse período, uma vez entrei lá dentro da empresa sem autorização, no meio de um pessoal conhecido que trabalhava lá, e quase fui presa. Quando eles viram, eu já estava lá e foi a maior doideira. Como era uma época de muita repressão, eu morria de medo.

 

Fonte: O Diário da Rua Sete – 40 versões de uma paixão, 1ª edição, Vitória – 1998.
Projeto, coordenação e edição: Antonio de Padua Gurgel
Autora: Mariângela Pellerano
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2018

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O DIÁRIO foi meu primeiro emprego. Comecei em 27 de setembro de 1957, com 14 anos, como contínuo na Rua Sete de Setembro 

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