Carta de doação do Convento da Penha
Fonte:
Relicário de um povo - O Santuário de Nossa
Senhora da Penha - 1958
Autora: Maria Stella de Novaes
“A
Governadora Luiza Grimaldi e seu Adjunto, Miguel de Azeredo,
desta Capitania do Espírito Santo, e oficiais da Vila
da Vitória, e assim os da Câmara desta Vila do
Espírito Santo da dita Capitania que este ano de noventa
e hum servimos, etc. – Fazem saber aos que esta Carta
de doação virem, que vindo os Muito Reverendos
em Cristo Padres Capuchos da Sagrada Religião dos Frades
Menores de Seráfico Padre São Francisco da Província
de Santo Antônio de Portugal, mandados do Irmão
Padre Geral Frei Francisco Gonzaga, e por ordem de Sua Majestade
a estas partes do Brasil a edificar casas e Mosteiros para
a Glória e serviço do Nosso Senhor, e da salvação
das almas, e aumento de nossa Santa Fé Católica,
com título de Custódia de Santo Antônio
do Brasil, sujeita à mesma Província de Santo
Antônio do Reino de Portugal, confirmada por um Breve
Apostólico do Papa Sisto V de boa memória; sabendo
isto Vasco Fernandes Coutinho, que Deus tenha em sua glória,
Capitão e Governador, que então era desta Capitania,
movido com santo Zelo do Senhor, e bem comum e aumento espiritual,
que com os ditos Religiosos receberia esta Capitania; considerando
o fruto que faziam em outras partes, onde já estavam,
com sua vida exemplo e doutrina, oração e sacrifícios,
mandou pedir ao R. P. Frei Melchior de Santa Catarina, Custódio
da sobredita Custódia, e Comissário destas partes,
pelo Irmão Padre Geral, que lhe mandasse Religiosos
a esta Capitania para nela fazerem casa, e habitarem, para
que nós tão bem recebêssemos deles a mesma
doutrina e exemplo, pela muita devoção, que
todos temos a esta mesma Sagrada Religião, oferecendo-lhe
para a sua morada a casa de Nossa Senhora da Penha, sita no
termo da Vila do Espírito Santo, por respeito de haver
fundado um religioso da sua Ordem, chamado Fr. Pedro, que
ali veio com licença de seus Prelados muitos anos,
com muito exemplo de vida, e edificação do Povo,
e ali acabou virtuosa e santamente, e foi sepultado em uma
Ermida e Capela, que a esse tempo tinha feito, e por sua morte
os moradores desta Capitania, por sua devoção,
e por respeito do lugar reformaram e aumentaram, e sustentaram
no estado em que hoje está, e sempre com intento e
desejo de a entregar aos Religiosos da dita Ordem para nela
habitarem, e assim o mandaram pedir a dito Padre Comissário;
e posto que ele então não pôde mandar
Religiosos, para arribarem às Índias, os que
vinham do Reino em Companhia do Governador Geral Francisco
Giraldes; ordenou Nosso Senhor, como depois mandasse outros
para esta Capitania para satisfazer nossos desejos e edificar
casa nela, aos quais recebemos com a devoção,
e caridade, que a tal Religião devemos; e para melhor
nos aproveitarmos de sua Santa conversação,
e doutrina, Sacrifícios, ofícios, Orações
e mais exercícios, e recebermos proveito espiritual,
que deles pretendemos, lhe damos sítio nesta Vila da
Vitória, onde ora estão, e nós com eles
não menos edificados, que satisfeitos, e consolados;
e desejando nós corresponder da nossa parte, e manifestar
a gratificação, que devemos, e a razão
que temos de louvar a Nosso Senhor Jesus Cristo pela mercê,
que nos fez satisfazendo de todo os nossos desejos, e devoção
com os termos somente nesta Vila da Vitória, mas tão
bem em a casa de N. Senhora da Penha, já dita, por
ser lugar mui acomodado, e disposto para fazerem ali muitos
serviços a Nosso Senhor, e para consolação
dos devotos, que ali concorrem por devoção da
Senhora, e Navegantes, que a ela se vão encomendar,
pelo qual juntos nós com o muito R. Francisco Pinto,
Vigário desta Vila da Vitória, e ouvidor da
vara nesta capitania, nos fomos ao mosteiro do glorioso P.
