CLEMENTINO
DE BARCELLOS
Texto
de Djairo Gonçalves Lima (Academia de Letras Humberto
Campos)
Na
última década do século XIX surgiam em
Vila Velha as primeiras ruas em substituição
aos caminhos então existentes. Viam-se, ainda, árvores
centenárias cujas ramagens eram açoitadas pela
inclemência do vento sul. Vila Velha era um verdadeiro
poema composto pelas lindas manhãs ensolaradas, pelo
contínuo murmúrio do mar espreguiçando
suas ondas nas areias da desaparecida “Prainha”,
ou pelos matizes cambiantes das tardes arrebol.
Nesse cenário bucólico veio à luz Clementino
de Barcellos, a 4 de maio de 1891. Nascia aquele que seria
um dos maiores apaixonados pela gleba vila-velhanse e o grande
incentivador das coisas alegres que foram feitas em Vila Velha.
Nascido no seio de tradicional família, logo cedo o
menino Clementino aprendeu a amar o torrão natal e
a respeitar suas mais nobres tradições. Por
isso, ninguém melhor que ele conheceu as lendas de
sua terra e o folclore que, hoje, lamentavelmente, vive sepultado
na noite do esquecimento.
Filho de Jerônimo Pereira de Barcellos e Ana Penha Leão
de Barcellos, Clementino constituiu família casando-se,
em 1917, com Maria Emelina Mascarenhas (D. Nenê). Do
matrimônio nasceram três filhos: João e
Marina (falecidos) e Francisco. O primeiro era funcionário
aposentado da Companhia Vale do Rio Doce, ela, Marina, casada
com Américo Bernardes da Silveira, ex-deputado e ex-prefeito
desta cidade, e Francisco atua como cirurgião-dentista.
Todos radicados em Vila Velha.
A partir do primeiro decênio do século XX, Clementino
de Barcellos passou a fazer parte da história de Vila
Velha. Em se tratando de comemorações cívicas
ou de entretenimentos populares, nada aqui se fazia sem a
sua ativa participação.
O desembargador Antônio Ferreira Coelho, pernambucano
de nascimento, trouxe para o Espírito Santo o folclore
nordestino. Um auto de Natal apaixonava as duas facções
(o cordão azul e o cordão encarnado) nas apresentações
feitas sempre no mês de dezembro e, encontrou, em Clementino
de Barcellos, o mais vivo entusiasta para dar prosseguimento,
durante muitos anos, na terra canela-verde, às festas
que arrancavam do povo os maiores aplausos. A Lapinha e o
Reisado, originários do Nordeste brasileiro e aqui
representados sob o comando de Clementino, enfeitavam as noites
vazias e mal iluminadas de Vila Velha.
Clementino realmente gostava de viver alegremente a vida.
Assim gostava muito também de cantar. Eram de seu repertório
“O sole mio”, “Oh! que mar tão lindo”
e “O assobio”. Esta última, uma canção
de letra muito jocosa, tendo o estribilho assobiado, era sucesso
certo onde a cantasse. Gostava de organizar seus teatrinhos,
onde podia ser ou produtor, diretor, autor e ator, como também
iluminador, coreógrafo, sonoplasta, cenógrafo,
etc.
Enfim, qualquer atividade ligada ao teatro ele a exercia com
competência. Tinha também muita habilidade para
trabalhos manuais, o que lhe permitia cuidar do guarda-roupa
do teatro, dos adereços, etc...
“Há dias no ano em que o povo precisa fazer-se
criança. Contrariar esta lei, é torná-lo
triste, desgraçado”, escreveu Melo Moreia Filho.
Na
verdade, o nosso inesquecível Clê (como era chamado
pelos parentes e amigos) tinha o maravilhoso dom de fabricar
alegria. Sabia, como ninguém, transportar as pessoas
para a fase mais feliz da vida: a infância. Diante das
festas por ele organizadas, fossem os “Banhos de Mar
à Fantasia” ou as “Batalhas de Confete”,
fossem os folguedos juninos, sempre acompanhados das tradicionais
“quadrilhas”, ou a encenação folclórica
da “Maruja”, todos se sentiam crianças,
dominados pela mais contagiante alegria.
