A
TOCA
Fonte: Ecos de Vila Velha
Autor: José Anchieta de Setúbal
A
Toca, localizada na rua Luciano das Neves, quando ganhou este
nome estava restrita ao trecho que ia da rua Sete de Setembro
até o final, onde moravam os Bernardes. Ela confundia-se
com uma estrada de barro, um pouco à esquerda, que
ia para a Barra do Jucu, e que hoje é denominada avenida
Professora Francelina Carneiro Setúbal. Daí
para a frente, considerando-se a linha reta da rua em referência,
existia apenas um caminho aberto no meio de uma capoeira e
logo mais adiante uma lagoa com fundo arenoso e águas
rasas. Transposta a lagoa de pouca largura, prosseguia-se
pelo mesmo caminho que dava origem a outras trilhas. A esse
local denominava-se Cruz do Campo, que mais tarde, depois
de densamente povoado, se tornaria conhecido como bairro de
Divino Espírito Santo.
A
área na qual se situava a Toca, na rua Luciano das
Neves, não chegava a dispor de dez casas. Quem lá
morava era considerado um aventureiro e pessoa de espírito
desbravador. A energia elétrica mal chegava à
metade da sua extensão e a iluminação
pública não existia. Esses novos moradores tinham,
geralmente, parentes que residiam no centro de Vila Velha,
nas imediações das linhas de bonde.
Na
cidade, pouco populosa, quase todos se conheciam, e quando
não, sabiam pelo menos da existência uns dos
outros. Para citar apenas um exemplo, lembramos um cidadão
morador da Toca chamado Francisco Ferreira Coelho. O terreno
em que ele construiu sua casa era considerado grande, tanto
de frente quanto de fundos. Lá ele possuía algumas
vaquinhas de leite, um pequeno aviário e alguns animais
domésticos, um pomar e uma horta. O Chico Coelho, como
era popularmente conhecido, tinha as suas raízes mais
fortes fincadas no centro da cidade. Destacava-se dentre seus
parentes o Desembargador Ferreira Coelho, morador de confortável
casarão no alinhamento — como quase todas as
casas da época — da rua Luciano das Neves.
Bem
relacionado na cidade, Chico Coelho recebia muitas visitas
em seus domínios, tanto de parentes e amigos como de
pessoas desconhecidas. Dessas idas e vindas à casa
do Chico Coelho surgiu o nome "Toca". Bastou que,
num determinado dia perdido no tempo, alguém que se
dirigia à sua casa para lhe fazer a costumeira visita
se encontrasse com outra pessoa e estabelecesse com ela um
diálogo mais ou menos assim:
—
E aí, há alguns dias que não o vejo.
Tudo bem com você?
—
Tudo bem, obrigado. E você, como está?
—
Tudo em ordem. Só quero saber para onde você
vai com tanta pressa.
—
Estou indo à Toca, — respondeu o outro, mais
enigmático do que preciso.
—
Toca?
—
Sim, à Toca.
—
Que lugar é este? Moro há tantos anos aqui e
ainda não o conheço e nem sei onde fica.
O
outro, gostando do rumo da prosa, continuou mais misterioso
ainda e saiu-se com esta:
—
Por acaso você sabe em que lugar se recolhe o coelho?
—
Claro que sei. Vive e se esconde numa toca.
—
Então estamos entendidos, amigo. Vou à casa
do nosso amigo comum, o Chico Coelho. Se ele é Coelho,
mora na Toca.
Os
dois amigos, trocado o diálogo, deram boas risadas.
A conversa tomou conta da cidade, correndo de boca em boca,
e o nome Toca pegou.
A
princípio era empregado para identificar a propriedade
de Chico Coelho, para mais tarde servir de referência
àquela área da rua Luciano das Neves. Depois
a Toca passou a ser freqüentada por outras pessoas que
não se dirigiam apenas à casa de Chico Coelho,
que foi totalmente esquecido, mormente nos dias atuais.
Depois
de tanto tempo com essa denominação inquestionável
e sem batismo formal, o nome Toca caiu quase em completo esquecimento,
sendo a localidade apenas conhecida como rua Luciano das Neves
com os seus respectivos números, um local ou uma rua
como outra qualquer.
O
mesmo povo que generosamente homenageou um dos seus primeiros
moradores, mutável através das gerações,
preferiu, por certo, adotar o nome da rua com os seus números
e casas comerciais a lembrar que ali existiu um bairro de
maior abrangência identificado como Toca.
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