S. Francisco, e com muita instância pedimos aos Muito
Religiosos em Cristo Padres Fr. Antônio das Chagas seu
companheiro quisessem receber a dita casa de Nossa Senhora
da Penha, e fazerem nela um oratório, pois lhe era
tão devida, e pertencente pelas razões atrás
declaradas, os quais nos responderam, que eles aceitariam
a dita casa por autoridade, que para isso tinham do dito Padre
Comissário seu Prelado, da maneira e forma, que eles
podiam e segundo sua Regra, e declarações dela,
feitas pelos Sumos Pontífices, especialmente Nicolau
III e Clemente V. convém saber, uso simples que eles
podem ter das coisas oferecidas, e dadas à sua Ordem.
Pelo que, de consentimento dos moradores da dita casa Nossa
Senhora que nisto intervieram e procuraram com os ditos Religiosos
a tal aceitação, e de comum voto, e parecer
de todo o Povo desta Vila da Vitória, que para isso
foi junto em câmara, todos os sobreditos juntos, e cada
um per si, com todo o direito, jurisdição, e
ação, com que fazer o podemos, de hoje para
sempre damos, e doamos à sobredita Ordem a Custódia
dos Frades Menores Capuchos de S. Antônio do Reino de
Portugal da Ordem do Seráfico Padre São Francisco
a dita casa, a igreja de Nossa Senhora da Penha. E assim e
da maneira, que a eles podem receber, segundo por eles nos
foi declarado, com toda a fábrica do edifício,
que nela está feito, assim de casa, como de outra qualquer
obra de pedra, cal, tijolo, madeiras; e assim também
para mais recolhimento seu, e para que ao diante não
sejam molestados, e devassados com lhe fazerem roças
ao redor daquele monte, ou com gados, lhe damos todo o chão
e terra desde o pé do dito monte até o cume,
que outra pessoa não fosse primeiro dado.
E assim mais todas as águas, e fontes que nele há,
e todos os mais bens e coisas à dita Igreja anexas,
obrigadas, e pertencentes. Mas, porque os ditos Frades não
são capazes por sua Regra da propriedade e domínio
de coisa alguma, havemos por bem e queremos que tal propriedade,
e domínio de todas elas, logo seja traspassado e de
feito traspassamos ao Sumo Pontífice da Santa Igreja
Romana, como está declarado pelos Papas acima ditos
e na forma que dito havemos esta doação por
feita, firme, fixa, e valiosa de hoje para sempre, e mandamos
deitar e registrar no livro das doações da Câmara
desta Vila da Vitória para nós servem. Dada
da dita Vila da Vitória aos seis dias do mês
de dezembro.
Gaspar Carvalho, Tabelião na dita Vila da Vitória,
e que ora serve de escrivão da Câmara em ausência
do proprietário, a fez por nosso mandado ano de mil
e quinhentos e noventa e um anos.
Sobredito tabelião o escrevi D. Luiza Grimaldi, Miguel
de Azeredo, Marcos de Azeredo. Marcos Veloso. Domingos Luís.
Francisco Pinto. Gaspar de Paiva. Domingos Rodrigues.
Fica registrada esta doação no livro dos Registros
desta Câmara da Vila da Vitória a folhas vinte
e quatro e vinte e cinco do dito livro por mim Gaspar de Carvalho
tabelião, que serve na dita Câmara, e por verdade
assinei hoje vinte de dezembro de mil e quinhentos e noventa
e um anos.
Gaspar
de Carvalho”.
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