Os antigos bailes da União das Flores, Fenianos, Democratas
ou Celestial, clubes que disputavam a hegemonia do carnaval
vila-velhense nas décadas de 20 e 30, não podiam
ser animados sem a presença marcante de Clementino
de Barcellos. Era um homem que inspirava confiança
e quando assumia a direção de qualquer empreendimento
popular, o sucesso vinha na certa. Por isso, desde os carros
alegóricos dos movimentados e românticos carnavais
de Vila Velha até a representação de
peças teatrais, era imprescindível a orientação
genial daquele homem inteligente e alegre, a irradiar simpatia
por onde passava.
Numa época em que o silêncio das noites era quebrado,
não raro, pela melodia acariciante de uma serenata,
quase sempre acompanhada de um violão boêmio,
que, docemente, despertava as pessoas, nascia em Vila Velha
o teatro amador. Aliás, em meados do século
XVI, nos primórdios da Colonização do
Espírito Santo, a área em frente à Igreja
do Rosário tinha sido palco para a encenação
de pelo menos uma peça do Padre José de Anchieta,
o “Auto de Santa Isabel”. Portanto, a representação
teatral, no Brasil, se não nasceu em Vila Velha, aqui,
certamente, ensaiou seus primeiros passos.
Clementino de Barcellos e amigos, também admiradores
da arte cênica, dentre eles Diociécio Gonçalves
Lima, Lúcio Bacelar, Miguel Aguiar e outros, ensaiaram
e representaram dramas oriundos do teatro português,
tão em voga na época. Foi uma fase importante
na vida da cidade, que passou a ser bafejada com ensinamentos
culturais ditados pelo teatro.
Em 14 de novembro de 1914 – aos 23 anos de idade - assumiu
por nomeação do Governo Federal o cargo de sinalizador
do posto semafórico localizado no Morro do Moreno,
à entrada da Baía de Vitória, em substituição
ao seu falecido pai, que naquela época exercia a mesma
função.
Esse posto tinha por finalidade identificar, por meio de uma
luneta de longo alcance, os navios ainda em alto-mar e verificar,
com antecedência de várias horas, se os mesmos
demandavam ao Porto de Vitória, se vinham do sul ou
do norte, fornecendo detalhes, como o nome do navio, da companhia
a que pertencia, etc. Foi nessa atividade que, em 1914, Clementino
teve oportunidade de avisar a aproximação do
primeiro avião que desceu em Vitória. Eram os
almirantes portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral realizando
a primeira travessia aérea do Atlântico.
Em 1937, com a extinção do posto do Moreno,
passou a exercer a chefia de linhas dos Correios e Telégrafos.
Em 6 de março de 1939, foi designado para a função
de guarda fios.
Em 10 de dezembro de 1940, passou ao cargo de auxiliar do
depósito, sendo elevado à chefia da unidade
em 4 de fevereiro de 1941. Em 1947, foi nomeado inspetor de
linha, tendo em várias ocasiões, exercido, em
substituição, o cargo de chefe de linhas. Nesta
função aposentou-se em 1951, ocasião
em que recebeu justa homenagem do diretor geral dos Correios
e de seus colegas de serviço.
Por tudo que realizou, levando ao povo entretenimento, alegria
e cultura, Vila Velha estava devendo a Clementino uma homenagem
que tornasse o seu nome conhecido pela atual geração
e sempre lembrado por todos que, no passado, conheceram ou
conviveram com aquela maravilhosa figura que soube marcar
uma época, destacando-se pela dedicação
e amor sempre voltados para a terra que lhe serviu de berço
e sepultura. Faleceu a 7 de junho de 1983.
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Clementino
é tema do livro infanto-juvenil "Krikati,
Tio Clê e o Morro do Moreno", devido ao
seu trabalho como observador do Posto Semafórico do
Morro do Moreno. Para saber mais sobre o livro, clique
aqui.
Uma
curiosidade que grande parte da população canela-verde
desconhece é que o nome do Terminal de Vila Velha é
oficialmente Clementino de Barcellos, em homenagem ao grande
Mestre Clê.
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