O
Místico e o Convento da Penha
Trecho
transcrito do Livro:
Vila Velha, seu passado e sua
gente.
Autor: Dijairo Gonçalves
Lima
Vila Velha – ES – 2002
O primeiro donatário ainda era vivo. Velho, doente
e cansado, sobre ele desabavam as mais difíceis atribulações
de sua vida. Exatamente nessa época, no ano de 1558,
desembarca na Prainha de Vila Velha o franciscano irmão
leigo frei Pedro Palácios.
Natural de Medina do Rio Seco, na província de Salamanca,
Espanha, o irmão Pedro, que já era idoso, aqui
chegou afagando o desejo de salvar almas e com o propósito
de servir a Deus de maneira solitária e contemplativa.
Era um asceta.
Segundo a tradição, dias após o desembarque
sentiram a ausência de frei Pedro. Depois de muita procura
foram encontrá-lo em uma cabana que fizera no “campinho”,
na parte mais ou menos plana da colina. Estava a rezar. A
seu pedido, os moradores da vila construíram no lugar
da cabana uma capelinha onde o religioso passou a guardar
o painel de Nossa Senhora e a pequena imagem de São
Francisco. Ali o humilde anacoreta descansava o corpo envelhecido.
Tempos depois, em 1566, com a ajuda dos mesmos habitantes
da vila e o auxílio financeiro de pessoas abastadas,
frei Palácios deu início à construção
de uma ermida sobre rocha escalvada, entre duas palmeiras.
Estava convencido de que ali Nossa Senhora desejava fosse
erguida a sua igreja. A capela foi inaugurada a 30 de abril
de 1570, oportunidade em que foi comemorada a primeira Festa
da Penha. Nessa época a Colônia continuava sendo
administrada por Belchior de Azeredo. O segundo donatário
ainda não tomara posse da Capitania.
Dois dias depois, a 2 de maio, foi encontrado morto na capelinha
de São Francisco o “místico velhinho”.
Durante o dilatado período de 99 anos, a contar do
lançamento da pedra fundamental, em 1651, prosseguiram
as obras de edificação com várias e longas
interrupções, até que, em 1750, sobre
o rochoso cume da colina, o Convento assume a forma que hoje
tem.
Por três vezes o Santuário da Penha foi objeto
de assalto por parte dos holandeses. Tanto na primeira tentativa,
em 1625, como na segunda, em 1643, foram mal sucedidos. Acabaram
batidos e fugiram depois de algumas baixas, sem nada saquear.
Na terceira tentativa, em 1653, os holandeses conseguiram
seu intento. Informados por um português das preciosidades
em ouro e prata que existiam no alto da Penha, certa madrugada
os holandeses que navegavam em direção ao sul
saltaram em Vila Velha e, subindo a ladeira, de surpresa invadiram
o Santuário. Não fizeram vítimas. No
entanto, recolheram todos os objetos de valor encontrados
na sacristia e no altar e tudo levaram, inclusive os escravos
da Penha.
A “ladeira da penitência”, de pedras irregulares,
foi construída em 1643. Era a única via de acesso
ao alto da Penha até que em 1928 foi aberta a estrada
de rodagem. O esforço para subir a ladeira, sombreada
por árvores seculares, é compensado pela exuberante
beleza das lianas pendentes de ramos verdejantes, ou pelo
perfume silvestre de virentes folhagens. No período
de julho de 1774 a dezembro de 1777, a ladeira foi novamente
calçada e, na ocasião, levantados seus muros
laterais.
Arrojadamente plantado na crista de escarpada rocha, a 154
metros de altitude, o Convento de Nossa Senhora da Penha durante
séculos foi batido pela fúria dos ventos e atingido
pela inclemência das tempestades. Nos anos de 1769,
1867 e 1868 sofreu consideráveis danos provocados por
chuvas de granizo e raios. Até o ano de 1900 nele não
existia pára-raios, circunstância que o deixava
vulnerável a desastrosas descargas elétricas
da atmosfera. Por isso, sofreu desgastes que ao longo dos
tempos exigiram reparos imediatos. Os pára-raios só
foram instalados em 1901.
Entre os guardiães do Convento, um se destacou pela
sua cultura reconhecida no Brasil do século XIX. Trata-se
do frei Francisco
de Monte Alverne (1784-1858), a quem foi entregue a guardiania
do Convento no período de outubro de 1819 a outubro
de 1821. Quando aqui chegou contava 35 anos e já era
considerado o maior orador sacro de sua época. Atraía
multidões com o encanto de sua retórica e o
poder de sua eloqüência. O espaço do Santuários
da Penha era muito pequeno para conter os fiéis que
aos domingos vinham de todas as partes e subiam a colina para
ouvir durante a missa os belos sermões de Monte Alverne.
Quis, porém, o destino, que o grande orador poucos
anos depois contraísse violenta enfermidade que o deixou
cego até o final dos seus dias.
Conta-se que, durante a cegueira, o franciscano Monte Alverna
proferiu os mais eloqüentes sermões de toda sua
vida.
Referência Bibliográfica:
Lima, Dijairo Gonçalves
Vila Velha: sua passado e sua gente / Dijairo Gonçalves
Lima. – Vila Velha: [s.n.], 2002 354 p.: il.; 21 cm
1. Vila Velha (ES), 1535 – 1912 – História.
2. Romance brasileiro – Vila Velha (ES). I. Título
CDD 981.529
B 869.3529
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