Morro do Moreno: Desde 1535
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Vasco Coutinho velejando para o Brasil

Réplica da Caravela Glória construída nos 500 anos de descobrimento do Brasil

Em que idade o donatário teria velejado para o Brasil? Todos os historiadores afirmam que Vasco Fernandes se arriscara em idade madura, na sua empresa colonizadora. O sangue português, dos homens dos séculos XV, XVI e XVII, era de verdadeiros titãs. As fadigas da guerra e as tormentas dos mares desconhecidos não intimidavam os moços e muito menos os velhos lobos do mar. Pelejava-se até a idade provecta. São inúmeros os guerreiros de barbas brancas a combater os mouros e espanhóis nas guerras da libertação peninsular.

Para que Duarte Coelho de Lemos, em 1550, considerasse a Coutinho como velho, deveria ele beirar pelo menos os sessenta e cinco anos bem sofridos. Não é, pois, fora de propósito atribuir-se a idade de cinqüenta anos ao aportar à baía de Vila Velha em maio de 1535. Essa nossa hipótese não é esdrúxula, porque o vimos já soldado em 1510. Por muito prematuro que fosse então, teria seus vinte e cinco anos. Talvez que, ao se engajar soldado, tivesse deixado Ana Vaz com seu Vasco Coutinho Filho, aventura permitida a todo o filho de morgado rico. Com aproximação razoável, admito que Vasco Fernandes tenha nascido por volta de 1484, falecendo em 1561, cansado e doente, depois de empobrecido dos bens de fortuna.

Em imóveis inventariados, Vasco Fernandes Coutinho, possui "um prédio de casas" em Santarém, adquirido pelo hospital da cidade e a celebrada quinta do Alenquer. Essa propriedade representava apreciável fortuna na época. Pela sisa, imposto de transmissão medieval, tributada pelo fisco em 28.000 reais, avaliamos a propriedade em 300.000 reais, quantia vultosa no Portugal quinhentista. Para nos apercebermos da ordem de grandeza desses valores, é bastante compará-los a certas importâncias da munificência régia: Mem de Sá e Tomé de Souza venciam respectivamente 400 e 600 mil reais por ano e ocuparam os mais altos cargos ultramarinos. Um navio armado em nau de guerra custava 120.000 reais. A receita do reino de Portugal em 1534 foi de 288 contos de réis.

Como aposentadoria, prêmio de seus 19 anos de lutas na carreira militar, vencia a tença mensal de 30.000 reais. (11) Não se sabe a quanto montava o amealhado nas Índias. (12) A guerra, desde os tempos primitivos, foi processo natural de enriquecimento dos soldados e oficiais. O saque, depois da rendição duma praça, era o prêmio indiscutível da vitória. E os portugueses combateram os muçulmanos, inimigos da fé cristã, aos quais nada se poupava.

Coutinho não deve ter sido exceção honrosa. Juntou quantia que lhe prodigalizava fama de homem rico. E o devia ser, do contrário não seria agraciado com capitania no Brasil.

D. João III, instituindo o regime de colonização, pelo sistema de capitanias hereditárias, tinha ciência dos encargos pesados da empresa. Amar caravelas, recrutar colonos, mantimentos, munição e utensílios, estabelecer-se na colônia, conquistá-la aos aborígines, lavrá-la e assistir aos emigrados, defendendo o território contra as investidas dos estrangeiros, não era empreitada para simples valido da coroa: era preciso ter, além das virtudes de comando e resolução, cabedais avultados.

Não tinha Vasco Fernandes Coutinho, é bem verdade, os recursos financeiros e econômicos dos dois irmãos Marfim Afonso e Pero de Souza, de Duarte Coelho, de Jorge Figueiredo Corrêa, mas era indiscutivelmente homem de boa fortuna, cinqüentão, tostado ao clima tropical do Oriente, vivendo aventuras sedutoras ao gosto dos renascentistas.

Foi a perspectiva de novos lances romanescos, que arrastou Vasco Fernandes ao Novo Mundo. Vendeu tudo, contraiu dívidas, arregimentou os irreconciliáveis sessenta colonos e, com criados e fâmulos, (13) empinou as velas do "Glória" em busca de seu "vilão farto". Um salto dado no espaço para escrever, com sofrimento e resignação, a epopéia da colonização capixaba.

Vasco Fernandes Coutinho não se preocupou com a posteridade. Não teve cronistas na sua grei, que registrassem os dias bons e maus da época de sua epopéia histórica durante vinte e seis anos de donataria.

Não fossem as cartas anuais dos jesuítas, as informações de um ou outro franciscano ao seu prior, só nos restariam as cartas escritas ao monarca pelos governadores Tomé de Souza e Mem de Sá, nas viagens de inspeção que fizeram às costas sul do Brasil. As poucas cartas, escritas de próprio punho por Vasco Fernandes, no estilo dos súditos portugueses, lamurientas e suplicantes, são mais atos de contrição humilde, do que propriamente notícias da capitania. Eram tantas as dificuldades a superar e as graças a pedir a El-rei, que o nosso capitão-mar se escondia sempre na humildade cristã, no afã de conseguir as graças do monarca, pelo merecimento de seus sofrimentos, ocultando o que de nobre fizera. A generosidade, a altaneira, o cavalheirismo, e o desprendimento com que solvia os casos quotidianos, da implantação do domínio lusitano em suas terras, ficaram na penumbra indecisa dum gesto régio ou duma tolerância medrosa.

A idade, os desenganos, as intrigas, as lutas desiguais, a agressividade do solo e dos indígenas, as doenças e o abandono modificaram-no profundamente. Resignou-se, deixou-se levar ao sabor dos acontecimentos. Não dispondo da fibra de Duarte Coelho, para lutar com o punho forte dos resolutos, nem o comodismo egoísta de Martim Afonso de Souza, Pero de Souza e Góis da Silveira, que abandonaram suas capitanias, buscando vida mais rendosa nas graças do monarca, esperou estaticamente o destino que Deus lhe reservara. Foi covarde ou predestinado?

 

NOTAS

(11) Trinta mil réis.

(12) ... da índia veio para o Brasil Vasco F. Coutinho, da mesma sorte possante e rico, mas com huma contraria té o Taboatão-Orbe Seráfico.

(13) Ruy Fernandes criado, e o fidalgo Fernandes Veles, fâmulo, compunham os serviçais de Vasco Coutinho. Acompanharam inclusive o donatário em sua viagem a Lisboa. Serviram de testemunhas na escritura de doação de Coutinho a Duarte de Lemos.

 

Fonte: Biografia de uma ilha, ano 1965
Autor: Luiz Serafim Derenzi
Compilação: Walter de Aguiar Filho, maio/2015

Nao foi poss~ivel connetar o banco